A crescente demanda pela utilização de ferramentas e a globalização das empresas têm demandado cuidados adicionais no processo decisório e de desenvolvimento de software. Particularmente, a área de gerenciamento de projetos de software enfrenta desafios no tocante à ética, além do exercício de suas funções tradicionais. Assim, esse artigo apresenta uma visão da ética a partir das preocupações do gerente de projetos de software, salientando as posturas que devem ser adotadas sob essa abordagem, bem como um levantamento realizado junto ao Arranjo Produtivo de Software (APL) de uma cidade de médio porte para verificar se as preocupações fazem parte da rotina de trabalho dos profissionais que gerenciam projetos de software.
A área de gerenciamento de projetos de software configura-se como um desafio para a área de engenharia de software dado a crescente necessidade de utilização de ferramentas e métodos de trabalhos que atendam as demandas de rapidez, segurança e confiabilidade no software produzido. Dessa forma, além das funções tradicionais do gerente de projetos oriundas da Administração de Empresas, o gerente de projetos de software deve se preocupar tanto com os aspectos organizacionais como técnicos. A própria visão da postura gerencial mudou ao longo dos anos passando de autoritária para uma posição de liderança, criando um envolvimento maior entre a equipe de projetos.
Se por um lado, o gerente de projetos de software deve preocupar-se com aspectos organizacionais e técnicos, com a postura de liderança, o gerente não pode deixar de incorporar posturas éticas no seu trabalho, as quais estão sendo tratadas na sociedade, a exemplo de Masiero (2000), Weill (1992); Glock & Goldim (2007); Winograd (1995) e de discussões no Simpósio Brasileiro de Qualidade de Software, a partir do WOSES (Workshop “Um Olhar Sócio-técnico sobre a Engenharia de Software”) e do minicurso
Ética em Pesquisa em Computação (com a participação das autoras desse artigo). Os autores abordam as posturas de ética profissional que devem existir nos locais de trabalho, seja no desenvolvimento de software, na gerência de projetos de software ou na pesquisa em computação. Nesse sentido, as posturas éticas adequadas são àquelas que contribuem para a promoção do bem comum, respeitando os limites e as atividades dos profissionais.
Esse artigo apresenta uma visão da ética a partir das preocupações do gerente de projetos de software, salientando as posturas que devem ser adotadas sob essa abordagem. Além disso, traz uma pesquisa realizada junto ao Arranjo Produtivo de Software (APL) de uma cidade de médio porte para verificar se as preocupações realmente fazem parte da rotina de trabalho dos profissionais que gerenciam os projetos de software.
Ao focar especificamente na gerência de projetos de software (GPS), uma lista de preocupações e as posturas a serem tomadas em cada situação é apresentada, a partir da visão de ética que enfatiza a promoção do bem comum. Dessa forma, o comportamento ético é norteado pela preocupação com as consequências de nossas ações que possam: ameaçar a existência das pessoas; serem lesivas à saúde de pessoas ou populações; cujo potencial de ação seja suspeito de ser nocivo; ameaçar o equilíbrio mental ou emocional; ameaçar a harmonia social, o entendimento entre pessoas e povos e a paz; serem nocivas ao equilíbrio ecológico da natureza; ameaçar a existência de espécies vegetais e animais; ameaçar a liberdade de pensamento, expressão, decisão e ação de pessoas, grupos sociais e nações; favorecem a exploração econômica de populações e nações.
Assim, com a consideração de aspectos técnicos e organizacionais além da visão ética nas atividades, desempenhadas pelo GPS, as preocupações do GPS compreendem: propriedade intelectual, alocação de pessoas, uso de ferramentas e metodologias, qualidade dos dados e sistemas, recursos tecnológicos, cumprimento de prazos e a comunidade externa. O quadro abaixo relaciona as preocupações e as posturas a serem tomadas pelo GPS sob o ponto de vista ético.
Preocupações | Posturas a serem adotadas |
---|---|
Propriedade intelectual | Conhecimento e respeito às leis |
Seleção e alocação de pessoal | Imparcialidade Uso de critérios de forma a não discriminar pessoas |
Qualidade dos dados e dos sistemas | Busca constante de aperfeiçoamento das estruturas de armazenamento e técnicas de segurança dos dados |
Uso de ferramentas e metodologias | Utilização de ferramentas e metodologias adequadas, visando a qualidade do software e a segurança do usuário |
Cumprimento de prazos | Uso de instrumentos de controle dos prazos Acompanhamento da execução das atividades |
Uso de recursos tecnológicos | Consideração da qualidade de vida e o respeito à dignidade das pessoas. Análise cuidadosa dos efeitos ocasionados pelo software com relação às pessoas e ao meio ambiente. |
Ao pensar no bem comum, o gerente de projetos deve adotar uma postura que tenha por base o princípio ético de promoção do bem comum. No item propriedade intelectual cabe ao gerente de projeto o conhecimento e respeito as leis para resguardar tanto a organização como o profissional que nela atua. Ao tratar a ética como promoção do bem comum, são fornecidas as bases para incluir a postura conhecimento e respeito as leis como posicionamento ético a ser adotado pelo gerente de projetos. Da mesma forma na seleção e alocação de pessoal uma postura considerada ética não agiria de forma a discriminar as pessoas por sexo, idade, raça ou religiosa.
Os elementos considerados técnicos como: a qualidade dos dados e dos sistemas, o uso de ferramentas e metodologias, o cumprimento de prazos e o uso de recursos tecnológicos são tratados a partir de abordagens de ética profissional, a qual indica posturas do profissional, independente de sua função, que extrapolam as atividades para as quais foi contratado e os coloca em sintonia com seu entorno tanto na organização como na comunidade de modo geral. De outro lado, o item comunidade externa implica na consciência da repercussão dos projetos desenvolvidos seja para melhorar a qualidade da vida das pessoas e promover ações que foquem no meio ambiente, entre outras.
Portanto, ao tratar da ética profissional, a integração do profissional com a comunidade externa se torna cada vez mais relevante visto que este tem a responsabilidade pelos serviços prestados e a sociedade, ao receber os serviços, deve ter a garantia de que estes não causarão danos nem nas pessoas nem no ambiente em que estão inseridas.
Com o intuito de verificar a validade das preocupações dos gerentes de projetos de software apresentadas por esse trabalho, realizou-se uma pesquisa junto a empresas participantes do APL de software. Participaram nove profissionais, com formação superior e pós-graduação e entre 10 e 20 anos de experiência na área de informática.
De acordo com a avaliação realizada pode-se afirmar que as principais preocupações dos GPSs participantes da pesquisa estão relacionadas aos aspectos técnicos, principalmente com relação a cumprimento de prazos. Salienta-se que o fato das preocupações dos gerentes serem voltadas para aspectos técnicos não implica em falta de postura ética por parte dos gerentes de projetos de software mas sim em preocupação com a atividade rotineira dos gerentes que culminam na necessidade de cumprimentos de prazos, uso de metodologias e ferramentas, entre outros.
Um item que chamou a atenção, de maneira positiva, nas respostas dos participantes da pesquisa foi a consideração da postura ética do gerente de projetos de software vinculada à busca de ferramentas e metodologias adequadas, a qual combinada com a resposta afirmativa e unânime de que defeitos em software podem causar danos, denota um indício de preocupação com aspectos sociais.
Ao vincular as discussões entre ética e o gerente de projetos de software, essa pesquisa buscou incluir nas atividades rotineiras do profissional, preocupações e posturas que extrapolam as exigências e a necessidade de tomada de decisão sob o ponto de vista técnico e organizacional.
Nesse sentido, a visão ético-social acrescenta novos instrumentos para o processo de tomada de decisão por parte do gerente de projetos de software, os quais consideram o ser humano como integrado ao seu ambiente, o respeito a dignidade e a qualidade de vida. O foco no ser humano integrado ao ambiente indica que as ações têm conseqüências que podem influenciar positivamente ou negativamente outras pessoas ou o próprio local em que habita. Notadamente atitudes de posturas éticas levam a que as pessoas tenham qualidade de vida.
Entretanto, a abordagem ético-social pode ser aplicada não apenas em atividades que exige tomada de decisão, mas também em outras atividades como as realizadas pelo desenvolvedor de software. Aos desenvolvedores, surgem novos desafios éticos no que tange, por exemplo, ao direito à privacidade versus a necessidade de proteger grupos de usuários; a liberdade de escolha por parte de usuários finais pelas aplicações versus a noção do senso/bem comum. Muitas das preocupações éticas estão sujeitas à aspectos culturais, étnicos, religiosos e mesmo históricos, ou por eles influenciados, e que, fatalmente, passarão pela avaliação de riscos e critérios de aceitação. Inclusive, na linha de visão integral do ser humano, a postura ética envolve outras disciplinas que atuam em conjunto para o desenvolvimento das atividades.
No caso específico da área de informática, não se pode ignorar a integração com áreas como Administração, Direito, Psicologia, entre outras, as quais contribuem com suas peculiaridades para a visão das ações e conseqüências das atividades desenvolvidas, seja em nível gerencial ou em nível operacional. A visão ético-social apresentada neste trabalho fortalece, inclusive, a importância dessa integração ao considerar aspectos sociais no processo de tomada de decisão.
Site http://www.cos.ufrj.br/woses
Ética em Pesquisa em Engenharia de Software, Minicurso ministrado no Simpósio Brasileiro de Qualidade, 2009. Autores: Filgueiras, L; Tait, T.; Prikladiniki, R. Huzita, E. e Doriano, B.
MASIERO, Paulo C. (2000) Ética em Computação. São Paulo: Edusp.
TAIT, Tania F. C. (2006) Arquitetura de Sistemas de Informação. Maringá: Eduem, 2006.
CLELAND D. I.; IRELAND L. R. (2002) Gerência de Projetos. 2.ed. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso Editores, 324 p.
GLOCK, R. S. & GOLDIM, J. R. (2003) Ética profissional e compromisso social. Mundo Jovem, PUC-RS. Portal Bioética: http://www.ufrgs.br/bioética. Acesso em: 27/02/2007.
VALLS, Álvaro. (1993) O que é ética. São Paulo: Editora Brasiliense, 6. ed.
WEILL, Pierre. (1992) Organizações e tecnologias para o terceiro milênio: a nova cultura organizacional holística. Ed. Rosa dos Ventos, 2.ed.
WINOGRAD, Terry. (1995) Computer, Ethics and Social Responsability. In Computer, Ethics and Social Values. Edited by Johnson, D.and Nissenbaum, H. Prentice Hall: USA.
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