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DEZEMBRO / 2008

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INDÚSTRIA

EDIÇÃO Dezembro 2008

Dicas para sobreviver no mundo globalizado

As várias faces da rotina de um executivo global no mercado de software

Qual o profissional que, recém-formado, não sonha ter viagens ao redor do mundo como obrigação profissional? Apesar de ser um sonho comum, sua realização pode se tornar um pesadelo se as expectativas e habilidades do profissional não estiverem muito bem definidas. Nesse artigo o autor mostra, através de exemplos tragicômicos de sua vida profissional, que habilidades não aprendidas na academia podem ser muito úteis no dia-a-dia de um profissional globalizado.

Surpresas em cada canto

Imagine-se na seguinte situação: com pouco tempo após sua formatura, você recebe um convite para trabalhar em uma empresa de renome internacional, como consultor global e com um bom salário. Pré-requisito: falar e escrever fluentemente em inglês e espanhol, além de conhecer em profundidade sistemas Unix.

Empolgado, posto que possui o pré-requisito de línguas em inglês, você “floreia” o fato de conhecer Unix apenas como usuário, e de ter feito alguns semestres de espanhol numa escola que não era, por assim dizer, o “estado-da-arte” das escolas de línguas. Na entrevista (em inglês) você se sai muito bem, e é contratado.

Logo na primeira semana de trabalho você é enviado para Boston-EUA para fazer um curso avançado do produto com o qual trabalhará, sendo que não conhecia nem o básico de Unix completamente (e muito menos o básico do produto, necessário para o curso avançado). “Tudo bem, eu me viro” pensa você com aquela peculiar confiança de recém-formado. No curso – ministrado pelo seu chefe, com vários clientes em sala de aula – você nota que talvez não seja assim tão fácil aprender o produto. “Tudo bem, eu acho que vai dar para aprender em algumas semanas”, pensa você, com um pouco menos de confiança no próprio “taco” e contando com o tempo até ser alocado no primeiro assignment de projeto “à sério”.

Qual não é a sua surpresa quando, logo ao final do curso, seu chefe lhe pergunta:

- Pronto para viajar para seu primeiro projeto? Será uma apresentação do produto em um grande cliente e parceiro, no México. Irei junto com você.

- Claro, chefe! Diz você, já pensando em quantos cursos rápidos de espanhol podem ser feitos em algumas semanas.

- Que bom! Pois estamos indo em 10 dias para lá, volte ao Brasil e prepare suas coisas.

- Com certeza chefe! Responde você, já com as mãos trêmulas e suando frio - mas tudo bem, seu chefe é americano, e nem vai perceber seu “portunhol”.

- Ah, mais um detalhe: pode ficar tranquilo, que os dias de apresentação mais avançada eu mesmo faço. Você pode ministrar só a parte básica. (Detalhe a ser lembrado: era justamente essa parte básica que você NÃO viu no curso que acabou de assistir).

- Ahn, mas chefe … a apresentação não deve ser em espanhol? Como o senhor fará para apresentá-la? (Você pergunta isso, com sua cabeça já agendando quantas horas perderá de sono até aprender a parte básica direito, além de melhorar o seu espanhol decentemente).

- Sem problemas! Eu acho que esqueci de mencionar para você: eu sou Mexicano de nascimento, vim para os EUA há muitos anos para estudar. De fato, a cidade para onde vamos é bem pertinho de onde tive meu primeiro emprego …

Nesse momento, você já acha que o sono durante a próxima semana será um mero detalhe …

A história verídica acima aconteceu comigo em um de meus primeiros empregos. Mostra bem uma armadilha comum em que caímos quando, recém-formados, nos achamos capazes de tudo e que podemos revolucionar o mercado a nossa volta pela simples manifestação de nossas vontades: a de que uma “pequena mentirinha” não terá maiores consequências em nossa vida profissional, desde que alcancemos nosso objetivo.

(Em tempo: sim, estudei como nunca em uma semana, e consegui ter um desempenho aceitável. Depois disso, não me pergunte, pois dormi por um fim de semana inteiro).

Neste artigo você terá alguns exemplos de atitudes e comportamentos que não são ensinados na faculdade; eles lhe ajudarão a se enquadrar na sociedade globalizada e, caso tenham a vontade, seguir uma carreira de viagens ao redor do mundo sem grandes surpresas. Sempre que possível, ilustrarei as explicações com situações verídicas vividas por mim, para que possam ver o que pode acontecer caso vocês cometam os mesmos “deslizes”.

As habilidades-mestras: Ética e Controle Emocional

Com certeza você recém-formado ou graduando deve se perguntar se o que aprendeu até esse momento é o suficiente para enfrentar o competitivo mercado de trabalho global. Posso lhe responder o seguinte: se você tem capacidade de enfrentar qualquer situação, por mais difícil que seja, mantendo uma postura totalmente Ética e o seu Controle Emocional, você já tem boa parte do caminho para o sucesso traçado.

Na minha história acima, o que me salvou de um desastre profissional foi justamente ter mantido controle sobre o desespero que me tomou; porém, nitidamente, se houvesse tido uma postura mais ética, a situação talvez sequer tivesse surgido.

Porém, você pode se perguntar: e se você não tivesse exagerado nas suas características profissionais, teria conseguido o emprego? Provavelmente sim: bastaria que tivesse condições de colocar minha situação de uma maneira ética e politicamente correta, sem chamar muito a atenção para minhas deficiências. Por exemplo, poderia citar na entrevista todos os ganhos que tive como usuário de Unix por anos a fio, minha experiência de meses estudando espanhol, sem dizer que era expert nos dois. Isso provavelmente não iria causar impacto em minha contratação, deixando porém uma porta aberta para dizer as minhas limitações quando o problema surgiu.

Infelizmente, temos uma cultura que privilegia o “espertalhão” que via de regra é anti-ético, e não somos instruídos a termos autocontrole, nem em casa e nem na escola. Isso é geralmente aprendido durante anos de experiência. E posso garantir: essas características são valorizadas em qualquer lugar do mundo que se vá, independentemente da cultura local, apesar de poder ter uma conotação um pouco diferente dependendo de onde você esteja – na China, por exemplo, muitas vezes contratos em papel não são lá muito respeitados e sua capacidade de convencimento do cliente é mais valorizada, e isso não é considerado anti-ético.

Como fazer, então, para evitar surpresas desagradáveis como a que tive acima? Minha recomendação inicial é a de que leia dois livros: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, e Em Busca de Sentido, de Viktor E. Frankl (ver seção Recursos, mais adiante no artigo). Ambos podem lhe dar uma base teórica sobre o que digo. Porém, a utilização da Ética e do Controle Emocional só é efetivamente aprendida no uso contínuo em todas as relações humanas.

A curiosidade como mola-mestra

Certa vez fui convocado para ministrar um treinamento no Kwait. Foi minha primeira experiência em um país majoritariamente muçulmano.

Em lá chegando, fui surpreendido por várias coisas que desconhecia, por exemplo:

  • Um calor insuportável, que beirava os 40 graus celsius à meia-noite e chegava aos 55 ao meio-dia.
  • Muito dinheiro, e pouca água, que custava o triplo de uma quantidade semelhante de gasolina.
  • Muçulmanos e sua cultura, bem diferente da minha, me cercando por todos os lados.

Isso tratando apenas do aspecto pessoal; profissionalmente, a situação não estava muito melhor…

O maior desafio que enfrentei não foi o calor ou a cultura, mas um software que causava problemas por ser, ele próprio, falho; para complementar, havia também um cliente claramente inapto a usá-lo, e sob pressão gerencial para usá-lo o quanto antes. E justamente por isso, o cliente queria ver qualquer um que viesse de nossa empresa pelas costas, para dizer o mínimo.

Nesse exato momento percebi que, se tivesse tido a curiosidade de pesquisar um pouco mais sobre a cultura do país em que estava, e não achasse que o expertise que tinha no produto me salvaria de qualquer enrascada, poderia ter me preparado um pouco mais estudando as características daquele cliente e do projeto em si.

Em consequência, fui obrigado a virar noites a fio resolvendo problemas técnicos que sequer eram de minha responsabilidade para poder deixar o cliente feliz com meu trabalho – noites em que, às vezes, o ar-condicionado não funcionava. E ai daquele que ousasse tirar a camisa naquele ambiente xiita!

Assim, segue uma outra recomendação para você que quer tornar-se um ator no palco global da indústria de software: todo conhecimento, seja ele técnico ou cultural, é pouco.

Procure estar sempre atualizado sobre a realidade de seu produto e às necessidades de sua empresa e de seu cliente. Estude os seus gostos, e tenha uma noção mínima de sua língua. Em resumo, faça sua lição de casa direitinho antes de ir à casa dos outros.

Ao aprender essa lição no Kwait, mudei imediatamente meus hábitos: além de deixar meu cliente feliz, perguntei e aprendi tudo o que podia sobre cultura do Islã.

Dedicação ao cliente acima de tudo

Aliás, já que falamos em deixar o cliente feliz, aqui segue uma outra regra de ouro: independente do lugar do mundo onde esteja ou da empresa onde trabalha, coloque os interesses de seu cliente acima de tudo – inclusive acima dos seus interesses pessoais.

Não, isso não implica naquele lugar comum de “o cliente tem sempre razão”. Você é o profissional que ele contratou para lhe dar o melhor, e muitas vezes esse mesmo cliente não sabe o que é melhor para ele.

Nesse caso, além de ser politicamente correto e usar seu controle emocional, ambos descritos anteriormente, você deverá convencer seu cliente a respeito do que é melhor para ele. E, caso ele não concorde, ter muito bem documentado que a responsabilidade é dele, não sua.

De qualquer forma, o seu objetivo é sempre fazer com que seu cliente fique satisfeito com os seus serviços, e em consequência com sua empresa. Mesmo que você passe por cima de interesses pessoais, ficar conhecido como um profissional com foco no cliente trará reconhecimento imediato.

Segue mais uma história para exemplificar: certa vez, fui chamado para ministrar treinamento em Islamabad (Paquistão), em plena zona de guerra. Nessa época eu tinha uma série de compromissos particulares e familiares, os quais precisei adiar pois a disponibilidade do cliente era restrita àquela data; além disso, ninguém mais podia - ou queria - ir para lá, por razões óbvias.

Ao concluir a longa viagem, no início do meu meu trabalho já percebi que não seria nada fácil. O cliente queria usar nosso produto de maneira não muito ortodoxa, não cumprindo sua função efetiva e deixando-o vulnerável a ataques de hackers. No entanto, ele insistia que o produto fosse configurado daquela maneira.

Como você convence um cliente fundamentalista islâmico em pleno Oriente Médio, sendo funcionário de uma empresa símbolo dos EUA como a IBM, de que o que ele quer fazer é uma bobagem perigosa?

Pois bem, a solução encontrada se baseou totalmente no compromisso com o cliente: usando o pouco de conhecimento da cultura árabe que tinha, estabeleci uma relação de amizade com o cliente mostrando que havia estudado detalhes de seu dialeto e peculiaridades culturais. Após essa demonstração de respeito, virei algumas noites preparando o sistema para demonstrar o quão perigoso era o cenário que ele estava projetando. E o hackeei, intencionalmente, numa noite.

Com o cliente quase em pânico no dia seguinte, expliquei calmamente o que havia feito, e retornei o sistema ao seu padrão rapidamente - obviamente, não houve qualquer dano, apenas uma pane rápida programada. Mostrei também como poderia usar o mesmo software de uma maneira mais eficaz para o seu dia-a-dia (o qual tive a atenção de estudar cuidadosamente), enquanto mantinha a segurança. Não sei se pelo alívio ou pela forma que expliquei, o cliente ficou extremamente satisfeito, e mudou a forma de utilizar o sistema.

Seu reconhecimento foi levado à minha gerência, que imediatamente me congratulou; minhas atitudes causaram um impacto que se refletiu nos bons resultados obtidos no final do ano. E, para compensar os transtornos pessoais causados pela viagem, ganhei quase uma semana de folga, que pude usar para resolver tranquilamente o que tive que deixar para trás.

Isso exemplifica de maneira bastante evidente que a combinação de ética, controle emocional, capacidade de se relacionar com o próximo, curiosidade e dedicação ao cliente trazem benefícios imediatos à sua carreira.

Concluindo

A vida de qualquer profissional depende não apenas de suas capacidades técnicas, mas muito de suas capacidades pessoais.

Estas podem ser lapidadas apenas de uma forma: vivendo. Porém, se você puder evitar alguns obstáculos aprendendo com a experiência de quem esteve lá e errou, poderá acertar mais ou, ao menos, não cometer erros que outros já cometeram.

Uma coisa é certa: o mundo é muito grande e cheio de oportunidades. Se você tiver capacidade de entendê-lo, sua carreira será limitada apenas aos seus anseios.

Recursos

Livros:

  • Inteligência Emocional, Daniel Goleman, Editora Objetiva, 1995.
  • Em Busca de Sentido, Viktor E. Frankl, Editora Vozes & Editora Sinodal, 2008.

Sobre o autor

Wilson Santana é Engenheiro Eletricista, especialista em Telecomunicações pela UNICAMP. Trabalha como Consultor Global de Capacitação Técnica da IBM na área de Gerência de Redes de Telecomunicações com software IBM/Tivoli. Em seu trabalho, já capacitou mais de 2000 clientes internos e externos em mais de 100 cidades em 4 continentes. Até hoje tem voltado vivo para contar sua história.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v01n01/36.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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