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EDIÇÃO Abril 2011

Entrevista com John E. Hopcroft

Conheça mais um pouco sobre o Prêmio Turing de 1986

Este artigo apresenta a entrevista com o ganhador do prêmio Turing John H. Hopcroft. Ele fala sobre pesquisa e ensino em Computação, com dicas interessantes e reflexões sobre a Computação ao longo do tempo. Ao final estão algumas considerações ditas durante a sua palestra na UFMG.

- 1. Você foi premiado com o Turing Award por suas realizações no projeto e análise de algoritmos e estruturas de dados. Na sua entrevista para a Communications of the ACM (veja em Recursos) após a premiação, você disse "We focused a considerable amount of time on developing our ideas before we got into implementing them". Depois de tantos anos e dos grandes avanços nas areas de linguagens de programação, compiladores, etc, você continua dedicando tanto tempo ao planejamento antes de implementar suas idéias?

Sim! É realmente importante entender conceitualmente antes que você possa se comprometer com a implementação porque, geralmente, uma vez que você entende (as idéias), a implementação se torna muito mais simples, mais rápida, e mais propícia a estar correta.

- 2. Você irá ministrar uma palestra sobre a sua pesquisa atual agora à tarde. Você poderia nos dar uma visão global sobre quais são os principais objetivos da sua pesquisa atual e seus desafios?

Sim. Eu penso que a Ciência da Computação está mudando de uma maneira fundamental. Nos últimos 30 anos, nós estávamos preocupados com o como tornar um computador útil, então nós estávamos interessados em linguagens de programação, compiladores e sistemas operacionais. Hoje, existe uma mudança no onde está nosso interesse: para que os computadores estão sendo usados. Esta mudança em Ciência da Computação nos diz que nós estaremos preocupados com um conjunto de tópicos diferentes. Além disso, Ciência da Computação irá provavelmente construir relacionamentos com muitas disciplinas: sociologia, economia, várias formas de engenharia, fotografia, música, várias áreas mesmo. Então, será necessária uma nova base científica para suportar todas essas áreas porque é um tipo diferente de atividade, e nisso está o meu interesse real hoje. Por exemplo, hoje, nós temos habilidades e ferramentas para rastrear as idéias na literatura científica. Nós conseguimos rastrear as comunidades sociais e como elas interagem. Nós conseguimos acompanhar milhões de pessoas em casos onde os sociólogos podiam estudar apenas algumas centenas ou poucos milhares. A questão de “como fazer isso” é onde o futuro estará.

- 3. Qual o seu segredo para desenvolver pesquisa de qualidade?

Uma das coisas mais importantes para um professor é a qualidade dos estudantes de doutorado que ele/ela tem. Se você tiver doutorandos de alta qualidade (nota da tradução: a expressão utilizada foi world-class PhD students), eles irão “carregar” você e introduzi-la a novas maneiras e formas, forçando você a desenvolver trabalho de alta qualidade. Então, bons doutorandos são provavelmente a coisa mais importante.

O segundo ponto é, provavelmente, ter tempo para sentar e refletir sobre isso (o trabalho dos doutorandos). Eu noto que o sistema que os professores têm hoje requer mais responsabilidades do que eu tinha há 30 anos atrás. Eu me preocupo se as instituições serão capazes de desenvolver a qualidade do seu corpo docente para realmente manter a sua excelência. A menos que elas façam alguma coisa para prover seus docentes com o tempo necessário para desenvolver suas carreiras e pesquisa de qualidade, pode ser que se pague um alto custo no futuro por não se ter esta excelência.

Professores Nívio Ziviani, John Hopcroft, Roberto Bigonha e o presidente da SBC prof. José Carlos Maldonado

- 4. Esta próxima pergunta é uma sugestão do prof. Alberto Laender, que é o líder do nosso grupo de banco de dados. Ele pede para você falar sobre a importância da teoria para novas aplicações e jovens cientistas.

(Começando por um exemplo), na área de Recuperação de Informação, acontece algo interessante que existem todos os tipos de informação em um banco de dados que as pessoas que criaram o banco nem sabiam que elas tinham colocado lá. Como extrair tal informação requer técnicas matemáticas sofisticadas. Deixe-me contar uma história sobre esse trabalho que nós fizemos. Há 10 anos atrás, houve um surto da gripe asiática no Vietnam, o que gerou uma preocupação sobre se o vírus migraria para a Europa e depois pros EUA. Para estimar a probabilidade disso acontecer exigia o entendimento (a compreensão) de como 6000 espécies de pássaros se moviam. Mas ninguém sabia qual rota esses pássaros faziam. Então, nós perguntamos: será que poderíamos extrair esta informação do que já está disponível na Web? Bom, acontece que a Web tem essa informação na forma de encontros/localização com pássaros (tradução de “sights of birds”). Então nós escolhemos um pássaro em particular e fomos capazes de reunir dados sobre milhões de encontros. Com isso, nós criamos um modelo matemático de como um pássaro pode voar. Nós ajustamos os parâmetros daquele modelo para explicar melhor os locais das aves. Isso nos deu as trajetórias daquele pássaro. Nós fomos a um laboratório de ornitologia depois e perguntamos se a trajetória estava correta, e eles disseram “sim, no melhor do nosso conhecimento, vocês conseguiram derivá-las”. E isso apenas mostra um jeito no qual você pode extrair informação que as pessoas não conheciam, ninguém tinha colocado lá, mas as trajetórias dos pássaros estavam lá.

Um outro exemplo é um website que tem todos os aviões em linhas comerciais que estão no ar em um determinado tempo. De repente você não se dê conta, mas este website tem um padrão de clima. Tem essa corrente de ar que percorre os EUA de oeste para leste e que se move pro norte e pro sul, e esse movimento tem uma grande influência no clima do país. Se você olhar este website e avaliar como os voos ajustam seus percursos, você pode ver como a corrente de ar está mudando. Esse é um outro exemplo de como você pode extrair informação que as pessoas não necessariamente colocaram lá. E criar a matemática para extrair tal informação requer técnicas matemáticas extremamente sofisticadas.

- 5. Você tem sido professor por quase 50 anos. Você, em algum momento, se cansa de preparar aulas, ministrá-las, corrigir provas? Ou qual é o conselho que você pode dar para jovens professores manter a alegria de ensinar por tanto tempo?

Eu amo o que eu faço e a razão pela qual eu não me aposento é que eu continuaria a fazer as mesmas coisas, mas sem receber salário [risos]. Um dos conselhos que eu dou aos meus estudantes é “você tem apenas uma vida para viver e seu emprego será uma parte grande dessa vida”. Se você pegar as 168 horas de uma semana, e olhar quanto tempo você dorme, come, dirige, e assim por diante, você vai ver que você tem apenas 15 horas para serem usadas a bel-prazer, nas quais você pode fazer o que quiser. Mas se o seu emprego é o que você quer fazer, então você tem 55 horas! Então, escolha um emprego que você realmente gosta.

Uma outra coisa é que quando eu era jovem, eu tive alguns bons professores no ensino médio e fundamental, e eles tiveram um impacto profundo na minha vida. Quando eu vi o impacto que eles tiveram, eu quis ter esse impacto nos outros. É realmente gratificante!!! Eu realmente gosto de trabalhar com estudantes e ajudá-los. As gratificações chegam 30 ou 40 anos depois, quando alguém vem até a sua sala e diz: “Você não me reconhece, tenho certeza, mas eu fiz uma disciplina com você e realmente teve um impacto na minha vida”. Isso realmente faz você se sentir muito bem, e é por isso que você ama sair e fazer o seu trabalho.

Prof. Hopcroft durante sua palestra na UFMG

- 6. Cada geração tem alguma grande invenção tecnológica, tal como o refrigerador, a TV e então computadores. Depois dos computadores, foi a Internet e agora são os dispositivos móveis. O que você acha que será o próximo hit tecnológico?

Esta é uma boa pergunta, e eu não pensei muito sobre isso então não sei se eu posso lhe dar uma resposta [risos]. Mas eu posso contar uma história que meus pais me contaram sobre os avanços nas vidas deles, que foram a refrigeração, o automóvel, o banheiro dentro de casa. Eles disseram: “Sabe, terão mudanças como essas em sua vida”, e eu não podia imaginar o que elas seriam. Mas agora, pensando atrás, nós não tínhamos como fazer uma cópia de um documento, o Xerox, e é claro que tem o computador e os processadores de texto… Existem algumas mudanças muito incríveis como o celular e outras. Eu estou convencido de que na vida das minhas crianças existirão mudanças ainda maiores mas eu não consigo imaginar o que será. Parece que essas mudanças estão acontecendo cada vez mais rápido. E isso tudo torna difícil dar conselhos para as crianças porque nós tendemos a dar conselho sobre o que seria bom para a nossa geração e nossas crianças vão viver em uma geração diferente.

- 7. Ano passado, eu entrevistei Vint Cerf, que ganhou o prêmio Turing em 2004. Agora, estou entrevistando você, que ganhou em 1986. Eu vou me permitir repetir as duas últimas perguntas que eu fiz pra ele, se você não se importar. Sobre a primeira, a nossa revista é dedicada a estudantes e jovens profissionais. Considerando toda a sua experiência, existe algum conselho sobre carreira que você poderia dividir com nossos leitores?

Eu voltaria à questão de que você só tem uma vida e é melhor aproveitá-la. Você tem de escolher uma carreira que você realmente goste.

Se você está se formando em uma instituição como esta [UFMG], você não vai precisar se preocupar com o salário. Não. Você certamente terá dinheiro o suficiente para fazer as coisas que você quer fazer. Então, quando estiver escolhendo um emprego, não olhe só para o salário, isso não deve ser o determinante. Isso deveria ser se você realmente gosta do trabalho ou não.

Um ponto correlato. Um dos prazeres que, eu acho, a maioria das pessoas não se dá conta, é que ajudar os outros é algo inato da natureza e pode ser realmente importante. Eu me dei conta disso tarde… que se eu visse alguém com o carro parado na neve ou alguma coisa do tipo, eu sempre parava e ajudava, porque era gratificante. Mas se o meu carro estivesse parado, eu não pedia ajuda pra ninguém, e somente muito depois eu me dei conta de que eu deveria pedir, porque eu estaria dando uma chance para eles me ajudar, e eles se sentiriam bem. Isso seria muito bom.

- 8. E finalmente, qual invenção da Ciência da Computação você acha que merece um prêmio Turing no futuro? Alguma coisa que nós temos hoje que mereça no futuro?

Essas são perguntas difíceis [risos]. Claramente a Internet recebeu seu prêmio tarde, e eu acho que foi bem difícil decidir quem receberia o crédito por ela. Oh, uma das coisas que ainda não recebeu crédito é não apenas a Internet mas a World Wide Web. Alguma coisa tipo a invenção do Mosaic, porque quando surgiu, de repente tudo mudou. E, possivelmente, se alguém fizer algum avanço significativo na área de privacidade e segurança, porque isso realmente será muito importante. Mas é difícil, o comitê que seleciona tem um trabalho super difícil, porque existe muita gente talentosa e que merece.

Muito obrigada! Foi um grande prazer falar com você e foi uma honra pra mim entrevistar um ganhador do prêmio Turing. Tenho certeza que nossos leitores vão gostar de sua entrevista e espero que eles realmente entendam a importância de suas idéias.


Durante sua visita à UFMG, o prof. Hopcroft conversou com os professores do Departamento de Ciência da Computação da UFMG. Confira algumas de suas frases durante essa conversa.

Brazil has a very good education system, many students, and the tradition of students going abroad. So it’s a natural place for us [Cornell] to recruit students.

How much money I'm willing to invest in recruiting a world-class student? Everything that is necessary. We tell undergrad students: do consider Cornell for graduate studies, if admitted, we will pay all the cost for you. There is also the stipend, 25 thousand dollars per year… if that gets me one super star student, it is actually an investment.

The world is changing. Twenty years ago, journal publications were really important. Now, the top publications are in conferences, not in journals. [In Computer Science] while hiring, people usually look more for conferences than journals. I worry about how conferences will keep up because some conferences that existed, don't anymore.

I see people with 5, 6 publications a year. I can't see how a person can have more than one good idea per year. What publications does he have? For me, it's more important to ask what are the results he got… how do people use them?

I'd rather evaluate quality, but [government] people want numbers… It's very unfortunate.

I still ask my students to turn one or two of their conference papers to journals because I don't know how things are going to turn up.

When I started, there were very few Computer Scientists. The computer language was a mystery. So, the algorithms book (1974) has created some important changes.

I'm writing a book now on the theory that is going to support the next 30 years of Computer Science. What I've been teaching is good for the last 30 years, but may not apply now. We're toying with the idea of publishing it online and then tell people: if you're going to use in a course, get a local company to prepare it and print it for your students. Local companies can get a book for you at $25 while if you have it with a big editor, it will cost $125.

v04n01/23.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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