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ETC & TAL

EDIÇÃO ABRIL 2010

Metodologia Científica

A carência nos cursos de Computação

Numa área onde algoritmos funcionando, simulações com resultados e demais atividades práticas são mais bem vistos do que qualquer outra atividade mais teórica, o uso de metodologias científicas na prática da pesquisa e no seguimento de padrões é, muitas vezes, deixado em segundo plano. Neste contexto, observa-se que cursos de computação pecam por não utilizar ou não saber como e quando utilizar a disciplina de Metodologia Científica. Na visão dos estudantes (uma visão sobretudo incorreta), essa é um disciplina que não traz muitos benefícios para a área da Computação. Isto faz com que os alunos e até mesmo os professores percam o entusiasmo em praticar e usar normas da metodologia científica. Como resultado, temos ao final do curso alunos que sabem programar bem, mas não sabem escrever, ou seja, não sabem expressar formalmente suas opiniões, suas ideias. Este artigo visa então esclarecer alguns pontos a respeito dos problemas e impactos do não respeito ao rigor científico, além de algumas ideias sobre como e quando ministrar a disciplina nos cursos de computação.

Na academia, é comum avaliar o aprendizado dos estudantes através de relatórios ou resenhas científicas, focando em um determinando assunto, ou até mesmo através da validação e do estudo de dados de uma pesquisa de campo realizada. Muitos até acreditam que tal prática pedagógica, em certas situações, é mais propícia para avaliar o quanto de informação que o aluno consegue adquirir com relação a um tema ou algum conceito explorado em aula. Evidentemente que o foco principal do trabalho é o valor agregado ao tema de pesquisa. Contudo, nos últimos anos, observa-se que as Instituições de Ensino Superior (IES) incentivam práticas que auxiliem os alunos a desenvolverem seu senso-crítico e a produzirem textos de caráter científico. Alguns trabalhos (http://www.urutagua.uem.br/014/14maia.htm) destacam a importância da disciplina de Metodologia Científica, mas também descrevem a pouca relevância que muitos pesquisadores ainda lhe atribuem.

A área da computação, prática por sua natureza, também sofre pela falta de entusiasmo dos alunos e professores em ministrar essa disciplina. Não há uma porcentagem concreta, mas uma rápida examinada nas grades curriculares dos cursos de computação (Engenharia, Ciências da Computação, Sistemas de Informação e Licenciatura) revela que muitos cursos não possuem nem a disciplina na grade curricular (como na Universidade Estadual de Minas Gerais, CEFET-SP e na PUC-RIO). Mesmo aquelas IES que possuem estas disciplinas, erram por não saber quando aplicar (isto é, no começo, meio, ou no término do curso), ou até mesmo a forma como é ensinada não desperta nos alunos a importância de se escrever com coesão e coerência. Esse fator é grave na área da computação porque nesse meio nota-se certa preocupação pela praticidade, pelo “algo” funcionando, deixando para segundo plano (isto quando há um segundo plano) as normas de regulamentação de uma boa escrita.

A importância da Metodologia Científica

De forma geral a Metodologia Científica é o estudo dos caminhos do saber, isto é, como se adquire conhecimento. Muitos se enganam ao pensar que a disciplina é de cunho apenas teórico; ao contrário, em seu maior tempo é totalmente prática (pelo menos, deveria ser). Estão a cargo da disciplina, algumas ações fundamentais: (i) como se organiza um relatório ou um trabalho científico, (ii) como é realizada uma pesquisa científica, (iii) como adequar um texto a um padrão, entre outros pontos. Estes itens serão mais explorados a seguir.

Todo docente já viveu a situação de solicitar um relatório para a turma, como parte da nota e escutar dos alunos críticas como: “Eu não sei por onde começar a escrever”. Por parte do aluno, uma das primeiras ações a tomar é estruturar o relatório. Estruturar significa dividir em tópicos, capítulos e/ou seções a organização do documento. Quando o assunto é um artigo de pesquisa científica, esta organização já vem pré-configurada. Os responsáveis pelo evento onde o artigo será submetido já indicam a quantidade mínima e máxima de páginas, além de informar que o artigo, por exemplo, possui uma introdução, com os pontos principais que serão discutidos, e uma conclusão, com o que se aprendeu após o trabalho.

Outra reclamação recorrente dos alunos é que eles não sabem onde procurar e extrair informações relevantes para seu trabalho, ou melhor dizendo, como realizar uma pesquisa e como identificar as melhores referências. É tarefa do docente mostrar as diferentes formas de pesquisa, e como cada uma pode ser realizada. Também deve ser motivo de estudo saber como analisar dados e como refinar o conteúdo pesquisado para extrair o que é importante para o documento final.

Por fim, a qualidade dos trabalhos entregues falha, não em valor de conteúdo, mas sim como ele foi disposto, isto é, o documento não seguiu as normas de regulamentação. Seguir normas não se refere apenas à formatação do texto, mas engloba, sobretudo, aspectos mais técnicos. Como exemplo, imaginem que durante uma pesquisa um aluno encontre uma frase bastante pertinente ao seu trabalho. Para evitar cópias indevidas, isto é, o uso desautorizado de textos de outros autores, o aluno deve aprender a fazer citações (de forma direta e indireta). Isto representa apenas um dos vários outros casos que impactam a importância da metodologia científica.

ABNT

A ABNT se refere à Associação Brasileira de Normas e Técnicas. É uma entidade, sem fins lucrativos, fundada em 1940 para gerenciar a normalização técnica do Brasil. É importante ressaltar que a ABNT está alinhada com os padrões internacionais de normalização, como a ISO (International Organization For Standardization) e o padrão do MERCOSUL – Associação MERCOSUL de Normalização (AMN).

Embora cada IES possa criar seus regimentos internos, normalmente, eles têm como base as normas da ABNT. Ela atua fortemente no desenvolvimento científico e tecnológico do país, fomentando e promovendo a produção, a comercialização e o uso correto de bens e serviços produzidos. A ABNT regula a estruturação e formatação de documentos comuns no ambiente acadêmico, tais como, relatórios, monografias, dissertações e teses.

Este órgão surge então como um grande parceiro das IES. Estas por sua vez, devem apoiar práticas pedagógicas que disseminem seu uso durante a graduação, não só de Computação, mas toda e qualquer formação profissional. Uma forma de se trabalhar isso é através de palestras e mesas redondas, onde aspectos relativos à normalização e pesquisa científica (publicação, patentes) são abertamente discutidos.

O problema da não adequação as normas e aos padrões não é de inteira responsabilidade do corpo discente. Pelo contrário, as IES devem incentivar que o seu corpo docente esteja hábil a avaliar os relatórios e monografias, não apenas com base nos conceitos empregados, mas como eles foram pesquisados e como eles estão sendo exibidos ao leitor. Infelizmente, o que se observa é professores que não estão atentos a estas práticas, e pior, definem muitas vezes um padrão próprio que seus alunos devam seguir.

Quando oferecer a disciplina?

Muito se tem questionado sobre quando aplicar a disciplina de Metodologia Científica no curso de graduação em computação, isto é, no começo, no meio ou no fim. Cada posição possui seus argumentos, e alguns destes são listados a seguir.

Aqueles que defendem que a disciplina seja ministrada no começo do curso têm como suporte a idéia de que os trabalhos científicos da graduação devem seguir as normas da ABNT conforme descrito na seção anterior. Nesse caso, o uso constante da metodologia motiva os alunos a estruturarem seus trabalhos conforme as normas e os regimentos reguladores. Outra vantagem é que, ao final do curso, os trabalhos de conclusão (as monografias) serão melhor organizadas e estruturadas. Por outro lado, os que defendem o uso mais tardio da disciplina justificam que a proximidade da disciplina com a Monografia será mais produtiva para os alunos, uma vez que eles terão tido contato com as normas mais recentemente. Ainda há aqueles, em menor quantidade, que incentivam que a disciplina seja ministrada no fim do curso.

Uma pequena reflexão e até mesmo uma análise informal leva a algumas conclusões. Inicialmente, deve-se lembrar que as IES estão formando profissionais para o mercado, para a vida, e não apenas para realizar uma monografia de final de curso. Só a partir deste fato, derruba-se a hipótese de que ministrar a disciplina nas proximidades dos trabalhos de conclusão é uma solução. Logicamente que quando mais recente em memória, mais fácil de usar os conceitos. Acontece que o foco do corpo docente não deve ser um aprendizado conseguido por decorar os conceitos, mas sim um aprendizado mais eficiente e longo, obtido através de análises e experiências passadas. Acredita-se então que a solução mais adequada seja o uso da disciplina nos primeiros períodos da graduação do aluno.

Quanto à questão sobre o esquecimento das normas quando ensinadas no início do curso, existe o contra-argumento: se todos os professores incentivam o uso das normas técnicas da ABNT em todas as disciplinas, os conceitos não estarão fadados ao esquecimento. Pelo contrário, o uso fará com que os alunos aprendam pela experiência, e um conhecimento obtido segundo estes moldes é bem mais difícil de perder.

Impactos

Na academia, a falta de uma disciplina de Metodologia Científica traz fortes impactos negativos aos alunos e, como consequência, às IES. É comum que os alunos terminem uma graduação sem ao menos publicar um artigo em algum congresso. O que não é tão perceptível é que a falta da disciplina na grade gera um desestímulo perante aos alunos para que eles possam tentar publicar alguma ideia nova ou algum conceito revisto sob outra perspectiva. Esse fator pode explicar o nível tão baixo de publicações na graduação.

Outro impacto negativo é com relação à monografia. Normalmente, as IES empregam nos últimos períodos uma disciplina voltada à escrita de um trabalho final para a conclusão do curso. Porém, é comum que as próprias IES não deem o subsídio para que os trabalhos sejam bem formulados. Na prática, os trabalhos finais falham sob diversos pontos, como: estrutura, viabilidade da ideia, falta de padrão, cópias, entre outros pontos. Mais grave ainda, é que estes alunos saem da graduação com uma fraca teoria sobre como escrever trabalhos científicos. No mercado, estas falhas surgem como uma deficiência do profissional, levando a conclusão que as IES não estão cumprindo bem seu papel de formação de mão-de-obra eficiente e produtiva.

Iniciação Científica: Uma saída complementar

Além do emprego correto e eficiente da disciplina nas grades curriculares dos cursos de graduação, uma segunda alternativa que pode ser tomada como complementação é difundir a Iniciação Científica (I.C.). Defini-se I.C. como uma prática de formação onde o aluno desenvolve e aprimora seu lado técnico. Note que o termo “iniciação” indica que o aluno está sendo “iniciado” como pesquisador acadêmico e, por isso, não se pode comparar o valor de qualidade de um trabalho de I.C. como outros trabalhos de pesquisa mais avançados, como uma dissertação de mestrado, ou até mesmo uma tese de doutorado. Formalmente falando, a I.C. é uma atividade constante realizada pelas IES, podendo ser financiada por instituições de pesquisa como CAPES, CNPq, órgãos estaduais (como FACEPE) ou até programas internos das IES (PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica). Geralmente, os alunos contam com o apoio de um orientador, o qual geralmente é um professor da IES.

Durante o período de I.C., é posto em prática todo o arcabouço de tarefas definido pela metodologia científica: o aluno aprende a pesquisar, a escrever, a respeitar padrões e a refinar referências bibliográficas. Evidentemente que a realidade brasileira das IES (públicas ou particulares) não permite que todos os alunos possam receber uma bolsa auxílio. Assim, ocorre que apenas um número reduzido de alunos tem acesso à I.C.

Para conciliar e difundir as práticas de I.C. a todo o corpo discente é necessária uma mudança de atitude. As IES devem apoiar a iniciação à pesquisa, mesmo sem auxílio financeiro. Uma forma de se fazer isso é alterar as grades curriculares para incluir uma disciplina de “Práticas de Iniciação Científica”. Dependendo da duração do curso e da disponibilidade de orientadores, esta disciplina pode ser realizada em um ou dois períodos. Logicamente que a disciplina de Metodologia seria tomada como pré-requisito desta cadeira de prática. Nesta, os alunos escolheriam um tema de pesquisa de interesse, e desenvolveriam ao longo da disciplina um projeto de desenvolvimento. Como medida de avaliação de desempenho, todos os alunos deveriam submeter o trabalho a alguma revista científica ou algum evento pertinente. Também, ao término do curso, este trabalho poderia ser expandido até tomar o aspecto de uma monografia de final de curso, alavancando a qualidade destes trabalhos.

Concluindo

Os problemas destacados neste artigo não são exclusivos das IES de computação, mas também podem ser facilmente diagnosticados neste campo. O uso de disciplinas que estimulem os alunos a pesquisar, redigir redações e relatórios científicos deve ser incentivado. A produção intelectual das IES brasileiras é relativamente baixa quando comparada com outros países de primeiro mundo, ou até em desenvolvimento. Há uma cultura de se esperar que o aluno ingresse em uma pós-graduação para que artigos científicos possam ser cobrados. Contudo, é na graduação que o interesse pela pesquisa, pela leitura, e a redação de novas idéias deve ser despertado.

Muitas IES não sabem quando aplicar a disciplina de Metodologia Científica. Conforme descrito no texto, uma alternativa interessante é que esta disciplina esteja presente nos primeiros períodos da graduação. Mas para que ela possa ser bem aproveitada, deve haver um alinhamento estratégico entre coordenação, corpo docente e corpo discente. Os professores precisam ser capacitados a explorar a veia de pesquisador do aluno, seja em qualquer outra disciplina da graduação. Isto é, não se deve esperar pela monografia para que os alunos ponham em prática tudo aquilo que foi visto com respeito a padrões e normas de escrita.

A adoção de uma nova disciplina “Prática em Iniciação Científica” (dividida em um ou mais módulos) incentivaria os alunos a praticar todos os conceitos vistos na disciplina de metodologia. Esta nova disciplina ajudaria a solucionar alguns dos problemas destacados ao longo deste artigo, como: a carência da pesquisa, o baixo nível de publicações científicas e a qualidade das monografias do curso.

É necessário que haja uma conscientização que um dos papeis fundamentais da IES é fornecer mão-de-obra qualificada para o mercado e para a sociedade. Ser qualificado não se restringe, contudo, ser um bom desenvolvedor ou testador de sistemas, mas também saber se expressar, tanto verbalmente, como na forma escrita.

Recursos

ABNT – Associação Brasileira de Normas e Técnicas – http://www.abnt.org.br/

AMN – Associação MERCOSUL de Normalização – http://www.amn.org.br/

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – http://www.capes.gov.br/

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – http://www.cnpq.br/

FACEPE – Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – http://www.facepe.br/

ISO – International Organization For Standardization – http://www.iso.org

A importância da disciplina de metodologia científica no desenvolvimento de produções acadêmicas de qualidade no nível superior - http://www.urutagua.uem.br/014/14maia.htm

CEFET-SP - http://www.cefetsp.br/edu/gru/GradeCurricularInformatica.html

PUC/RIO - http://www.puc-rio.br/ensinopesq/ccg/eng_computacao.html#periodo_1

UEMG - http://www.ituiutaba.uemg.br/ec/site/gradeec.pdf

Sobre o autor

Cleyton Mário de Oliveira Rodrigues é formado em Engenharia da Computação pela Universidade de Pernambuco em 2006 e Mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2009. Profissionalmente, atuou como Engenheiro de Software no projeto Inovation Grant financiado pela IBM, além de ter atuado como desenvolvedor de sistemas na PROCENGE Ltda, Processamento de Dados e Engenharia de Sistemas. Durante o mestrado, atuou como estagiário no Projeto CONTRAINTES financiado pelo INRIA/Paris, num projeto de cooperação com o Cin/UFPE. Atualmente, está no segundo ano de doutorado também no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, além de atuar como docente em algumas faculdades de computação da região.

»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v03n01/41.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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