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EDIÇÃO ATUAL - Dezembro 2008


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Fazendo Doutorado nos Estados Unidos

Vale à pena? Precisa de mestrado? Bolsa brasileira? E a vida nos EUA como é?

    Estudar no exterior é uma oportunidade única que permite ampliar os horizontes e obter novas perspectivas em relação à pesquisa e à indústria, além de ser uma experiência de vida importante. Este artigo descreve as experiências dos autores e apresenta dicas pra quem planeja fazer doutorado no exterior, mais especificamente nos Estados Unidos.

Doutorado no exterior: Vale à pena?

Há quem diga que diante da Internet, da disponibilidade de artigos e jornais on-line, bem como disponibilidade de compra de livros editados em qualquer lugar do mundo, fazer doutorado no exterior tornou-se desnecessário. O doutorado, contudo, é mais do que o tópico de sua dissertação. As oportunidades de estágio em grandes laboratórios de pesquisa, participação em conferências internacionais de renome, interação com alunos de diversas nacionalidades e oportunidade de conhecer e interagir com pesquisadores muitas vezes famosos na sua área de pesquisa são as principais diferenças de um doutorado no exterior.

Há diferenças no estilo de orientação entre Brasil e Estados Unidos?

Mais importante do que escolher uma boa universidade no exterior, é escolher o orientador com o qual o aluno vai trabalhar. Professores mais novos, durante o período de tenure track (emprego condicional ou período probatório) estão em plena ascensão em sua área de pesquisa e tendem a acompanhar mais de perto a pesquisa dos alunos. A pressão de publicações, contudo, é maior. Professores mais sêniores, principalmente após alcançarem tenure (ou estabilidade no emprego), tendem a envolver-se mais com comitês e outras atividades administrativas, tendo menos tempo para atividades de pesquisa, o que pode deixar os alunos com menos assistência em seus projetos de pesquisa. Além do mais, a cultura brasileira é bem diferente da cultura americana e de outros países. Os professores no Brasil são geralmente mais solícitos e abertos, e o relacionamento aluno-orientador torna-se mais pessoal. Portanto, não espere suporte parecido com o que se tem no Brasil no exterior.

Ser mestre ou não ser mestre? Eis a questão.

Ao contrário do que muita gente pensa, para ser aceito como estudante de doutorado nos Estados Unidos não é necessário ter o título de mestre. De fato, a maioria dos alunos ingressantes nestes cursos vem direto da graduação. Nos Estados Unidos o programa pode durar entre cinco e seis anos, e os alunos cursam disciplinas nos primeiros dois anos do curso. Dependendo da universidade e do número de alunos, estas disciplinas são oferecidas para alunos de mestrado e doutorado, em conjunto. Muitos programas dos Estados Unidos concedem o título de mestre aos alunos de doutorado que completam as disciplinas e são aprovados na prova de qualificação ao final deste período.

Entretanto, há certas vantagens de se ter um título de mestre. Com um título de mestre é possível pedir dispensa das disciplinas e iniciar os estudos do doutorado já a partir do primeiro ano. Por exemplo, em comparação ao aluno que começou o programa diretamente da graduação, um aluno que já fez um mestrado, escreveu artigos e uma tese, com certeza terá maior facilidade de atingir melhor desempenho mais cedo durante o programa de doutorado. Em outras palavras, alunos com mestrado já começam o programa de doutorado com uma bagagem de pesquisa que os ajudará. No exterior, mais do que no Brasil, esta bagagem se mostra imprescindível no caso do orientador ser hands-off. Um orientador hands-off deixa que o aluno ache o próprio caminho de pesquisa e não influencia na escolha do tópico de pesquisa do aluno (não ajuda, e caso o aluno tenha sorte, não atrapalha!). Por outro lado, um orientador hands-on busca realmente guiar o aluno, às vezes influenciando mais do que o aluno deseja (ou necessita). Infelizmente, para descobrir o perfil do orientador, é preciso ter um maior contato com ele ou ela. Outra vantagem de se ter mestrado é a possibilidade de conseguir financiamento de instituições no Brasil como o CNPq e a CAPES.

Doutorado no exterior sem bolsa de instituições brasileiras: sim, é possível

O custo de cursar uma universidade pública nos Estados Unidos é em torno de 40 mil dólares anuais (incluindo tuition e fees). Tuition é a cobrança de matrícula propriamente dita (tuition pode significar ensino em inglês) e fees são outras taxas (por exemplo, taxa de laboratório). Este custo pode ser pago através de bolsas de ensino (Teaching Assistantship) e de pesquisa (Research Assistantship), concedidas aos alunos pelas universidades (bolsa de ensino), ou por projetos de pesquisa que seu orientador possua (bolsa de pesquisa). Estas bolsas incluem um salário mensal (stipend) que na Califórnia, atualmente, varia entre 1100 a 1400 dólares. Bolsas de ensino requerem que o aluno exerça funções de auxílio a ensino em diferentes disciplinas da graduação, no modelo brasileiro, isto se chama monitoria (o aluno exerce atividades como corrigir projetos e/ou provas, liderar discussões e tirar dúvidas). Por outro lado, bolsas de pesquisa requerem que o aluno trabalhe em projetos de pesquisa dos professores. Existem ainda casos em que a própria universidade se compromete com o custeio do aluno através de bolsa de ensino por um ano, às vezes durante todo o curso nas universidades mais concorridas. Neste período, o aluno deverá se engajar em projetos de pesquisa e achar um orientador, cujo financiamento custeará os anos restantes do programa de doutorado através de bolsas de pesquisa.

A obtenção destes tipos de auxílio, contudo, depende da disponibilidade de recursos da universidade e dos professores. Nem sempre o aluno tem a sorte de iniciar o programa de doutorado com a garantia total de que terá ajuda de custo durante todo o programa. Geralmente, só tem esta regalia quem tem financiamento diretamente de instituições de seu país de origem. Para quem tem família, como é o caso de vários alunos brasileiros no exterior, a bolsa de instituição brasileira ajuda bastante, haja vista os custos elevados de vida nos Estados Unidos. É possível, desta forma, combinar as bolsas do país de origem (como as concedidas pelo CNPq e CAPES) com as de pesquisa ou ensino obtidas no exterior. Finalmente, professores tendem a aceitar mais facilmente alunos que tenham algum financiamento externo já que isto lhe permite uma economia de gastos com tuition e fees. Geralmente, quando a universidade envia a carta aceitando o aluno para o doutorado, ela oferece (ou não) a bolsa de ensino, ou pesquisa (do orientador ou da própria universidade).

O papel do Q.I. (Quem Indique) no processo de seleção para doutorado

O processo de seleção para o doutorado requer uma série de documentos e testes importantes. Em particular, a descrição de projeto de pesquisa (statement of purpose), prova de Inglês (TOEFL e TSE), GRE (no caso dos Estados Unidos), histórico escolar e currículo (com possíveis publicações). Em uma rápida visita a diferentes websites de universidades é possível obter a lista de documentos necessários. Muitas vezes as universidades disponibilizam as pontuações mínimas no GRE e TOEFL/TSE esperadas para que os alunos sejam aceitos. Obviamente, um aluno que obtém excelentes notas nestes exames já estabelece um diferencial em relação aos outros. Sem dúvida, a média geral também influencia na aceitação do aluno. Contudo, dentre os documentos necessários, cartas de recomendação, um bom projeto de pesquisa e contato prévio com professores da universidade são muito importantes. Eles ajudam na diferenciação do candidato dentre o grande volume de inscritos. Como nas melhores universidades a taxa de aceitação de alunos é em torno de 4%, nem sempre os professores conseguem avaliar todas as submissões com a atenção devida. Por isso, um contato prévio com os professores, seja via e-mail ou mesmo pessoalmente, também estabelece um diferencial para o aluno. Este contato prévio com os professores é ainda mais importante quando o aluno está pleiteando uma bolsa da própria universidade americana.

Outro diferencial importante no processo de seleção é a experiência prévia do candidato em atividades de pesquisa. Iniciação científica, mestrado e/ou publicações em conferências contam bastante neste processo.

Outra forma de se sobressair no processo de seleção é conversar com professores brasileiros que mantêm contato com pesquisadores no exterior e possam indicar possíveis orientadores nestas universidades. Lembre-se que a maioria dos professores das universidades no Brasil fez doutorado, freqüentou conferências internacionais e tem contato com acadêmicos. Este Q.I. também conta.

Escolhendo a(s) universidade(s) onde inscrever-se

Normalmente os alunos americanos estão acostumados a inscrever-se no processo de seleção em várias universidades. Como o processo de seleção para ingresso nos cursos de graduação envolve uma prova nacional (SAT), os alunos podem se inscrever em várias universidades espalhadas pelo país. Esse costume também existe para cursos de doutorado. Pode-se enviar quantas submissões se deseje, para diferentes universidades. Há quem diga que o número mágico é dez. Contudo, como a qualidade do curso e do inscrito é mais importante que o volume de aplicações, é mais importante focar em grupos de pesquisa e instituições onde o candidato tenha contato prévio e cujo foco de pesquisa seja mais apropriado ao perfil do candidato.

The book is on the table

Toda mudança exige um processo de adaptação. Seja ela do jardim da infância para escola, da escola para graduação e assim sucessivamente. Para o aluno que não fez iniciação científica, a mudança entre a graduação e o mestrado é grande. Tal mudança é bem mais difícil quando feita não somente da graduação para o mestrado, mas ainda para mestrado (ou doutorado) num idioma e país diferentes! Portanto, é muito importante se informar da cultura e estar muito bem afiado com o idioma antes de ir fazer pós-graduação nos Estados Unidos (ou outro país).

Vida em uma universidade americana

Os filmes americanos não mentem quando mostram as residências estudantis dos alunos. É importante lembrar que estes são alunos de graduação. As universidades americanas também oferecem residências para alunos de doutorado. Muitas vezes a residência dentro do campus (on-campus) é subsidiada e em lugares caros de morar, essa residência é bastante concorrida. Em muitas universidades, recomenda-se que o aluno preencha uma aplicação requerendo vaga na residência da universidade na mesma época que candidata-se a vaga no doutorado. Assim, caso seja aceito, o aluno já está à espera da vaga da residência. Muitas vezes a espera é longa. Por incrível que pareça, um fator que conta muito na decisão de onde fazer o doutorado é o custo da moradia. Ir para cidades grandes como, por exemplo, Los Angeles e Nova Iorque, ou cidades pequenas e caras como, por exemplo, Santa Bárbara ou Irvine na Califórnia, pode ser bastante oneroso no orçamento do aluno. Entretanto, normalmente para quem vive on-campus, o salário (stipend) é suficiente para pagar aluguel e as necessidades básicas do aluno.

Recursos

Phil Agre, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tem um extenso artigo sobre o processo de seleção para o doutorado disponível aqui

O website do Jim Whitehead, um professor da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, tem uma boa discussão sobre o custo dos alunos estrangeiros para a universidade e para os professores e como isso pode influenciar na aceitação de estudantes estrangeiros aqui

O website da US News, uma revista semanal americana, há um ranking dos melhores programas de pós-graduação dos Estados Unidos aqui. É importante, contudo, considerar o departamento na área de pesquisa de interesse, e não somente o ranking da universidade.

Caso esteja interessado em se inscrever para o doutorado nos EUA, confira este vídeo sobre o processo de seleção para a pós-graduação americana. O vídeo oferece dicas sobre o processo de admissão, mestrado versus doutorado, o que os melhores programas estão procurando, como aumentar as chances de ser admitido entre outras coisas.

Sobre os autores


    Leila Naslavsky é aluna de doutorado na Universidade da Califórnia, Irvine (UCI). Possui mestrado em Ciência da Computação pela Universidade da Califórnia em Irvine, e graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

    Roberto Silva Filho é aluno de doutorado na Universidade da California, Irvine (UCI) e possui mestrado em Ciência da Computação na UNICAMP, e bacharelado em Engenharia de Computação na UNICAMP.



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