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Computação Musical – uma conversa com o professor Marcelo S. Pimenta

Computação Musical – uma conversa com o professor Marcelo S. Pimenta

Isa: Primeiramente, muito obrigada pela participação nesta coluna! Por favor, fale um pouquinho sobre você e de sua trajetória para a área de Computação Musical.
Pimenta:
Desde que iniciei meu contato com a Computação, sempre tive interesses múltiplos e ecléticos, aplicando (e/ou desenvolvendo) conceitos, modelos e ferramentas computacionais em (para) áreas que não fazem parte da “linha dura” da Computação. Isto na verdade continua até hoje…rsrsr Assim, de um interesse inicial em tópicos de Engenharia de Software e Interação Humano-Computador, fui aos poucos me dedicando a outros temas, como a Computação Musical (abreviada CM) e mais recentemente Governança Digital.

A aproximação com a Computação Musical foi bem direta: estudei música na infância e adolescência, só interrompendo quando ingressei na universidade em 1983 por total falta de tempo, mas sempre me mantive interessado por música e por Música, tendo cursado disciplinas do curso de Bacharelado em Música durante a graduação. Ao me deparar em 1989 , já no mestrado, com uma área que integra a Computação e a Música, me empolguei e comecei a ler livros e artigos e a buscar mais informação. Além disto, tive o privilégio de ter colegas  e amigos (por exemplo Eduardo Miranda, Eloi Fristch) que estão entre os pioneiros desta área no Brasil e que alimentavam meu interesse e minha fome de informação com conversas esclarecedoras e material difícil de conseguir na época. Logo me tornei professor e comecei a atuar nesta área, ainda como um hobby.

Criei uma disciplina em 1993 sobre o tema na primeira universidade onde trabalhei (UFSC) e logo surgiram alunos interessados que me motivaram mais e mais. Nesta época surgiram os primeiros resultados e publicações. Me transferi em 1998 para o Instituto de Informática da UFRGS – onde estou atualmente – e após algum tempo o que era hobby se tornou uma área de pesquisa importante pra mim, e para a qual temos um laboratório, o Laboratório de Computação Musical (LCM).

Isa: O que comporta a área de Computação Musical e sua relação com os cursos da Computação? Esse é um trabalho interdisciplinar?
Pimenta:
Computação Musical (CM) é uma área eminentemente interdisciplinar dedicada ao estudo da aplicação de computadores (incluindo aí hardware, software e conhecimento/pensamento computacional) como suporte a atividades musicais. Computação Musical engloba muitos problemas computacionais interessantes e relevantes – por exemplo, de representação de conhecimento musical, de controle a tempo-real de dispositivos, de interação com usuários possivelmente leigos em informática, para enumerar apenas alguns. Isso, então, torna a CM uma área bastante excitante do ponto de vista da investigação científica.

CM é uma área ainda pouco conhecida no Brasil, mas já formamos uma comunidade e já temos reconhecimento acadêmico. A SBC possui uma Comissão Especial de Computação Musical (CECM) – que congrega os interessados no tema e que organiza um evento periódico (Simpósio Brasileiro de Computação Musical – SBCM). Para se ter uma ideia da imensa variedade de problemas com os quais a CM se ocupa, basta darmos uma olhada nos tópicos da chamada de trabalhos para um Simpósio Brasileiro de Computação Musical (SBCM).

Isa: Você poderia falar um pouquinho das suas pesquisas e de seu grupo?
Pimenta:
A minha pesquisa em Computação Musical (CM) nos últimos anos tem se caracterizado por um enfoque de orientação a leigos, ou seja, para a investigação de sistemas computacionais como apoio a atividades musicais realizadas por pessoas que são leigas em música, que não possuem conhecimento formal ou treinamento teórico/prático em música . De fato, grande parte dos sistemas existentes são focados em um usuário mais especializado: o músico, seja ele profissional ou amador. Esta mudança de foco para a orientação a leigos é um desafio também para a área de IHC e com isto se consegue aproveitar nosso background em IHC para aplicar em CM. Este foco é de certa forma pioneiro na área e nossos trabalhos têm recebido uma boa aceitação e uma repercussão interessante. Com esta perspectiva, iniciou-se o trabalho de Evandro Miletto – primeiramente no mestrado e depois no doutorado – desenvolvendo um ambiente para criação musical cooperativa na web , o CODES. Evandro agora é professor no IFRS e continua fazendo pesquisa neste ambiente. Muitos trabalhos de alunos de mestrado e de graduação foram realizados no contexto do CODES e esperamos continuar auxiliando para sua evolução.

Outro trabalho de pesquisa interessante que desenvolvi em CM resultou na criação de uma linha de pesquisa denominada Música Ubíqua, e que está na intersecção da Computação Musical e da Computação Ubíqua (Ubiquitous Music). Este trabalho iniciou como tema de tese de doutorado de Luciano Vargas FloresUma Infraestrutura para o Design de Interação Musical com Dispositivos Móveis Cotidianos. A tese de Luciano foi uma pesquisa exploratória que investigou as possibilidades e os elementos envolvidos na utilização de dispositivos móveis de consumo (consumer mobile devices) como ferramentas para atividades musicais. Dispositivos móveis comuns de informação e comunicação – telefones celulares, smartphones e computadores de mão – têm incorporado cada vez mais funcionalidades através do fenômeno da convergência, e tendem a se tornar plataformas de computação móvel genérica. O tema ainda é emergente, justificando a abordagem exploratória adotada. Os trabalhos existentes apresentam soluções específicas, havendo a necessidade de uma proposta de organização de conceitos gerais e de fundamentação para o design de interação nesta área. Do ponto de vista da área de Interação Humano-Computador (IHC), um problema central neste é como realizar o design de interação de um sistema para atividades musicais que envolve dispositivos móveis não-específicos, ou seja, que não foram projetados originalmente para tarefas musicais. É o que identificamos neste trabalho como o problema do “reaproveitamento de dispositivos” (device repurposing). A solução envolve não modificar os dispositivos, e sim encontrar maneiras próprias e variadas (alternativas) de manipular dados e informações musicais utilizando os recursos já existentes nos aparelhos. Além disso, o design da interação musical não deve considerar apenas o paradigma instrumental – baseado na interação com instrumentos musicais tradicionais – mas sim incluir no espaço de design outros paradigmas de interação, muitos deles originados e já adotados na área de Computação Musical. Neste trabalho, esses diversos paradigmas ou formas de interação musical são identificados e formalizados como proto-patterns de interação.

A coleta e o refinamento dos patterns foi possível por meio de uma metodologia exploratória baseada na experiência de desenvolvimento de vários protótipos musicais móveis, e que incluiu também uma extensa revisão bibliográfica e a análise de sistemas existentes. O resultado deste processo foi organizado na forma de uma infraestrutura composta por conceitos e princípios, patterns de interação e ferramentas para o apoio ao design de sistemas interativos musicais envolvendo dispositivos móveis de consumo.

Quando começamos a publicar e a trocar ideias sobre isto, logo surgiram mais parceiros e formamos um grupo multidisciplinar, multi-institucional e internacional (denominado g-ubimus). Os encontros deste grupo de pesquisa são realizados desde 2010 na forma de um workshop , Ubimus Workshop de Música Ubíqua, inicialmente nacional – I Ubimus (2010, Florianópolis), II Ubimus (2011, Vitória), III Ubimus (2012, São Paulo), IV Ubimus (2013, Porto Alegre), V Ubimus ( 2014, Vitória) – mas que agora começa a tornar-se efetivamente internacional pois o VI Ubimus (2015, Växjö) realizou-se na Suécia e o VIII Ubimus deve se realizar na Austrália. A repercussão do trabalho do grupo tem sido grande e culminou com a publicação de um livro pela Springer em 2014, denominado Ubiquitous Music, e do qual sou um dos editores (junto com os incansáveis colegas Damián Keller e Victor Lazzarini).

Minha pesquisa em CM atualmente ainda é muito focada em Música Ubíqua, e estou participando da proposição de novos projetos criados para estimular a integração e a colaboração com os demais membros do g-Ubimus. Minha atuação em CM não atrapalha meus interesses em IHC e Engenharia de Software, pois atuo numa tentativa de conciliar os interesses e os conhecimentos de uma área em outra, isto é, tentando usar conhecimentos de uma área para abrir uma nova perspectiva ou adaptar uma solução a um problema de outra área. E isto tem sido muito estimulante para minha carreira de pesquisador e para meu papel de formador de recursos humanos. No LCM, mesmo com pouca gente, temos – meu colega Marcelo Johann, eu e o Prof. Rodrigo Schramm (do Depto de Música da UFGRS) – conseguido coisas que muitos almejam: um grupo com gente boa, integrando conhecimentos técnicos com boas ideias e criando um ambiente agradável e rico de discussão e de trabalho.

Ultimamente temos nos dedicado ao desenvolvimento de sistemas (hardware e software) para Computação Musical em plataformas de baixo custo (mas com limitações computacionais importantes) como por exemplo, Arduino Due. Marcelo Johann tem também investigado a fundo a qualidade de áudio, tendo alcançado resultados muito interessantes. E Rodrigo Schramm tem se dedicado ultimamente a sistemas de suporte à criação musical e à musicalização através da voz assim como a vários tópicos de recuperação de informação musical.

Além disto, as características interdisciplinares do tema têm sido, nos últimos anos, objeto de trabalho quotidiano do LCM , que conta com a participação e interação efetivas de professores e alunos tanto do Instituto de Informática quanto do Instituto de Artes da UFRGS, em particular do Depto de Música. Um aspecto interessante a observar é que 2 professores do Depto de Música – Eloi Fristsch e Rodrigo Schramm – fizeram seu doutorado no nosso Programa de Pós- Graduação em Computação (no INF-UFRGS). Da mesma forma, alguns alunos da Computação foram bolsistas de Iniciação Científica (IC) na Música. Assim temos facilitado o diálogo e tornada possível uma melhor colaboração.

Isa: Atualmente quais são as principais linhas de pesquisa da área no Brasil e no mundo? Quais os eventos mais importantes?
Pimenta:
Cada pesquisador da área de CM vai provavelmente indicar o “seu conjunto” de linhas principais, mas alguns temas têm sido recorrentes nos últimos anos. As linhas que tenho identificado como “principais” hoje são: recuperação de informação musical (music-information retrieval); novas interfaces para sistemas musicais; e a integração das várias formas atuais de interação social (incluindo participação e colaboração) com música, som e tecnologia.

O principal evento da área no Brasil e principal ponto de encontro dos membros desta comunidade é o SBCM, que ocorre a cada 2 anos.

Os principais eventos internacionais são:

Isa: O que você poderia dizer para as pessoas que gostariam de iniciar nesta área? Que sugestões e recomendações você pode dar?
Pimenta:
Minha sugestão é muito direta: procure alguém com mais experiência na área – mesmo que em outra instituição. Peça material introdutório, leia, leia bastante e tente esclarecer qual sua intenção. Escolha um tema de trabalho que o estimule e que você considera importante e instigante. Tente ingressar em um grupo (mesmo virtual), de preferencia multidisciplinar, que alimente suas ideias e onde vc possa compartilhar dúvidas e soluções.

Isa: Para finalizar gostaria de agradecer sua participação!

Um pouco mais sobre nosso entrevistado:

Pimenta
Marcelo S. Pimenta é professor titular no Instituto de Informática (INF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Doutor em Informática pela Université Toulouse 1(1997), França. Bolsista de Produtividade do CNPq. Atualmente coordena o Laboratório de Computação Musical (LCM) do INF/UFRGS junto com o Prof. Marcelo Johann. Atua em grupos de pesquisa multidisciplinares, trabalhando nas áreas de Interação Humano-Computador, Computação Musical e Engenharia de Software, com ênfase na integração entre estas áreas. Foi presidente da Comissão Especial de Computação Musical (CECM) da Sociedade Brasileira de Computação de 2009 a 2011, e de 2011 a 2013 (2 mandatos sucessivos) e é membro do Comitê Gestor da CECM da Sociedade Brasileira de Computação desde 2009. É um dos membros fundadores do g-Ubimus, grupo de pesquisa em Música Ubíqua e editor do livro “Ubiquitous Music” publicado pela Springer em 2014.

Para saber mais sobre o professor acesse seu CV Lattes e sua página no INF- UFRGS.

 

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