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INDÚSTRIA

EDIÇÃO ABRIL 2010

Inovação: da Academia à Sociedade

Conceitos, obstáculos e caminhos

Este artigo apresenta o tema de inovação científica e tecnológica partindo-se da compreensão de seu conceito e das consequentes razões para se buscá-la. O texto trata dos desafios e soluções para o processo inovador, identificando alguns dos principais elementos envolvidos.

Introdução

A inovação é tida como a criação de valor a partir da aplicação de uma idéia. Tal aplicação não precisa ser necessariamente original, mas apenas uma nova maneira de se aplicar idéias originais, ou não originais. Caso a idéia aplicada seja original, a inovação pode ser caracterizada como invenção. Observa-se que o universo das inovações é bem mais amplo do que o de invenções, pois idéias originais podem ser aplicadas de inúmeras maneiras, veja a Figura 1. No amplo universo da inovação é que surgem oportunidades promissoras tanto para a academia quanto para a indústria.

Nos últimos anos a inovação científica e tecnológica tem se estabelecido como um dos fatores mais importantes para garantir crescimento, competitividade e rentabilidade diferenciada às empresas. São diversas as evidências da importância do tema e muitos estudos apóiam a visão de que a inovação é fundamental para a sobrevivência em ambientes competitivos. Novos processos e produtos, novos modelos de negócios, entrada em novos mercados, atração e retenção de talentos ou ainda a valorização da imagem perante parceiros, clientes e investidores, representam alguns dos resultados da inovação.

Neste sentido, a agenda da política tecnológica brasileira tem experimentado mudanças expressivas nos últimos anos. Foram instituídos mecanismos de apoio à inovação com o objetivo de estabelecer uma cooperação mais efetiva entre instituições públicas e privadas, levando a uma maior integração entre universidades e empresas. Com estes mecanismos, as empresas se sentem incentivadas a realizar atividades de inovação por causa dos riscos relativamente baixos e do custo reduzido de capital3.

O fortalecimento dessa agenda refletiu-se, sobretudo, no esforço de integração da política tecnológica a estratégias amplas do governo federal voltadas ao desenvolvimento industrial, e na ampliação expressiva do volume de recursos públicos destinados ao financiamento das atividades empresariais inovadoras. De fato, pode-se dizer que nos últimos anos houve uma mudança na escala e no alcance do apoio governamental à inovação no país.

Inspirada pela experiência internacional, a nova política tecnológica brasileira ousou em várias frentes: ao ampliar os incentivos fiscais, tornando-os automáticos; ao criar linhas de financiamento com juros reduzidos, a partir da transferência de recursos orçamentários; ao estabelecer programa de subvenção direta às empresas para o desenvolvimento de projetos de inovação; ao subvencionar a contratação de pesquisadores pelas empresas; e ao facilitar a cooperação entre estas e as instituições públicas de pesquisa. A longo prazo, a expectativa é que este apoio governamental se traduza em mudanças efetivas no modo como a iniciativa privada investe em inovação, e que estas mudanças criem raízes  profundas, de forma que não sejam apenas o efeito temporário da injeção de recursos promovida pelo governo e seus incentivos.

Academia, indústria e sociedade

Vetor da Revolução Industrial, o conceito de indústria se refere às instituições produtoras de bens e serviços consumidos pelos indivíduos da sociedade; estes bens e serviços são denominados mais amplamente como produtos. Os produtos permeiam as atividades humanas em todas as suas esferas, regendo comportamentos e cultura. O grau de desenvolvimento tem sido caracterizado pelos produtos disponíveis à sociedade, de maneira que a alta industrialização se tornou parâmetro de boa ventura no mundo contemporâneo. Uma sociedade é tão desenvolvida quanto o que ela produz e consome.

No entanto, a indústria e a sociedade são separadas por uma lacuna. A produção de uma indústria é especializada e maciça, ao passo que o indivíduo social é diversificado e granular. Desta maneira, na relação indústria-sociedade há um agente facilitador denominado comércio, necessário para que a indústria alcance os indivíduos.

Em outro setor da sociedade, observam-se as instituições de ensino superior, com seus atores de diversos graus – graduação, mestrado e doutorado, os quais têm como função patrimoniar o conhecimento e promover a evolução da ciência. Tais instituições denominaram-se, assim, academia, em alusão a academia de Platão, cujo objetivo era criar, e não apenas assimilar, conhecimento.

Assim como a relação indústria-sociedade possui um elo – o consumo – também o par academia-indústria determina um elo bem definido: ao passo que a academia cria conhecimento, a indústria produz fazendo uso de conhecimento. No entanto, assim como a relação indústria-sociedade é separada por uma lacuna, também a relação academia-indústria é separada por uma lacuna; ao passo que a relação indústria-sociedade une-se pelo comércio, a relação academia-indústria, igualmente, necessita de um agente facilitador.

O elo da relação academia-indústria não é o consumo, mas sim o que se cunhou inovação, e o agente facilitador entre eles não é o comércio promotor de consumo, mas sim as agências especializadas em promover a inovação. Estabelece-se assim uma sequência de etapas para o conhecimento: academia-indústria por meio de inovação e indústria-sociedade por meio do comércio (observe a Figura 2).

Alternativamente, poderia se pensar em uma etapa a menos nesta cadeia: da academia direto para a sociedade por meio de produção e comércio. No entanto, não cabe à academia, seus pesquisadores, transferir para a sociedade o conhecimento na forma de produtos comercializados. A pesquisa e o comércio são atividades díspares, e o exercício de ambas por um mesmo profissional levanta a provável possibilidade de que nenhuma das duas seja realizada de maneira satisfatória. Desta maneira, a promoção da inovação por agentes facilitadores é necessária para que todas as etapas que levam o conhecimento à sociedade sejam realizadas.

Agências promotoras de inovação

Como mostrado no modelo da Figura 2, a academia precisa de agências promotoras de inovação para chegar à indústria. Tais agências agregam as informações necessárias para estimular e desenvolver o processo inovador: identificação de potenciais inovadores, formato e apresentação de projetos, pesquisa e divulgação de entidades financiadoras, gerência financeira, interlocução entre os atores envolvidos, interpretação e auxílio jurídicos, publicação e divulgação, propriedade intelectual e depósito de patentes, mediação do decurso academia-indústria-sociedade, construção de redes cooperativas de inovação, empreendedorismo e auxílio à criação de empresas.

Atualmente, grande parte das agências de inovação está inserida em Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs). Existem inúmeras agências, como a Agência USP de Inovação5, a qual reúne um amplo repertório de dados e realizações inovadoras, a Agência de Inovação da Universidade Federal de São Carlos6, a qual tem em seu repertório um portfólio de patentes desenvolvidas e registradas, a Diretoria de Inovação e Empreendedorismo (DINE) da Universidade Federal de Pernambuco7, e a Agência UFRJ de Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro8, entre outras.

Desafios à inovação: metodologia, comunicação e recursos financeiros

Crê-se, popularmente, que a prática da inovação surge naturalmente de pessoas criativas em momentos iluminados. No entanto, há técnicas e estudos a respeito do desenvolvimento inovador, abrangendo desde a criação, identificação e gestão até a promoção da inovação. Uma fonte respeitada a respeito destes tópicos é o instituto Centrim (Centre for Research in Innovation Management)2, um órgão vinculado à universidade de Brighton (Reino Unido) e dedicado ao estudo de métodos e processos inovadores. Outra referência é o Portal Inovação1, um repositório governamental de recursos e informações para quem deseja iniciar empresas e produtos beneficiando-se da inovação. Já a Anpei (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras)3, também governamental, reúne informações, promove eventos e certificações, e disponibiliza ferramentas voltadas à prática de inovação, como o Proinova, uma ferramenta que faz cálculos financeiros sobre incentivos fiscais, além de localizar programas de incentivo de acordo com o estado da federação e de acordo com os objetivos de uma dada empresa.

Segundo Howard Rush, do instituto Centrim, um dos principais obstáculos à inovação é a falta de comunicação. Por vezes, as soluções da academia não se vinculam aos problemas da indústria simplesmente porque ambas se ignoram mutuamente. Para amenizar este problema, podem-se usar recursos como oficinas de trabalho (workshops), divulgação em revistas de ampla circulação e sistemas especializados em cadastrar dados advindos tanto da academia quanto da indústria. Um exemplo de tal sistema é o Profitnet4, uma iniciativa no âmbito do Reino Unido que tem como finalidade ampliar a comunicação não só entre a academia e a indústria, mas também dentro da própria indústria, entre diferentes empresas.

Outro obstáculo observado no modelo apresentado na Figura 2 é o fato de que, ao passo que um comércio bem sucedido gera recursos financeiros, o processo de inovação promovido por agências de inovação gasta recursos financeiros. Os recursos necessários à inovação tornam-se, então, investimentos de risco tanto para a academia quanto para a indústria; as quais, raramente, têm capacidade para financiar o processo. Este é um dos grandes entraves para o processo inovador, cabendo, no estágio atual, que o estado ofereça uma solução. Como se pode ver na Figura 2, investir em inovação torna-se, em longo prazo, um investimento estatal (financiamento ou renúncia fiscal), pois a maior oferta de produtos e o decorrente desenvolvimento social geram mais impostos que retornam ao estado.

Consequentemente, a necessidade de financiamento da inovação e a necessidade de se fazer inovação determinaram a criação de programas vinculados às diferentes esferas do poder público. As Tabelas 1 e 2 resumem alguns dos principais programas para a aquisição de recursos, os quais se apresentam em duas classes: incentivos financeiros e incentivos fiscais. O primeiro diz respeito ao financiamento propriamente dito e o segundo à renúncia fiscal em troca de investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I).

Outras formas de incentivos financeiros são oferecidas por agências regionais de fomento à pesquisa como a Fapesp de São Paulo (programas PIPE e PITE, não reembolsáveis), a Faperj do Rio de Janeiro (edital Rio Inovação), a Facepe de Pernambuco (programa RHAE-Inovação e PAPPE, não reembolsável), a Fapemig (projeto Incentiva), a Fapesb (programa Bahia-Inovação), entre outras fundações de apoio à pesquisa em diversos estados. Os objetivos das linhas de fomento variam, abrangendo empresas de todos os tamanhos e ramos, sendo que os recursos oferecidos são em alguns casos “a fundo perdido”.

Inovando: considerações finais

A inserção da ciência na sociedade é necessária para o desenvolvimento humano, como observado nos últimos séculos. Mais recentemente, esta necessidade tem se evidenciado e o estado, não só o brasileiro, tem respondido com mecanismos de incentivo ao processo de inovação, o qual é um modelo direto de inserção da ciência na sociedade. Cumpre aos atores acadêmicos observar este movimento e responder a ele, a busca por inovação cresce a passos largos em países que competem com o Brasil e a passividade pode fazer com que grandes oportunidades sejam perdidas. A academia deve buscar o diálogo com a indústria, procurar a mediação das agências de inovação e informa-se sobre necessidades mercadológicas, assim o investimento público em ciência e tecnologia poderá fechar seu ciclo, retornando à sociedade em produtos e qualidade de vida. As agências de inovação podem acelerar todo este processo promovendo a comunicação academia-indústria, auxiliando na escolha e na capitação de recursos financeiros, provendo auxílio jurídico, e de proteção intelectual. Promove-se, assim, o elo academia-indústria, um dos fatores que devem ser estimulados para que o Brasil alcance excelência e independência tecnológica.

Recursos

1. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Portal Inovação. Disponível em: http://www.portalinovacao.mct.gov.br. Acesso em: 02/2010.

2. UNIVERSIDADE DE BRIGHTON. Centrim - Centre for Research in Innovation Management. Disponível em: http://centrim.mis.brighton.ac.uk/. Acesso em: 02/2010.

3. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DAS EMPRESAS INOVADORAS - ANPEI. Disponível em: http://www.anpei.org.br/. Acesso em: 02/2010.

4. PROFITNET. ProfitNet: an innovative approach to networking, knowledge sharing, and exploring solutions that can really help your organisation succeed. Disponível em: http://www.profitnet.co.uk/. Acesso em: 02/2010.

5. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Agência USP de Inovação. Disponível em: http://www.inovacao.usp.br/. Acesso em: 02/2010.

6. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. Agência de Inovação da UFSCar. Disponível em: http://www.inovacao.ufscar.br/oportunidade_listar.php. Acesso em: 02/2010.

7. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. DINE - Diretoria de Inovação e Empreendedorismo. Disponível em: http://www.ufpe.br/propesq/index.php?option=com_content&view=article&id=77&Itemid=145. Acesso em: 02/2010.

8. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Agência UFRJ de Inovação. Disponível em: http://www.pr2.ufrj.br/inovacao/. Acesso em: 02/2010

Sobre os autores

José Fernando Rodrigues Júnior é Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba. Seus principais tópicos de pesquisa são a análise visual de dados e a recuperação de dados baseada em conteúdo. Concluiu seu doutorado em 2007 pela Universidade de São Paulo, parte do qual foi realizado na Carnegie Mellon University, Pittsburgh, EUA. José Fernando também é revisor regular de alguns dos principais veículos de sua área, tendo contribuído em edições de eventos SBC (Sociedade Brasileira de Computação), IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) e ACM (Association for Computing Machinery).
Alexandre Alvaro é Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos – Sorocaba. Concluiu seu doutorado em 2009 pela Universidade Federal de Pernambuco, com período sanduíche na Mälardalen Univesity/Suécia. Trabalhou como Coordenador/Professor em Ciência da Computação e Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e atuou como Gerente de Projetos, sendo responsável por melhorias em processos organizacionais, aumento de produtividade e qualidade de software. Atualmente trabalha com P&D, fazendo a ponte academia-indústria para a transferência de conhecimento auto sustentável para a sociedade por meio de inovação.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v03n01/29.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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