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EDIÇÃO ABRIL 2010

Projeto de Pesquisa: da Iniciação Científica ao Mestrado

O bom aproveitamento da pesquisa em grupo, durante a graduação, amadurece precocemente e abre portas preciosas para o recém-graduado

O contato precoce com pesquisadores mais experientes e a responsabilidade de ser bolsista em um projeto inovador e de resultados incertos fazem com que o estudante mergulhe a fundo em um universo de aprendizado e atividades intensas. Este artigo relata as experiências positivas de quando, ainda na graduação, atua-se ativamente em um projeto de pesquisa. Trabalhar em grupo, ter contato direto com pesquisadores e a convivência acadêmica em regime de dedicação integral ajudam a mudar a forma de pensar e trazem o conhecimento que extrapola a sala de aula.

Sou Bacharel em Ciência da Computação pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – Univem, localizado em Marília-SP. Atualmente, sou aluno regular do segundo semestre do curso de mestrado em Ciências de Computação e Matemática Computacional do ICMC (Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação) da USP de São Carlos-SP. Passei por todas as etapas que um estudante de graduação em computação deve passar, ou seja, em resumo: persistência para resolver exercícios de linguagens formais e autômatos, horas e horas estudando para provas de cálculo, reuniões de grupo para fazer trabalhos de engenharia de software, sistemas operacionais e outros tantos mais. Quando cursava o final do terceiro ano de graduação, surgiu-me a oportunidade de trabalhar em um projeto de pesquisa multidisciplinar coordenado e idealizado pelo prof. Márcio Delamaro (atualmente professor do ICMC-USP) juntamente com a profa. Fátima Nunes (atualmente professora da EACH-USP). O objetivo principal desse artigo é compartilhar as experiências e lições absorvidas nesses dois anos de pesquisa, os quais foram marcados por uma transição entre graduação e pós-graduação, e na concepção de um projeto iniciado do zero.

A oportunidade de trabalhar em um projeto de pesquisa

Há pouco mais de dois anos, foi aceita pelo CNPq a proposta de financiamento de um projeto multidisciplinar cujo princípio e metodologia eram utilizar técnicas de processamento de imagem (mais precisamente CBIR: Recuperação de Imagem Baseada em Conteúdo, do termo inglês Content-Based Image Retrieval) para dar apoio ao teste de sistemas de software cuja saída é apresentada na forma de uma imagem, seja ela uma interface gráfica com o usuário ou qualquer outra imagem produzida pelo programa em teste. No orçamento desse projeto, foi solicitado o pagamento de 12 meses de uma bolsa ITI-A (Iniciação Tecnológica Industrial) para um aluno de iniciação científica que seria envolvido na pesquisa. Nesse período, eu estava no segundo semestre do meu terceiro ano de graduação, ao mesmo tempo em que pensava em algo interessante para fazer em meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), eu estava à procura de uma vaga de estágio na área de computação. Tal vaga, sabidamente, seria concorrida.

Por meio da avaliação das propostas de projetos de TCC oferecidos pelos professores do Univem, fiquei interessado em trabalhar com teste de software. Esse interesse surgiu principalmente por dois motivos. O primeiro é que a valorização da carreira do profissional conhecido como testador tem crescido dia após dia na indústria de software, sendo assim, o contato com o teste de software ainda na graduação criaria a possibilidade de ser empregado como testador após me formar. O segundo motivo é que ao fazer um trabalho relacionado a teste de software, eu deveria estudar a fundo e obter domínio completo de uma linguagem de programação, o que me seria favorável na disputa por uma possível vaga de desenvolvedor.

Decidido em fazer um TCC na área de teste, entrei em contato com alguns professores a fim de encontrar um orientador. O Prof. Delamaro, naquela época professor do Univem, já atuava fortemente em projetos na área de teste de software, tendo inclusive Livre-Docência e livro publicado relacionados ao tema. Apresentei-me a ele com o interesse de receber orientações acerca de possíveis projetos de TCC relacionados a teste de software. Assim, surgiu o convite de atuar no projeto de pesquisa por ele coordenado. Fui alertado de que deveria me dedicar exclusivamente, afinal, seria o bolsista ITI-A do projeto. Logo, não poderia estagiar, trabalhar ou realizar qualquer outro tipo de atividade regular que configurasse uma fonte de renda. Ao ler o plano de trabalho, tive a impressão correta de se tratar de um projeto inovador e que tocava em pontos poucos explorados da literatura e pesquisa. O convite foi aceito prontamente.

Ambiente de trabalho em um projeto de pesquisa

É fato que minhas responsabilidades aumentaram a partir do momento em que assumi o compromisso de ser bolsista do projeto. Principalmente pelo fato de que se tratava de algo inovador e por isso, com a exceção de um Trabalho de Conclusão de Curso que definia um sistema CBIR para imagens mamográficas orientado pela profa. Fátima, não havia nenhuma referência desenvolvida no grupo de pesquisa relacionada ao tema central do projeto que estávamos iniciando. Sendo assim, dei início à pesquisa com receio de não conseguir cumprir os cronogramas estabelecidos pelo plano de trabalho do projeto, ou até mesmo não conseguir desenvolver o que fora proposto. Foi nesse contexto que fiquei surpreso em notar a geração de recursos humanos desprendida quando se é inserido num ambiente de projeto de pesquisa.

Tenho convicção que a presença constante em laboratório de pesquisa e o contato direto com outros pesquisadores contribuíram positivamente para minha formação e evolução durante meu último ano de graduação. Nesse contexto, por experiência própria, acredito que o pesquisador estudante necessita de um acompanhamento diferenciado e um tanto quanto intenso, pelo menos em seus primeiros contatos com a pesquisa. Acredito também que, de um modo geral, a convivência diária com a pesquisa não atrapalha o andamento da graduação. Pelo contrário, tal convivência ajuda tanto no desenvolvimento dos trabalhos quanto na maturidade que se adquire para o desenvolvimento das demais atividades relacionadas à graduação. Sendo assim, defendo que a pesquisa traz benefícios ímpares para o profissional em formação.

Outro fato a ser considerado é que a atuação em projetos de pesquisa proporciona a (até então) rara e valiosa experiência que é a oportunidade de trabalhar verdadeiramente em grupo. Saliento que o interesse e compromisso dos envolvidos, principalmente de seus coordenadores, são fundamentais para a eficiência do andamento das etapas prevista pela proposta, bem como para o amadurecimento dos integrantes menos experientes envolvidos no trabalho.

Posso concluir essa experiência inicial de ser estudante de graduação e pesquisador com a seguinte afirmação: ser bolsista, ou seja, o fato de ser pago para pesquisar, agrega responsabilidade. No entanto, isso não é suficiente. Sinto que quando o ambiente proporcionado pelo grupo de pesquisadores envolvidos é bom, a motivação e os resultados aparecem mais rapidamente e de maneira natural.

Período de transição: da graduação para a pós-graduação

Passados seis meses de pesquisa, eu já me considerava totalmente à vontade dentro do projeto. Já havia adquirido uma experiência um pouco maior, sendo assim, o prof. Delamaro, nessa época transferido para o ICMC-USP, me dava total liberdade para algumas tomadas de decisão. Em relação ao projeto, eu já tinha em mente aonde deveríamos chegar e quais os resultados esperados. Tudo isso, de uma certa maneira, alterou minha forma de pensar e, por isso, também alterou meus planos para depois de formado. A vontade de arrumar um emprego na indústria deu lugar à ânsia de me especializar ainda mais, ou seja, fazer uma pós-graduação Stricto sensu, o “famoso” mestrado.

Claramente a convivência com orientadores, alunos de mestrado e alunos de iniciação científica me proporcionou um maior desenvolvimento das minhas iniciativas e uma forma mais eficiente de dedicar-me às atividades de organização, administração e execução da pesquisa. Em vista disso, me inscrevi nos cursos de mestrado das faculdades que eu tinha conhecimento. Nesse mesmo período, em função de uma aprovação em concurso público prestado um ano antes, surgiu a oportunidade de trabalhar como bancário. No entanto, o fato de ter que deixar o projeto para assumir a vaga, a vontade de continuar trabalhando em minha área de formação, além da decisão de fazer pós-graduação, me fizeram descartar essa possibilidade.

Minha decisão já havia sido tomada, mas minha ligação de bolsista com o projeto acabaria no final do ano. Por um período, meu tempo foi dividido entre estudos para o Poscomp (prova utilizada como uma das fases de seleção para a maioria dos programas de Pós-Graduação na área de Computação do Brasil), dedicação à evolução do projeto de pesquisa e estudos para as matérias do último ano de graduação.

A continuação de um trabalho de pesquisa da graduação no mestrado

Felizmente, fui recompensado ao ser aceito no programa de mestrado do ICMC-USP de São Carlos-SP e pude dar continuidade às pesquisas iniciadas durante a graduação e, dessa forma, colher alguns frutos daquele trabalho. Alguns desses frutos e outros privilégios de ter podido dar continuidade a um trabalho são relatados nesta seção.

A oportunidade de, no mestrado, dar continuidade a um trabalho iniciado ainda na graduação me trouxe diversas vantagens. Entre elas, destacam-se: *Escolha mais pertinente das disciplinas a serem cursadas no mestrado; *Contribuição para a escrita de uma possível proposta de bolsa de mestrado; *Auxílio na escrita do texto de qualificação; *Reutilização e reciclagem de apresentações técnicas relacionadas ao projeto; *Obtenção de resultados de maneira mais rápida e eficiente; *Favorecimento à escrita de artigos e demais materiais para publicação.

De um modo geral, um curso de mestrado oferece diversas disciplinas para seus alunos regulares. É recomendado que as disciplinas escolhidas pelo aluno, mediante aval do orientador, possam contribuir para a escrita de seu texto qualificação e dissertação, bem como para o desenvolvimento do trabalho. Geralmente, essa escolha é feita sem nenhum contato do aluno com a pesquisa, a não ser que seja dada continuidade a algo feito ainda na graduação, o que favorece muito esse tipo de decisão.

Algumas instituições têm em seu regimento uma norma que faz com que todos seus alunos regulares escrevam e submetam uma proposta de bolsa para órgãos financiadores de pesquisa. Muitas vezes essa proposta deve ser totalmente escrita pelo aluno durante o primeiro semestre de sua pós-graduação, com auxílio e apoio de seu orientador responsável. A falta de contato com o projeto dificulta muito a escrita da proposta por parte do aluno que ainda tem pouco domínio do tema, fato que pode pesar negativamente e fazer com que sua proposta seja recusada. Atualmente recebo uma bolsa de mestrado da Fapesp (Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) cuja proposta foi redigida após meu contato com a pesquisa em foco, fato que favoreceu e facilitou na hora de fazer o pedido.

Para finalizar, acho interessante que seja relatado o que vejo como mais importante: a obtenção de resultados de maneira mais rápida e com mais qualidade. Digo isso porque quando um trabalho de pesquisa é iniciado, em geral, dentro de mais ou menos um ano, dependendo do trabalho, será possível a obtenção de resultados e a consequente disponibilização de materias para divulgação e publicação. Em geral, esse período de um ano somado ao tempo de estudo despendido para o curso das disciplinas de pós-graduação fazem com que o aluno colha tardiamente os frutos de seu mestrado.

No entanto, se uma pesquisa de iniciação científica puder ser continuada no mestrado, contribuirá para que os resultados apareçam mais cedo, possibilitando mais e melhores divulgações e publicações. Fato esse que enriquece o currículo do aluno durante o mestrado, além de poder servir precocemente como passaporte para eventos científicos de muita validade e respeito. No meu caso, em particular, no que se refere à produção bibliográfica, a continuação da pesquisa proporcionou que, ainda no primeiro semestre de mestrado, fossem aceitos três artigos em congressos nacionais, além de uma submissão para um periódico internacional. Nesse contexto, é muito importante que seja considerado que a apresentação de artigo ou pôster em eventos científicos, ou até mesmo as reuniões de grupo de pesquisa, ajudam na carreira de um pesquisador principalmente no que se refere à desenvoltura nas apresentações em público, bem como na clareza para expressar ideias escrita de artigos científicos e em textos da dissertação.

Concluindo

Em linhas gerais, espero ter contribuído com as experiências e lições tiradas de meus últimos dois anos de vida e convivência acadêmica iniciados a partir da participação em um projeto de pesquisa. Por meio deste relato, busquei compartilhar, além de uma transição da graduação para a pós-graduação, escolhas que fizeram mudar meu modo de pensar e viver. Resumidamente, recomendo, além do máximo aproveitamento do crescimento pessoal proporcionado pela vivência acadêmica, uma seleção bem calculada da área de iniciação científica e pesquisa a ser seguida, pois por meio dela é possível alçar voos até mesmo inesperados.

Recursos

Sobre o autor

rafaelolivera.jpg Rafael Oliveira é Bacharel em Ciência da Computação pelo Centro Universitário Eurípides - Univem - Marília-SP. Mestrando em Ciência da Computação e Matemática Computacional pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo - ICMC-USP\São Carlos-SP. Participante do projeto “Definição de oráculos de teste para programas com saída gráfica usando recuperação baseada em conteúdo” no qual atua nos seguintes temas: teste de software, oráculos de teste e CBIR. Integrante do LabES (Laboratório de Engenharia de Software). Sócio da SBC.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v03n01/08.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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