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EM SOCIEDADE

EDIÇÃO Dezembro 2010

A importância da TV digital para o Brasil

Oportunidades e riscos da implantação dessa nova tecnologia.

Este artigo apresenta ao leitor a implantação da TV Digital no Brasil como um novo paradigma para os veículos de comunicação de massa, através da inserção de mecanismos de interatividade. A TV Digital se define então como uma nova maneira de transmitir conteúdo e conectar as pessoas de uma nação, com possibilidade de um impacto social no país. Por isso, muitos aspectos (técnicos e, principalmente, sociais) devem ser levados em conta nesta fase, porque, devido à interatividade, espera-se que haja mudanças na educação, indústria, inclusão social, entre outras áreas.

A televisão, assim como outros meios de comunicação de massa, segue a tendência global de digitalização, através de um processo acelerado de substituição de suas plataformas analógicas por plataformas digitais interoperáveis. Os impactos da digitalização não estão concentrados apenas nas tecnologias envolvidas na codificação, transmissão e captura do sinal, mas também em vários aspectos da sociedade, como educação, economia, comércio, governo e outros. A quantidade de mudanças nesses aspectos pode ser maior do que o esperado e, portanto, deve-se ter cautela nas decisões que serão tomadas e no modo como o processo será executado pelas autoridades. Assim, este artigo discute a importância da TV digital para o Brasil, as mudanças e os riscos que ela traz para o país.

Objetivos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital

Estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o percentual de domicílios com televisão analógica tem aumentado desde 1992, quando pesquisas nessa área começaram a ser realizadas. Nesse ano, o percentual era de 74%, enquanto que em 2008, 96,8% (conforme Recurso 1). É possível então verificar que num país no qual a desigualdade social e a exclusão de bens e serviços estão presentes em todas as regiões, existe um meio de comunicação que une todas as classes indistintamente e pelo qual todas as informações transmitidas atingem a esmagadora maioria da população.

A possibilidade de oferecer serviços através de um meio de comunicação com esse alcance torna possível pensar na erradicação de uma característica infelizmente presente em quase todo o hemisfério sul: a exclusão de serviços. A transmissão unidirecional (sentido estação-espectador), inerente ao formato analógico, torna isso impossível, mas com a interatividade, característica importante do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), é possível pensar em formas de reduzir essa exclusão e, assim, tornar a sociedade mais igualitária.

A TV Digital

Um sistema de TV Digital Interativa (DTV) é uma consequência da TV digital. Agora, um dos maiores diferenciais da transmissão do sinal de TV será a interatividade. Com o DTV, o usuário passa a poder, também, enviar dados de seu interesse como um e-mail, requisição de uma página web, consulta sobre o saldo da conta corrente etc. Os três principais objetivos SBTVD são resumidos a seguir:

  • Promover a inclusão social, a diversidade cultural do país e idioma nativo através do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação;
  • Propiciar a criação de uma rede universal de educação à distância;
  • Estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e indústrias nacionais ligadas às tecnologias de informação e comunicação.

O SBTVD, ao contrário de outros sistemas de TV digital em uso atualmente, tem objetivos mais amplos e mais focados nos aspectos sociais. Entre eles a inclusão digital e social e o auxílio à educação a distância.

Desafios

Os cinco principais desafios do SBTVD são: Educação, Economia, T-gov, T-commerce e T-banking.

Educação. O cenário atual da educação brasileira é muito sério. Em 2008, 10,4% dos brasileiros eram considerados analfabetos (conforme Recurso 2), o que representa mais de 19 milhões de pessoas. As escolas públicas têm, em geral, menor qualidade do que as escolas particulares, o que significa que os mais pobres não têm acesso à uma educação de qualidade. Além disso, professores que lecionam nestas instituições são, por vezes, insuficientemente treinados para a profissão. O modelo de ensino pode ser considerado como ultrapassado, e odesempenho dos alunos, mesmo nas melhores escolas do país, muitas vezes insatisfatório.

Um grande problema que faz com que os alunos não tenham o seu melhor desempenho é a falta de incentivo para seus estudos. Graças à interatividade, a TV digital poderá contribuir para que se possa amenizar esse problema. Combinando a facilidade de manipulação do aparelho com as possibilidades da tecnologia digital embutida, um aluno pode se sentir mais estimulado a aprender. Da mesma forma, um professor poderá passar o conteúdo de uma forma muito mais instigante.

Uma boa sugestão para a utilização desta tecnologia é o desenvolvimento de aplicações para TV digital direcionada à educação. Estas aplicações podem ser perguntas e respostas sobre um determinado assunto em que o desempenho dos alunos será avaliado pelo número de respostas corretas. Assim, é criado um novo termo: o t-learning, ou seja, aprendizagem através da televisão digital, semelhante ao e-learning, que quase sempre se refere à aprendizagem através da Internet.

A televisão pode ser usada não apenas como um auxílio para o ensino presencial, mas, também para a educação à distância. Como mencionado anteriormente, uma das metas que o governo brasileiro traçou para a implantação da TV digital é a criação de uma rede universal de educação à distância. A intenção é permitir que estudantes, onde quer que estejam, possam se comunicar com um professor para fazer perguntas, discutir ou aprender sobre um determinado tópico.

Economia. A TV digital também pode ser uma oportunidade para a indústria eletrônica brasileira. Hoje em dia, existem alguns esforços para fortalecer a indústria de hardware no país, como a Brazil-IP (Brazil Intelectual Property), que visa a construir um mercado brasileiro de circuitos integrados. Pelo fato de a TV digital brasileira não ser uma tecnologia importada, ela poderá mudar a triste realidade do país (no que diz respeito à produção de componentes de hardware), que praticamente não adiciona valor intelectual aos produtos desta indústria aqui comercializados.

Além de reduzir o volume de importações alcançado hoje, o Brasil tem agora a oportunidade de exportar tecnologia. Entre os três sistemas de TV digital em uso hoje, o japonês não é usado por nenhum outro país. O sistema americano foi adotado no Canadá e na Coréia do Sul, enquanto que europeu também é utilizado na Austrália, Índia, Malásia e África do Sul (conforme Recurso 3). Como o sistema brasileiro é o mais moderno, ele também pode ser adotado em outros países. E será: Venezuela, Peru, Argentina e Chile já confirmaram a adesão ao SBTVD, devido à possibilidade de transmissão para dispositivos móveis sem custo adicional.

T-Gov. O T-gov, ou governo através da televisão, é derivado do governo eletrônico. A diferença entre T-gov e e-gov é o meio de acesso que, no primeiro caso, é a televisão digital. O problema com esta abordagem pode ser justamente a falta de acesso ao meio. Apenas 23,8% das famílias brasileiras têm acesso à Internet, meio indispensável para a realização do governo eletrônico. Isso significa que aproximadamente 45,21 milhões de pessoas precisam se deslocar às repartições públicas e enfrentar longas filas se precisarem resolver alguma pendência junto ao governo, seja por falta de condições de obter um computador com acesso a Internet ou apenas pela incapacidade de utilização do aparelho.

Muito claramente este novo formato é bom, mas no momento não é para todos. Aproveitando-se do alcance que a TV analógica tem no país e das possibilidades que a tecnologia digital oferece, combinada com a facilidade de uso da televisão, o país pode ganhar ainda mais em eficiência governamental. Se a TV digital tiver o mesmo alcance que a TV analógica tem atualmente, as pessoas mais pobres terão acesso à maioria dos serviços públicos sem sair de casa. A eficiência não seria somente dentro de escritórios do governo, mas também na Internet, em tarefas de interesse e acessível a toda a sociedade.

T-Commerce. Graças à interatividade, um novo tipo de comércio pode surgir no país: o T-commerce, ou seja, o comércio através da televisão. No Japão é possível hoje comprar qualquer produto através da TV digital (ou dispositivos móveis que recebem o sinal), logo que ele aparece na tela. Isso também será possível no Brasil. Qualquer motivo que leve uma pessoa a decidir não comprar um produto no comércio tradicional ou pela Internet (ex.: esquecimento ou insegurança) pode ser eliminado com o comércio pela televisão. Nesse caso, o produto estará sempre disponível para o espectador, enquanto ele assiste aos programas, além da rapidez e facilidade já verificadas no e-commerce. Isso resulta em um maior volume de vendas e todas as boas consequências desse fato. Note que não é novidade que o e-commerce está crescendo continuamente no Brasil. O T-commerce, aproveitando este crescimento, o aumento da confiança do público neste tipo de serviço e o fato de estar sempre “no lugar certo na hora certa”, podem mover uma quantidade equivalente ou maior de dinheiro.

T-Banking. T-banking é a manipulação das contas bancárias de um usuário através de televisão. A idéia é que o cliente do banco possa fazer pela televisão tudo o que atualmente é possível fazer através da Internet (ou mesmo pessoalmente), incluindo a consulta de crédito, pagamentos, transferências e outros serviços. Este novo meio de acesso ao banco promete aumentar o número de transações realizadas à distância, facilitar o acesso remoto ao banco e atrair novos clientes, principalmente devido ao número de pessoas que utilizam a televisão e à facilidade que os aplicativos desenvolvidos para a nova plataforma devem oferecer.

Riscos

Os dois principais riscos do SBTVD estão no aumento do número de pessoas excluídas digitalmente e no T-commerce.

Exclusão Digital. O primeiro e maior risco é a possibilidade da parte mais pobre da sociedade ficar de fora deste processo, pelo menos inicialmente. Apesar de ter sido mencionado que a TV digital provavelmente irá incluir digitalmente esta camada (mesmo porque é uma meta e é garantida por lei), deve ser levado em conta que ela apenas terá o equipamento e fará uso pleno de todas as suas possibilidades e funcionalidades se souberem lidar com ele.

Mesmo prometendo uma simples e poderosa interface, as pessoas, principalmente as que pouco (ou nada) manusearam aplicações digitais em suas vidas, devem ser informadas sobre tudo o que a TV digital lhes oferece. Caso contrário, a televisão brasileira, meio que liga as camadas sociais indistintamente, será apenas outro que diferencia as pessoas pela sua classe e nível de ensino. Além disso, um dos objetivos explícitos da implantação da TV digital, a inclusão social e digital, estará cada vez mais longe de ser alcançado, de modo que muitos investimentos serão, teoricamente, “em vão”.

Outro ponto importante é o preço dos set-top boxes. Há anúncios de esforços visando à redução do preço do conversor, mas se nenhuma medida efetiva for tomada, mais uma vez os mais carentes ficarão de fora do processo de modernização do seu sistema de televisão. O Ministério da Casa Civil visa a implementar um plano para deixar os set-top boxes com níveis entre R$ 100,00 e R$ 120,00, mas 42 milhões de pessoas se sustentam apenas com um salário mínimo, tanto em forma de salário quanto de benefícios da previdência social (conforme Recurso 6). Isto é, mesmo com o preço relativamente baixo, dezenas de milhões de pessoas terão de gastar 1/5 da seu renda se quiserem receber o sinal digital. Além disso, há uma tendência crescente de os conversores não serem vendidos separadamente. Segundo Marcelo Martins, diretor de novos negócios da Century, os fabricantes decidiram isso porque os conversores vendidos separadamente não dão lucro. Se isto for confirmado, todos precisarão comprar a televisão com o conversor embutido, mesmo aqueles que vivem com o salário mínimo.

T-Commerce. Foi dito anteriormente que o T-commerce pode aumentar o volume interno de vendas, devido ao fácil alcance, velocidade e facilidade em fazer compras pela televisão, atributos nem sempre presentes em outros tipos de comércio. O problema é o potencial endividamento no novo formato de negócio. Kelly Oliveira (conforme Recurso 4) mostra que esse endividamento atingiu 34,8% do rendimento anual, em Junho de 2009, um aumento de 8,1 pontos percentuais em comparação com os dois anos anteriores, o que mostra a tendência crescente de endividamento do brasileiro. Ao mesmo tempo, a notícia vinculada pela Agência Estado (conforme Recurso 5) relatou que a taxa de inadimplência em novembro de 2009 atingiu 5,8% para o crédito. Para os indivíduos, este percentual é de 8,1%. O T-commerce pode aumentar estas taxas, devido às facilidades de compra do formato e ao hábito de algumas pessoas não pagarem todas as suas dívidas ou gastarem mais do que têm (em especial os chamados consumidores compulsivos). Isto pode resultar na elevação da quantidade de nomes sujos de serviços de proteção ao crédito ou mesmo, em um caso extremo, em uma crise econômica, se a taxa de inadimplência se tornar elevada demais.

Concluindo

É válido dizer que a TV digital é promissora para o Brasil e tem potencial para desenvolver o país em muitos aspectos: econômico, social, tecnológico, educacional e outros. A decisão de criar o próprio sistema foi uma decisão acertada e pode levar o país a ser um exportador de tecnologia relativamente importante, especialmente na América do Sul, “status” que ele vem obtendo apenas recentemente. Além disso, esta tecnologia pode ser usada como um meio de educação à distância, ou seja, tem potencial para ser um instrumento de educação, uma meta que é garantida por lei. Os progressos que ela pode trazer para a economia, governabilidade e comércio do país também são promissores e podem, em casos extremos, causar um impacto profundo na qualidade de vida da população.

Para garantir que todos esses benefícios sejam devidamente aproveitados no país, é extremamente importante que o processo de implantação dessas tecnologias seja integralmente conduzido por uma comissão de tecnologia do governo imparcial, ou seja, que tem conhecimento dessas vantagens e fará por onde implantá-las no país. Caso contrário, é muito improvável que todos os benefícios desta implantação sejam alcançados. Existem várias pessoas no país que estão completamente confortáveis com a posição que ocupam em relação ao resto da população e vão agir visando a impedir qualquer grande transformação. Durante toda a História do Brasil, verificou-se que pessoas desse tipo tendem a ser bem sucedidas em suas “investidas”. Sendo assim, mesmo com todo este potencial de desenvolvimento, existe um sério risco de o país não se desenvolver e todos os males da sociedade moderna permanecerem intactos em tempos futuros.

Recursos

Sobre os autores

Julio César Ferreira da Silva é graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Sistemas Multimídia e Hipermídia, atuando principalmente nos seguintes temas: TV Digital e Interativa e vídeo digital. Atualmente integra o Laboratório de Aplicações em Vídeo Digital (LAVID), atuando como desenvolvedor do Grupo de Trabalho de Mídias Digitais e Arte (GTMDA - www.lavid.ufpb.br/gtmda).
Hildegard Paulino Barbosa é graduando em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Tem interesse no desenvolvimento de software para TVDI, com ênfase na comunicabilidade e usabilidade de software, além de anos de experiência e forte interesse no desenvolvimento de softwares e bibliotecas para músicos, principalmente nas áreas de composição e análise musical.
Tatiana Aires Tavares atualmente é professora do Departamento de Informática, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Informática e vicecoordenadora do Laboratório de Vídeo Digital (LAVID) da UFPB. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Sistemas Multimídia e Hipermídia, atuando principalmente nos seguintes temas: TV digital e interativa, vídeo digital, realidade virtual e programas de TVDI.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v03n03/13.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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