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EDIÇÃO Dezembro 2011

Cuidando da Internet no Brasil

Uma breve introdução ao modelo Brasileiro de Governança da Internet

A Internet é uma construção recente, mas extremamente importante para nossas vidas. Quais as propriedades da rede, que permitiram sua evolução até tornar-se o que é hoje? Essas características são naturais, intrínsecas, ou podem ser mudadas, para o bem e para o mal? Quem gerencia a Internet hoje e cuida para que continue a evoluir de forma benéfica à sociedade, e como essa questão é tratada no Brasil? Conheça nesse texto o CGI e o NIC.br, as entidades responsáveis pela governança da Internet no país.

A Internet: terra de ninguém? Não no Brasil...

Você já parou para pensar em quanto a Internet é útil em nosso dia a dia? Praticamente todo tipo de informação está disponível na rede. Advogados consultam o andamento de processos e atualizam-se sobre mudanças na legislação. Cidadãos relacionam-se com os Estados. Organizações não governamentais se articulam. Empresas oferecem serviços, compram e vendem via Internet. Crianças e jovens jogam online. Donas de casa buscam entretenimento. Estudantes buscam conhecimentos sobre os mais variados assuntos, usam a rede para comunicar-se e trocar informações. Para os profissionais de computação é impensável ficar de fora. Informações sobre linguagens de programação, novas técnicas, algoritmos, equipamentos, tutoriais, exemplos, o dia a dia está na rede. E tanto mais! A rede mundial já fez jovens com empresas criadas no fundo da garagem tornarem-se milionários e, de forma geral, ela tem ajudado no desenvolvimento pessoal de muita gente. Tem sido tão benéfica para os indivíduos e para a sociedade, que muito se discute hoje se o acesso à Internet não deveria ser considerado um direito fundamental do ser humano!

Isso foi sempre assim? Se pensarmos um pouco é bastante óbvio que não, pelo simples fato da Internet ser recente, extremamente recente. Há cerca de uma década os profissionais reciclavam-se usando apenas cursos, livros, palestras e congressos científicos. A troca de informações e a inovação seguiam à velocidade do papel e da caneta ou, quando muito, de telefonemas, muitas vezes caríssimos, caso fosse necessário romper fronteiras geográficas nesse processo…

Por que a Internet é assim, hoje, tão útil para todos? Quais são as características que permitiram que ela evoluísse desde os tempos da Arpanet, quando interligava centros de pesquisa dos militares estadunidenses, para o que é atualmente? Essa reflexão pode não parecer necessária, mas de fato é fundamental. Como vimos, a Internet traz hoje muitos benefícios para a sociedade e para os indivíduos. Isso só é possível por conta de um determinado conjunto de características, de propriedades da rede. Assim como a Internet não é algo eterno, inerente ao Universo, menos permanentes ainda são as características que fazem dela o que é.

Analisemos uma situação hipotética, à guisa de exemplo. Para alguns provedores de acesso e conteúdo, já dominantes em seus mercados, poderia ser vantajoso fazer acordos entre si de forma que o provedor de acesso privilegiasse o tráfego para determinados sítios Web, em detrimento de outros, cujos dados trafegariam propositalmente de forma mais lenta. Para o usuário final, os sítios privilegiados pareceriam ter qualidade superior, e isso os ajudaria a manter ou ampliar sua fatia no mercado, de forma que valeria a pena remunerar o provedor de acesso por isso. Nesse contexto, imagine que você tenha uma idéia extraordinária para um serviço Web novo, daqueles que começam em garagens e logo fazem de você um milionário. Pois bem, seu sucesso seria praticamente impossível, pois seu serviço seria percebido desde o começo como um sítio lento e de qualidade inferior. O princípio da “neutralidade da rede”, ou seja, que todos os pacotes devem ser tratados de forma semelhante pela infraestrutura de roteamento na Internet é uma das características presentes desde seu início e que favorece a inovação. É importante para a sociedade de forma geral que esse princípio seja preservado, embora alguns poucos indivíduos e empresas possam lucrar muito com a situação oposta.

Mas afinal, quem controla a Internet e garante a forma pela qual ela funciona? Ninguém! Bem, na verdade essa primeira resposta é um tanto alarmista e não é completamente honesta. É mais correto dizer que a Internet não é controlada por uma organização única, mas que muitas organizações e mesmo indivíduos colaboram no seu gerenciamento globalmente. Podemos citar a IETF (Internet Engineering Task Force), com a padronização dos protocolos da rede; a ICANN (Internet Corporation for Asigned Names and Numbers), com o sistema DNS; o W3C (World Wide Web Consortium), com os padrões para a Web, entre tantas outras. Também é correto afirmar que, embora em seus aspectos técnicos a Internet esteja bem gerenciada, em outras áreas (jurídica, econômica, social) os organismos e formas de gerenciamento são incipientes. Muitas empresas, instituições não governamentais, governos e outros atores debatem atualmente a melhor forma de gerir a rede, e de certa forma disputam poder, cada qual defendendo seus interesses.

A Governança da Internet no Brasil, o CGI e o NIC.br.

No Brasil, para as questões locais relativas à Internet, esse problema foi equacionado de forma pioneira e muito positiva. Instituiu-se uma entidade nacional para a governança da rede, o Comitê Gestor da Internet no Brasil, ou CGI.br. O Comitê é um conselho multisetorial formado atualmente por 21 membros. São 9 representantes do governo, indicados por diversas áreas do mesmo, 1 especialista em Internet, também indicado pelo governo, e 11 representantes da sociedade civil, abrangendo o terceiro setor, empresas usuárias, operadoras de telecomunicações, provedores e academia. Os representantes da sociedade civil são eleitos num processo democrático, cada qual pelas entidades representativas de seu setor.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil foi criado pelo governo, mas já desde o início com apoio e participação da sociedade civil organizada, primeiramente pela portaria interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995. O conselho foi ratificado pelo decreto presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003, que deu a ele seu formato atual. O CGI.br reúne-se mensalmente e discute os principais temas relacionados à Internet no Brasil. Sua função é coordenar os esforços na área, integrando as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados.

Recentemente o Comitê Gestor da Internet publicou uma série de princípios, segundo os quais acredita que a Internet deve desenvolver-se, e que merecem ser transcritos aqui. Esses princípios de fato representam as propriedades mais básicas da Internet, que permitiram a ela ser o que é hoje, e devem ser preservados:

PRINCÍPIOS PARA A GOVERNANÇA E USO DA INTERNET NO BRASIL

1.Liberdade, privacidade e direitos humanos

O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática.

2. Governança democrática e colaborativa

A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva.

3. Universalidade

O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.

4. Diversidade

A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores.

5. Inovação

A governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.

6. Neutralidade da rede

Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento

7. Inimputabilidade da rede

O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos.

8. Funcionalidade, segurança e estabilidade

A estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas.

9. Padronização e interoperabilidade

A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento.

10. Ambiente legal e regulatório

O ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.

É importante salientar que os membros do Comitê Gestor não são remunerados, nem se dedicam em tempo integral aos assuntos do conselho. Para melhor cumprir com seus objetivos, o CGI entendeu que deveria haver uma equipe que se dedicasse em tempo integral a determinadas funções e projetos de interesse, e que pudesse representá-lo quando necessário. Dessa forma foi criado o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. O NIC.br é uma entidade civil, de direito privado, sem fins de lucro, indisoluvelmente ligada ao CGI, por seu estatuto, e que iniciou suas atividades em 2006.

A primeira função assumida pelo NIC.br foi a de abrigar o Registro.br, que passou a ser um de seus departamentos. O Registro.br existia anteriormente como um projeto dentro da FAPESP, por razões históricas: a Internet nasceu no Brasil no meio acadêmico, como em praticamente todo o mundo; contudo, após seu uso comercial ter sido iniciado, esse arranjo não fazia mais sentido. O NIC.br passou então a ser o responsável pelo registro de todos os domínios .br. Atualmente, é realizada a cobrança de uma anuidade de R$ 30,00 para cada nome registrado, o que constitui a principal fonte de financiamento da entidade. Outra função do Registro.br assumida pelo NIC.br foi a de fazer a administração dos endereços IP e dos números que identificam os Sistemas Autônomos e sua distribuição para as redes brasileiras. Todo o gerenciamento desses recursos, nomes e números, é feito de acordo com as políticas determinadas pelo CGI. Para conhecer as regras, registrar domínios, ou solicitar recursos de numeração, pode-se visitar o sítio http://registro.br.

Outro grupo pré-existente incorporado ao NIC.br foi o NBSO (NIC.br Brazilian Security Office), hoje chamado de CERT.br (Centro de Estudos, Respostas e Tratamento de Incidentes). A equipe é o ponto focal no Brasil para as questões de segurança na Internet. O principal trabalho que fazem é o de tratamento de incidentes, que consiste em receber notificações sobre os mais diversos problemas de segurança relacionados à Internet no Brasil, e dar-lhes o encaminhamento necessário. Por exemplo, fazem notificações para as empresas cujas redes são palco de atividades suspeitas, sinal de possíveis infecções por vírus, ou invasões. Outro exemplo é o encaminhamento de amostras de vírus para que os fabricantes de anti-vírus atualizem suas vacinas. O CERT.br também faz pesquisas sobre os problemas de segurança que afetam a Internet, como o SPAM, o envio de mensagens não autorizadas via email, por exemplo. É importante destacar o uso das tecnologias de Honeypots e Spampots para isso, espécies de iscas eletrônicas usadas para detectar as ameaças e mapeá-las. A equipe se ocupa também de ações educativas, seja com os sítios http://antispam.br e http://internetsegura.br, seja com os cursos de formação para CSIRTs (grupos de tratamento de incidentes de seguranças dentro das empresas e instituições), licenciados da Universidade Carnegie Mellon, com vídeos educativos, ou com a já difundida cartilha de segurança. Para saber mais acesse http://cert.br.

O Comitê Gestor também se dedicava à tarefa de levantar e organizar os dados sobre o uso e o crescimento da Internet, e das Tecnologias da Informação e Comunicação em geral, no país. A atividade de realização de pesquisas sobre o uso das TIC resultou na criação de um novo departamento no NIC.br, o CETIC (Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação). As pesquisas mais tradicionais, a TIC Domicílios e a TIC Empresas, existem desde 2005 e são realizadas anualmente, sendo a principal fonte de informação sobre o assunto no país. Desde 2010 é realizada também periodicamente a TIC Educação, que explora o uso da Internet nas escolas. Todas as pesquisas podem ser acessadas gratuitamente no sítio http://cetic.br.

O NIC.br assumiu aos poucos a função de cuidar também de uma série de projetos e serviços ligados à infra-estrutura da Internet. A equipe responsável por isso é o CEPTRO, Centro de Estudos e Pesquisas em Tecnologias de Rede e Operação, e cuida de uma gama bastante grande de atividades, divididas principalmente nas seguintes linhas: atividades e projetos estruturantes, de medição de qualidade, de formação de mão de obra e disseminação de conhecimento, e estudos da Web.

Na primeira linha, podemos citar o PTTMetro, um projeto cujo objetivo é criar Pontos de Troca de Tráfego por todo o Brasil. Os PTTs são componentes da infra-estrutura da Internet que permitem a interligação direta de muitas redes, numa área geográfica restrita, geralmente uma cidade, ou conurbação, de forma que elas possam trocar tráfego entre si. Os PTTs procuram impedir situações como quando um cidadão vai acessar o sítio Web de sua prefeitura, cidadão e prefeitura ligados a provedores Internet distintos, e os pacotes com as informações acabam por viajar longas distâncias, as vezes mesmo por países estrangeiros, antes de encontrar seu destino, no prédio vizinho. Os PTTs tornam a Internet mais barata, mais confiável e mais veloz para todos. Para conhecer mais pode-se acessar http://pttmetro.nic.br. Outra atividade estruturante é o fornecimento da Hora Legal Brasileira, via Internet, por um acordo com o Observatório Nacional, através do NTP.br - http://ntp.br.

A medição da qualidade da Internet é dividida em várias frentes. O sistema denominado SIMET - http://simet.nic.br - serve para que usuários domésticos possam medir a qualidade da sua conexão à rede. Há uma segunda versão desse mesmo sistema usada para medições mais precisas, usando hardware especializado, feita em conjunto com o INMETRO, a ANATEL e outros colaboradores. O SAMAS, mede a qualidade do backbone e do backhaul nacionais, por meio de pontos de prova instalados numa amostra significativa dos Sistemas Autônomos brasileiros. O NIC.br também participa de projetos internacionais de medição de qualidade, como é o caso do projeto TTM, do RIPE (Registro Regional Europeu), através do qual é possível averiguar a qualidade da conectividade internacional das principais operadoras brasileiras. É também o caso do SIMON, sistema de monitoração latino-americano e caribenho, que permite averiguar a qualidade da interconexão das redes na região.

Na área de formação de mão de obra e disseminação de conhecimento o projeto mais relevante é o de disseminação de IPv6 - http://ipv6.br. Atualmente são oferecidos cursos em formato e-learning e presencial, ambos gratuitos, além de palestras nos principais eventos da área, e outras atividades. Por fim, as atividades relacionadas ao estudo da Web tem por objetivo ampliar o entendimento de como a rede de sítios “.br” se comporta e principalmente averiguar a adesão aos diversos padrões abertos relevantes para a área. Saiba mais sobre o CEPTRO em http://ceptro.br.

O NIC.br abriga ainda o escritório brasileiro do W3C - World Wide Web Consourtium, que é a entidade responsável pelos padrões Web. Esse escritório tem por objetivo fomentar o uso dos padrões pelos quais a entidade é responsável, como HTML, CSS e padrões de acessibilidade WCAG. Tem também o objetivo de trazer empresas e instituições brasileiras para dentro do processo de evolução desses padrões, e desenvolvimento de novos.

Concluindo

Esse texto não tem o objetivo de ser exaustivo. Há outras ativdades desenvolvidas pelo CGI e pelo NIC.br, como por exemplo a revista acadêmica JISA - Journal of Internet Services and Aplications, o apoio ou realização de diversos eventos, entre outras. Vale uma vez mais ressaltar que essas entidades são vistas como um modelo pioneiro e de sucesso por seus pares fora do país, tanto por constituírem um exemplo de modelo de governança multisetorial, com a representação direta de diversos setores da sociedade e do governo, como pelo seu modelo de auto-financiamento, onde os recursos da gestão dos nomes de domínio “.br” são aplicados exclusivamente em benefício do contínuo desenvolvimento da Internet no Brasil.

Agora, que você já sabe de tudo isso. Você já tem um “.br” para chamar de seu?

Recursos

Sobre o Autor

Antonio M. Moreiras é engenheiro eletricista (1999) e mestre em engenharia (2004) pela POLI/USP, com MBA em pela UFRJ (2008) e especializações em Governança da Internet pela Diplo Foundation (2009) e South School of Internet Governance (2010). Trabalha atualmente no NIC.br, braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil, onde coordena o IPv6.br, uma iniciativa para a disseminação do IPv6 no país. É responsável ainda por outros projetos, relacionados à infraestrutura da Internet no Brasil e seu desenvolvimento, como a disponibilização gratuita da Hora Legal Brasileira na rede, a realização de estudos sobre a Web e o Zappiens.br, um portal para a divulgação de conteúdos de vídeo de qualidade em língua portuguesa.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v04n03/39.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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