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EDIÇÃO ABRIL 2009

Como Elaborar uma Proposta de Pesquisa

Essas dicas podem ser a diferença entre uma proposta recusada e um projeto aceito
Artigo especialmente elaborado pelas editoras-chefe

Este artigo apresenta várias dicas de pesquisadores dos maiores programas de Pós-Graduação em Computação para se elaborar propostas de projetos de pesquisa. É um artigo curto que vai direto ao ponto e responde duas perguntas importantíssimas: qual a característica mais importante de uma proposta de pesquisa bem elaborada e quais são os erros mais comuns nas mesmas.

Quem já submeteu um projeto de pesquisa sabe como é estressante redigir uma boa proposta. Elaborar projetos é essencial para um pesquisador. Além disso, alguns programas de mestrado e de doutorado exigem propostas de projetos já na fase de seleção. Deste modo, a boa elaboração de propostas se torna essencial não apenas para os pesquisadores já formados, mas também para os futuros pós-graduandos. Com o intuito de auxiliar os nossos jovens pesquisadores a elaborarem propostas de pesquisa, as editoras-chefe da SBC Horizontes (profas. Mirella Moro e Marta Mattoso) consultaram alguns pesquisadores para responder duas perguntas: qual a característica mais importante de uma proposta de pesquisa bem elaborada e quais são os erros mais comuns nas mesmas.

Gostaríamos de agradecer imensamente aos pesquisadores que colaboraram com as dicas deste artigo:

  • Alberto H. F. Laender, UFMG, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A.
  • Altigran S. da Silva, UFAM, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2.
  • Flávio R. Wagner, UFRGS, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1C.
  • Geraldo Robson Mateus, UFMG, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1B.
  • José Palazzo M. de Oliveira, UFRGS, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1C.

Características Mais Importantes de Uma Proposta de Projeto de Pesquisa

Com base nas respostas dos pesquisadores, preparamos dicas práticas para a elaboração de uma boa proposta de projeto de pesquisa (o qual referenciamos simplesmente como proposta). Alguns pontos foram mencionados por vários pesquisadores, os quais foram unidos para melhor clareza deste artigo.

Dica 1. Ter conhecimento da área de pesquisa relacionada. Uma proposta de projeto de pesquisa não pode ser um salto no desconhecido. Deve existir alguma evidência de que o que está sendo proposto tem alguma chance de funcionar e que o proponente sabe o que está dizendo. Neste caso, o projeto deve ser sempre uma evolução de algum trabalho já desenvolvido ou em desenvolvimento pelo seu autor ou grupo de autores. Em outras palavras, uma proposta bem elaborada demonstra de que forma os objetivos e metas estabelecidos dão continuidade a um trabalho pré-existente no grupo de pesquisa. Resultados anteriores comprovados devem ser claramente apresentados (inclusive através de citações bibliográficas adequadas) e os novos objetivos devem ser uma decorrência natural dos mesmos, mas estabelecendo novos desafios para a investigação. Além disso, é fundamental que se conheça a área para conseguir identificar novidades científicas as quais valem à pena ser investigadas, conforme a próxima dica.

Dica 2. Descobrir o novo, sem redescobrir a roda. Para elaborar uma boa proposta é necessário, em primeiro lugar, ter um conhecimento amplo da área de pesquisa, conforme a dica anterior. Sem este conhecimento, o autor da proposta pode propor um projeto para a “redescoberta da roda”. Em computação há uma tendência em acreditar que tudo que for mais antigo do que uns dois ou três anos é descartável, inclusive o conhecimento. A conseqüência é a submissão de inúmeros projetos propondo, algumas vezes com roupagem diferente, resolver problemas que já foram tratados há muitos anos e se encontram publicados. Uma revisão bibliográfica detalhada e a interação com pesquisadores experientes são essenciais nesta fase.

Dica 3. Interagir com grupos de pesquisa. A dica anterior leva, diretamente, aos projetos multi-institucionais de pesquisa, pois é muito difícil ter uma boa produção trabalhando sozinho, pelo menos para a área mais tecnológica da computação (costuma-se dizer que em pesquisa, 2 + 2 pesquisadores nunca são exatamente 4, mas sim, pelo menos 5). Os grupos menores e iniciantes têm muito a ganhar participando de projetos maiores com pesquisadores seniores que possam dar a visão geral do problema e que conheçam a história da pesquisa. Ninguém cresce sozinho, lembre-se que o doutorado é apenas o início da carreira de pesquisador autônomo. Por exemplo, na Física, a visão geral é de que o pesquisador só está pronto para iniciar a carreira de físico depois de concluir o doutorado quando, e só então, deve fazer um estágio de um ou dois anos em outro centro de excelência em pesquisa. Um outro exemplo vem da França, onde há um exame para que um professor comece a dirigir pesquisa. Em várias universidades brasileiras há o exame para livre docência, que é mais ou menos equivalente e corresponde à defesa de uma produção científica consistente. É preciso aceitar que a carreira acadêmica tem estágios que devem ser conquistados, o mesmo se passa com os grupos de pesquisa. Da mesma forma, os grupos de pesquisa e os grupos de pós-graduação têm uma carreira, os menores e localizados a maior distância dos grandes centros precisam se especializar e participar de projetos mais amplos. Na elaboração da proposta, é preciso detalhar como tal colaboração será realizada. Mais importante ainda é descrever o quão viável é tal colaboração. Note que, para mostrar viabilidade, é possível citar outros projetos de colaboração que estão em andamento, publicações anteriores em colaboração, entre outros. Lembre-se que juntos somos fortes, isolados perecemos.

Dica 4. Identificar e caracterizar o tema, sua bibliografia básica e grupos de pesquisa. Tendo um grupo de pesquisa estabelecido, consolidado e participando de uma boa rede social de pesquisa deve-se identificar claramente o problema a ser tratado, é preciso focar em um tema bem específico. Estude a fundo esse problema, a bibliografia é básica para apoiar esse estudo, e o Portal da CAPES, o Google Scholar, a biblioteca digital da ACM, o arXiv são ferramentas que não podem faltar para a elaboração de um bom projeto. Nesta fase são identificados os demais grupos de pesquisa, nacionais e internacionais, envolvidos no tema e é criada a bibliografia que será utilizada, posteriormente, nos artigos. Já está claro como um bom projeto influi na obtenção de artigos de qualidade. Não se esqueça das pesquisas desenvolvidas pelos grupos nacionais e de buscar a sua produção e fazer as devidas referências. Vários projetos de pesquisa citam trabalhos estrangeiros de muito menor qualidade do que trabalhos de brasileiros. Para verificar a produção de pesquisadores brasileiros, consulte a BDBComp.

Dica 5. Encontrar um bom problema em aberto. Identificado o tema, estruturado o grupo de pesquisa, montada a rede social de pesquisa e feita a revisão bibliográfica, é preciso encontrar um problema (ou conjunto de problemas) em aberto dentro do tema escolhido. Esta decisão será crucial para a futura elaboração de artigos, ninguém agüenta mais artigos do tipo “Yet another xyz”. Além disso, um projeto bem escrito apresenta uma justificativa correta e detalhada para a elaboração daquela pesquisa. Geralmente, a justificativa é escrita a partir de uma análise circunstanciada do estado-da-arte, com análise de referências bibliográficas atuais e relevantes em relação aos objetivos do projeto (veja dica 4). Note que não basta apenas citar as referências, pois é preciso conhecer claramente as suas contribuições. Esta análise dá suporte à demonstração da existência de questões relevantes ainda em aberto e que merecem investigação. A existência destas questões em aberto é claramente concluída, pelo próprio proponente, ao final desta análise.

Dica 6. Estabelecer metas e objetivos. Uma proposta bem elaborada tem objetivos claros e específicos, assim como metas quantificáveis e passíveis de demonstração ao seu final. Estas metas estão suficientemente detalhadas e não devem ser genéricas (formação de X alunos, escrita de Y artigos), mas específicas em função dos objetivos propostos (“desenvolvimento de um modelo M capaz de …”, “desenvolvimento de uma ferramenta X que implementa as funções F1 e F2 previstas no modelo M”, “desenvolvimento de um conjunto de experimentos que permitem a demonstração das propriedades P e Q”, etc.).

Dica 7. Definir uma metodologia científica. Uma proposta bem elaborada apresenta uma metodologia científica composta de passos que têm relação direta com as suas metas (vide dica 6), como p.ex. “especificação de um modelo M capaz de …”, “especificação de ferramenta X para implementar as funcionalidades F1 e F2 previstas no modelo M”, “implementação da ferramenta X”, “realização do conjunto de experimentos para demonstrar as propriedades P e Q”, etc. O cronograma de atividades deve ser plenamente consistente com a metodologia.

Dica 8. Avaliar os recursos humanos e materiais. Encontrado o tópico de pesquisa é preciso avaliar que recursos humanos e materiais estarão disponíveis para o projeto. Uma sugestão é definir claramente os objetivos possíveis e deixar em aberto outras possibilidades em caso de grande sucesso na pesquisa. Não adianta prometer “mundos e fundos” se não existirem recursos disponíveis.

Dica 9. Cuidar do texto da proposta. Finalmente, um bom texto é fundamental para qualquer proposta de projeto. Para melhorar o texto algumas sugestões interessantes:

  • Siga as regras gramaticais guardando fidelidade à linguagem oficial. Lembre-se que gírias e construções informais não são adequadas para publicações científicas (sim, a proposta de um projeto de pesquisa é um tipo de publicação científica).
  • Verifique a terminologia aplicada ao tema, se seu artigo não utilizar o jargão da área, dificilmente será aceito. Além disso, lembre-se de definir por extenso toda e qualquer sigla utilizada na proposta. Por exemplo, qualquer pessoa da área de Banco de Dados sabe o que é SQL, bem como qualquer pessoa da área de Redes de Computadores sabe o que é TCP/IP. Porém, não se pode garantir que o avaliador da proposta tenha conhecimento prévio exatamente na subárea de trabalho da proposta.
  • Evite termos repetitivos, isto enriquece o conteúdo e impede que o artigo se torne enfadonho. Observe que a diversidade de termos é desejável, mas não é o mais importante: a simplicidade e o objetivo são prioritários, uma proposta não é uma obra literária.
  • Tenha sempre à mão todo o material necessário para a elaboração da proposta evitando interrupções que tiram a concentração. Por isto é importante, durante a pesquisa, manter fichas ou arquivos com as referências bibliográficas utilizadas e os conceitos apresentados em cada uma delas. Sugere-se a utilização da ferramenta livre JabRef (entre outras) para o gerenciamento de citações bibliográficas.
  • Aconselha-se escrever com conexão Web disponível para tirar dúvidas e complementar as citações sem ter que sair do computador para buscar material bibliográfico. Algumas vezes, é necessário consultar colegas on-line no processo de redação de uma proposta.
  • Elabore rascunhos e faça revisões, muitas revisões antes da submissão. Existe uma citação do poeta gaúcho Mário Quintana que é central: “Para que um poema pareça ter sido escrito de uma vez e com inspiração é preciso reescrevê-lo vinte vezes”.
  • Seja fiel às fontes das citações, isto garante a sua idoneidade acadêmica. Cuidado para não distorcer, mesmo involuntariamente, os conteúdos citados para que se adaptem às suas teorias. Além disso, procure incluir citações de forma mais completa possível (uma citação incompleta pode ser interpretada como se você nunca a tivesse lido detalhadamente).
  • Tenha imparcialidade quando o tema implicar diferenças culturais, étnicas e sociais.
  • Escreva períodos curtos e objetivos. Um texto científico não pode ter parágrafos infindáveis como os de algumas obras da literatura, tais como os livros de Saramago. Ele é Prêmio Nobel de Literatura, e não um detentor do Turing Award.

Erros Comuns a Serem Evitados

A seguir, está uma lista bastante ampla de erros comuns a serem evitados. Note que esta lista não está ordenada de acordo com qualquer parâmetro.

  1. Deixar para submeter na última hora e não cuidar dos detalhes.
  2. Não ler, e seguir, o que diz o edital correspondente.
  3. Não adequar o orçamento às necessidades reais do projeto e da equipe.
  4. Descuidar da análise do estado-da-arte, que não dá suporte adequado à demonstração da relevância do projeto.
  5. Faltar com clareza na definição de objetivos e metas, que ficam muito vagos e genéricos.
  6. Descuidar na elaboração da metodologia e cronograma, que geralmente são extremamente superficiais e genéricos, apenas repetindo passos que seriam encontrados em qualquer projeto de qualquer área (como “estudo”, “definição”, “implementação”, “validação”, etc.).
  7. Não estabelecer a devida relação (ou prover pouca relação) com as competências ou com os resultados prévios da equipe.

A Proposta de Projeto de Pesquisa foi Aprovada!!! E Agora?

Com todas essas dicas, espera-se que o projeto seja aprovado! A segunda etapa então é administrar o projeto. Um ponto importante para o sucesso do projeto é o planejamento. Agora que temos um projeto vejamos algumas sugestões para melhorar a produção bibliográfica.

  • Faça uma revisão dos principais eventos e periódicos disponíveis (consulte o Qualis de Ciência da Computação para avaliar a qualidade dos mesmos).
  • Faça uma reunião de seu grupo e defina as tarefas a serem realizadas com um cronograma, cobre os resultados nas datas.
  • Não disperse as orientações, deixe bem claro quais são os objetivos de pesquisa do grupo e não aceite orientações em temas de interesse exclusivo do aluno.
  • Realize reuniões periódicas (no mínimo mensais) para acompanhamento das atividades.
  • Corra de trabalhos do tipo “vou programar um sisteminha para …”.
  • Faça com que os mestrados sejam realizados sobre parcelas de trabalhos de doutorado e que os trabalhos de graduação auxiliem os de mestrados.
  • Trabalhe em grupo, não “sente em cima” do conhecimento, a socialização do conhecimento no grupo é essencial para bons resultados.
  • Não tente “mudar o mundo” com seu trabalho, se conseguir isto receberá um Prêmio Nobel… Faça um trabalho consistente, mas não crie expectativas exageradas.

Concluindo

Este artigo apresentou algumas dicas para elaborar propostas de projetos científicos. As nove dicas básicas são: ter conhecimento da área, descobrir o novo sem redescobrir a roda, interagir com grupos de pesquisa, identificar e caracterizar o tema, encontrar um bom problema em aberto, estabelecer metas e objetivos, definir uma metodologia científica, avaliar os recursos humanos e materiais, e cuidar do texto da proposta. Entre os erros mais comuns estão não cuidar dos detalhes e seguir o edital, prever um orçamento inadequado, descuidar do estado-da-arte, não ser claro e objetivo, descuidar da metodologia e do cronograma e não estabelecer relação com o histórico de pesquisa da equipe. Finalmente, foram apresentadas algumas dicas de como prosseguir uma vez que a proposta de projeto tenha sido aprovada.


Esperamos que seguindo essas dicas, você tenha sucesso em sua próxima proposta de projeto de pesquisa. Boa sorte!!!!

Recursos

Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v02n01/28.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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