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E AGORA JOSÉ?

EDIÇÃO Abril 2011

De Wikis a YouTube: um passeio pela Computação

Este texto foi apresentado na colação de grau da turma de Ciência da Computação do Instituto de Informática da UFRGS em janeiro de 2011. Apesar de ser dedicado aos meus afilhados, o convite da profa. Mirella para publicá-lo aqui foi aceito com prazer, pois o texto fala de alguns paradoxos interessantes da Computação, incluindo tablets, wikis e petabytes que acredito serem de interesse dos leitores da SBC Horizontes.

Prezados membros e colegas da mesa, prezados convidados e familiares da platéia, meus caros formandos:

Em primeiro lugar eu gostaria muito de agradecer, em meu nome e em nome dos demais homenageados, o convite que vocês nos fizeram. É sempre um enorme prazer participar desta festa, mesmo que isto signifique ter que reorganizar as férias e ter que compartilhar o aniversário da profa. Taisy (minha esposa) com a formatura de vocês.

Em segundo lugar, e antes que alguém pense alguma coisa errada, o uso de um tablet para o discurso não é uma declaração de amor para a Apple ou para o Steve Jobs. É simplesmente a constatação das mudanças tecnológicas por quais passamos. Afinal, foi-se o tempo dos hieróglifos em papiros, das iluminuras em pergaminhos, e talvez esteja se indo o tempo da tinta sobre o papel. E um tablet também serve para um mostrar um outro lado da tecnologia – se eu estivesse com 3 folhas de papel na mão todo mundo saberia quando o discurso está chegando ao fim. Mas com um iPad de 32 G, eu consigo deixar todo mundo no suspense.

Em terceiro lugar, cumprindo um acordo feito com alguns de vocês, prometo não usar citações de Tolkien ou Douglas Adams.

Dito isso, desde que vocês invadiram ruidosamente a minha aula para me comunicar da escolha de ser homenageado, eu fiquei pensando qual poderia ser o tema desta fala. E, inspirado em Barak Obama, acabei decidindo que a computação está passando por um momento “wiki”.

O termo “wiki” original, não sei se todos sabem, vem do dialeto havaiano e significa “rápido”. Este termo foi usado por Ward Cunninham em 1994 quando ele criou o WikiWikiWeb, um software para desenvolver e editar rapidamente páginas Web. O nome WikiWiki foi tomado emprestado dos ônibus que circulavam entre os terminais do aeroporto de Honolulu que, a julgar pelo nome, deviam ser muito rápidos. Os wikis originais não existem mais – foram desativados em 2007 – mas o nome deles agora é parte da história da computação.

Embora o termo “wiki” possa muito bem caracterizar a geração atual, muito rápida e exigindo troca de informação de forma quase instantânea, ele também mostra como a computação vem transformando a sociedade. Neste janeiro a Wikipédia, fundada em 2001 por Jimmy Wales e Larry Sanger,completou 10 anos. Criada da fusão da Nupedia, uma enciclopédia online, com a tecnologia wiki, é uma enciclopédia livre que qualquer um pode editar.

Criticada inicialmente porque tirou a graça do professor pedir um trabalho de pesquisa, ela conta hoje com quase 18 milhões de artigos, escritos em 278 línguas e dialetos, controlados por 5 mil administradores e escritos por mais de 27 milhões de colaboradores. Algo deste porte não tem precedentes na história humana, e mostra a revolução que computadores e a internet estão promovendo. Antigamente, para conseguir produzir algo, era necessário encontrar um mecenas ou ser o protegido da corte de algum nobre ou rei. Nada contra os grandes artistas e inventores do passado, mas eu fico pensando quantas boas idéias morreram prematuramente simplesmente porque não obtiveram o suporte adequado. Estamos ainda muito longe de qualquer utopia colaborativa, mas hoje em dia cada um pode ter o seu momento de glória no Youtube, ou ver a sua idéia disseminada pelo mundo em questão de horas.

Mas existem ainda outros “wikis” a considerar. O Wikileaks, fundado em 2006 por grupo que ainda permanece anônimo, e que tem Julian Assange com seu porta-voz desde 2007. Certo, muita gente olha o vazamento da correspondência diplomática americana com um sorriso maroto, e fica contente quando vê que os “poderosos” têm falhas, mas e quanto ao vazamento das informações pessoais de um cidadão comum? Mesmo em um ambiente universitário, que deveria se caracterizar pelo livre fluxo de conhecimento e informações, existem professores que não gostam de ver postados comentários sobre a sua postura em sala de aula, pois não gostam de se sentir na forca. Claro, ninguém gosta de ver seus defeitos, segredos ou dados pessoais expostos na internet. E, curiosamente, o Wikileaks não é um wiki – não é um site que qualquer um pode editar.

Mas tanto a Wikipédia quanto o Wikileaks são bons representantes do que a computação pode oferecer. Computação ainda é uma ciência muito jovem – tem identidade própria a meros sessenta anos – mas computadores são onipresentes. A quantidade de seres de silício já havia ultrapassado a quantidade de seres humanos na década de 90, e eu não tenho a mínima idéia da relação atual – talvez umas 4 a 5 vezes maior, em uma estimativa modesta. O que era para ser a era nuclear prometida no século passado acabou sendo a era do computador e da informação. A guerra nuclear não veio, mas nunca tantos se comunicam tanto como hoje em dia.

E se a computação mudou o mundo, ela própria mudou também. O que começou como um mero processamento de dados hoje se transformou na tecnologia da informação, e há muito tempo o computador deixou de ser um mero sucessor do ábaco e faz muito mais do que meros cálculos.

Estamos soterrados de dados digitais. O Google processa mais de um petabyte de dados por hora – mais de um quintilhão de letras, em termos leigos – e o grande desafio é extrair informação destes dados. Eu já li um artigo provocador que dizia que a ciência tradicional está morta. Não é mais necessário formular uma hipótese, realizar um experimento e coletar os dados deste experimento para confirmar ou não a hipótese. Os dados já estão aqui. Basta analisá-los.

Este é o grande desafio de vocês. Como tratar este mar de dados digitais e extrair deles alguma informação útil. Não pensem que isto é uma tarefa trivial. Por exemplo, para confirmar o velho ditado “casa de ferreiro, espeto de pau”, só neste janeiro fomos descobrir que o nosso curso de Ciência de Computação é o melhor do Brasil, na avaliação do MEC e INEP. Se isto pode não ser novidade para alguns, o crítico é que esta liderança foi conquistada no início de 2010. Os dados foram gerados em 2008, e processados em 2009. Mas a informação não fluiu como deveria…

Vocês não têm mais a tarefa dos pioneiros da computação como Alan Turing e John Von Neuman, que precisavam definir o que era computação e como realizá-la. Já quase passou a era dos Ed Roberts, Bill Gates, Steve Jobs e Linus Torwald, que se dedicaram a trazer o computador para dentro da nossa vida. Estamos na época dos Sergey Brin, Larry Page, Chad Hurley, Steve Chen e Mark Zuckerberg, que nos deram um pequeno vislumbre do que é processar informação. Cabe a vocês continuar o processamento da informação, e imaginar novas maneiras de fazer ela fluir. Mas não esqueçam que o ser humano é o centro de tudo, e não a tecnologia. De nada adianta querer universalizar o acesso à informação se isto significa invadir a privacidade das pessoas. Tratem a informação com correção e segurança. Uma utopia onde chantagem não é possível porque todo mundo sabe de tudo sobre todos não é o tipo de utopia que eu imagino.

E enquanto vocês pensam como mudar o mundo e fazer a humanidade avançar na direção da singularidade, obrigado por terem escolhido a UFRGS para estudar, o Instituto de Informática para lhes dar a formação e a nós para estarmos aqui com vocês aqui e agora. Se a missão de um professor é abrir as portas do conhecimento, são vocês que devem passar por elas sozinhos, descobrir novas portas para abrir, e seguir novos caminhos. Não interessa qual o caminho que cada um escolheu, nem como vocês vão fazer isto. Mas façam com prazer e gostem do que estiverem fazendo. Pode ser que não ajude muito, mas torna as coisas muito mais divertidas.

Sobre o autor

Prof. Weber possui graduação em Engenharia Elétrica Opção Eletrônica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), graduação em Engenharia Elétrica Opção Telecomunicações pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1977), mestrado em Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980) e doutorado em Institut Für Informatik IV pela Universitat Karlsruhe (1986). Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Sistemas de Computação, atuando principalmente nos seguintes temas: Geração de Testes, Projeto Automatizado, Vetores de Teste.
v04n01/8.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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