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E AGORA, JOSÉ?

EDIÇÃO AGOSTO 2009

Da Graduação "Privada" ao Doutorado

Como instituições de ensino superior particulares estimulam e/ou deveriam preparar seus alunos para uma Carreira Acadêmica

Uma triste realidade na maioria das milhares de instituições de ensino superior privadas espalhadas pelo Brasil é a falta de estímulo ou preparação dos seus discentes para um bom programa de pós-graduação (mestrado ou doutorado). É comum notar recém formados despendendo muito tempo “melhorando currículo” para conseguir entrar nesses programas e iniciar a carreira acadêmica. Neste artigo, abordamos pontos importantes tanto para as instituições privadas quanto para os graduandos destas que desejam ingressarem em bons programas de mestrado ou doutorado. Também diferenciamos e definimos as diversas formas de pós-graduação existentes, contribuindo assim com informações relevantes que ajudarão e facilitarão o ingresso nos programas de pós-graduação do Brasil.

Antes de iniciar com o artigo propriamente dito, é preciso esclarecer o uso da palavra “privada” no seu título. Ela refere-se às Instituições de Ensino Superior (IES) que, além de particulares, não possuem ensino de pós-graduação (ou mesmo de graduação) com qualidade comprovada. Além disso, somos ex-alunos e atuais professores de instituições privadas distintas, possuindo diversos colegas de profissão estudando ou lecionando em outras tantas. Acreditamos ter bastante subsídio para tratar do assunto e, logicamente, baseamos nossas opiniões em experiências próprias e em longas conversas fervorosas com inúmeros colegas pesquisadores, professores e alunos, tanto oriundos de instituições privadas quanto de instituições públicas de ensino.

O número de Faculdades Privadas (FP) espalhadas pelo Brasil tem crescido de maneira bastante desordenada. É fácil encontrar em uma única cidade, relativamente pequena se comparada às grandes metrópoles, dezenas delas. Isso sem contar com as faculdades “representativas”, aquelas que utilizam o espaço de alguma outra instituição, sendo esta apenas uma representante da real faculdade, localizada muitas vezes em outros estados da federação. Apesar de alguns dos melhores programas de mestrado e doutorado pertencerem a IES privadas (por exemplo, a PUC-Rio), o mesmo não se pode dizer da grande maioria dessas faculdades.

Faculdade privada é um problema então?

O problema não está na quantidade de FP, e sim, na qualidade delas. Graduações em 2 anos são promessas de muitas e, ainda, com aulas somente aos sábados e às vezes aos domingos também. De maneira geral, é passível desconfiar de tal método de ensino. É preciso muito cuidado antes de escolher uma FP: verificar a matriz curricular do curso pretendido, o real reconhecimento por parte dos órgãos responsáveis tal como o MEC (Ministério da Educação e Cultura), conhecer as instalações físicas, conversar com alunos da instituição e curso, enfim, escolher uma faculdade que atenda às necessidades atuais de mercado e academia.

Dentre o universo das FPs, muitas não têm o mínimo de qualidade exigido, com exceções. Para fins de argüição, digamos que 10% dessas faculdades realmente possuam um grande diferencial em seu corpo docente e administrativo, além das instalações físicas oferecidas, tornando a mesma “instituição sem fins lucrativos”, porém com altos índices de lucratividade, um referencial na sociedade à sua volta. Note que não podemos indicar que uma FP tem mais qualidade que outra simplesmente pelo tamanho de suas instalações. É preciso também verificar qual o “tamanho da qualidade” dos seus docentes, do acervo das bibliotecas, da produtividade científica, do impacto representado perante a sociedade como instituição de ensino, enfim, é preciso verificar diversos fatores de suma importância para a definição de “faculdade de qualidade”.

O que é pós-graduação?

Muitos dos alunos de graduação não sabem ou possuem dúvidas sobre o que seja uma pós-graduação, ou simplesmente “pós”. Em sua concepção entendem “pós” como sendo as especializações e os MBAs (Master Business Administration), sendo o mestrado e o doutorado vistos com outros olhos, normalmente apenas como “o meio para ser professor”. A maioria dos alunos entende que pós-graduação é uma coisa, e mestrado e doutorado outra.

Como o próprio nome diz, pós-graduação é tudo aquilo estudado após a finalização dos estudos da graduação, ou seja, especializações em alguma área de conhecimento, MBA, mestrados e doutorados. Há ainda, um conceito pouco entendido, e muitas vezes ignorado, entre os alunos de graduação a respeito das pós-graduações. O Lato Sensu e o Stricto Sensu.

Lato Sensu significa “em sentido amplo, extenso”. Normalmente os cursos de especialização e MBA estão incluídos nessa categoria. São cursos não avaliados pelo MEC e pela CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, tendo sido concebidos principalmente para quem irá exercer outras atividades simultaneamente. Stricto Sensu significa “em sentido restrito, estrito”. Normalmente os cursos de mestrado e doutorado estão incluídos nessa segunda categoria. São cursos reconhecidos pelo MEC e classificados pela CAPES, com foco acadêmico e ênfase nas atividades de ensino e pesquisa. Devido à alta carga de trabalho, costumam exigir dedicação exclusiva. Recentemente, o MEC através da Portaria Normativa nº 7, de 22 de junho de 2009, alterou o mestrado profissional, outra modalidade de “pós”, para modalidade de formação pós-graduada Stricto Sensu.

Os programas de especialização e MBA possuem duração média de 15 meses. Na maioria das vezes, tratam da ampliação e utilização de métodos e técnicas, sem novas abordagens, ou seja, “aplicam teorias existentes em problemas novos”. Mesmo em instituições públicas, esses programas não são gratuitos. O mestrado profissional tem a mesma duração de um mestrado acadêmico, em média 2 anos, e tem aplicação similar aos programas de especialização e MBA, porém, normalmente aborda problemas específicos de uma determinada área, muitas vezes de interesse de determinada empresa. Seguem a mesma linha dos programas anteriores, ou seja, também não são gratuitos.

No mestrado acadêmico, os alunos são incentivados a resolver problemas com novos métodos e técnicas. Normalmente seguem a linha de pesquisa em que estão envolvidos os professores orientadores de cada aluno. Finalmente, o doutorado possui em média a duração de 4 anos e o tema a ser defendido necessariamente deve ser inovador, buscando a formulação de problemas inéditos, ou seja, um novo conhecimento. Para se fazer um doutorado não é necessário ter o título de Mestre, porém, alunos com tal título possuem maiores chances de serem selecionados se comparados aos que não o possuem. Existem ainda os programas de pós-doutorado (pós-doc), normalmente com duração de 1 ano, onde o pesquisador doutor tem a possibilidade de especializar-se ou estagiar em determinada área de conhecimento, proporcionando um nível de excelência nesta área. No Brasil, o mestrado e doutorado acadêmico realizados em instituições públicas são gratuitos.

É preciso desmistificar algumas opiniões a cerca dos profissionais que buscam o título de Mestre ou Doutor. Ao contrário do que muitos pensam, grande parte dos alunos desses programas possivelmente não seguirá a carreira acadêmica, principalmente os mestrandos ou mestres. Entretanto, no caso dos doutorandos, a maioria poderá querer seguir carreira acadêmica, tendo em vista que aqui no Brasil poucas empresas privadas contratam doutores para trabalharem, mesmo sendo para a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que não deveria acontecer.

Qual o incentivo das faculdades privadas para as pós-graduações existentes?

Sabe-se que muitas FP não estimulam e nem incentivam seus alunos à questão do que fazer após o fim da graduação. Portanto, acreditamos ser o mais correto informar as principais atividades a serem realizadas, centrada no seu papel como instrumento de preparação e construção dos futuros profissionais.

Essas atividades envolvem, principalmente, a conscientização de todo o corpo docente e discente com relação à integração do conhecimento. Isso se refere à transmissão do conhecimento quanto ao mercado de trabalho e as oportunidades com o desenvolvimento de ideias. Não se pode limitar o mercado de trabalho apenas às empresas que contratam analistas, programadores, gerentes e outros. É importante lembrar que existem instituições de ensino e pesquisa carentes de bons profissionais. E esses profissionais virão de bons programas de pós-graduação.

Ainda assim, é necessário criar formas de desenvolvimento do senso crítico, do que seria melhor para seus alunos. Essas formas de desenvolvimento podem ser traduzidas em: incubadoras de empresas júnior, cursos de extensão, grupos de estudos, células acadêmicas, grupos PET (Programa de Educação Tutorial), projetos de pesquisa e iniciação científica. Em uma rápida análise em cada um desses itens, é possível vislumbrar todas as competências a que um futuro profissional graduado estará exposto, podendo assim escolher o que melhor lhe convém, sem dúvidas, sem medos, de maneira clara e objetiva.

Como ingressar em um curso de pós-graduação de qualidade?

Então, o que fazer para ingressar no mestrado ou doutorado e seguir a carreira acadêmica? Cada programa de pós-graduação das diversas instituições possui formas próprias para avaliação e seleção. Podem-se destacar a análise de currículo (profissional e acadêmico), provas internas de conhecimentos específicos e de línguas estrangeiras (normalmente o inglês), cartas de recomendação de professores que tiveram alguma vivência acadêmica durante sua graduação, a prova do POSCOMP (Exame Nacional para Ingresso na Pós-Graduação em Computação), mini-aulas, entrevistas etc.

A primeira providência é escolher as instituições e organizá-las por ordem de preferência, buscando inteirar-se principalmente sobre como funcionam seus processos seletivos e documentações necessárias. Observe com muito cuidado o fator geográfico. É preciso estar bem decidido, e bem organizado, para o fato de ter que locomover-se para outra cidade ou estado ou país. A CAPES possui uma lista com os melhores programas de mestrado e doutorado do Brasil, utilizando-se de conceitos para definir e diferenciar entre os diversos programas, conhecido como “conceito CAPES” (http://www.capes.gov.br/avaliacao/avaliacao-da-pos-graduacao).

Feito isso, lista-se as exigências de cada programa e providencia-se toda a documentação. De certa maneira, essa é a parte mais fácil. A parte mais difícil, logicamente, é conseguir alguns dos itens mais observados durante as seleções. Nesses itens, podemos destacar e elencar como os mais importantes: CRE (Coeficiente de Rendimento Escolar), as atividades acadêmicas produzidas durante a graduação (monitoria, cursos de extensão, grupos PET, projeto de pesquisa e iniciação científica), experiência profissional, cartas de recomendação e, o mais importante, publicações científicas em congressos e em periódicos (Revistas) nacionais e internacionais.

Em princípio, quanto mais publicações em eventos e periódicos de qualidade reconhecida, maiores são as chances de entrar no programa pretendido (o que não quer dizer que o candidato sem publicações não tenha chance). A CAPES também qualifica os eventos e periódicos nacionais e internacionais existentes, atribuindo níveis denominados QUALIS, enquadrados em oito estratos indicativos da qualidade (A1, A2, B1 a B5 e C, sendo A1 é o de maior nível). Quanto maior o nível do evento, mais qualidade ele possui (http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis). Programas de doutorado normalmente adicionam uma carta de aceite de orientação por parte de um professor da instituição e um plano de doutorado à documentação necessária.

Muitas instituições provedoras de pós-graduação possuem o incentivo das bolsas de estudo para os melhores alunos selecionados. Porém, existem outras maneiras de consegui-las, como pelos programas de incentivo de agências de fomento (CAPES e CNPQ), pelas fundações de amparo às pesquisas de cada estado (em Pernambuco, por exemplo, é a FACEPE), programas do Governo Federal (REUNI - Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), projetos de Empresas (Motorola, Epson, Samsung etc) e outros programas da própria instituição. Os valores variam entre R$1.000,00 e R$2.000,00 para o mestrado, R$1.500,00 e R$3.000,00 para o doutorado. Essas bolsas são para os alunos com dedicação exclusiva (DE), ou seja, totalmente centrados nas pesquisas do mestrado ou doutorado.

É importante ressaltar que devido à alta carga de trabalho exigido nesses programas, muitos requerem dedicação exclusiva do aluno, podendo isso ser um fator crucial durante a seleção. Para os candidatos que pretendem desenvolver alguma outra atividade (principalmente trabalhos remunerados), é aconselhável observar a questão da disponibilidade de horário, da liberação da empresa para assistir às aulas (praticamente todos os programas de pós-graduação são diurnos) e, principalmente, da possibilidade de não conseguir acompanhar ou desempenhar bem as tarefas do mestrado ou doutorado.

Como conseguir alguns dos principais itens observados nas seleções?

Se a sua faculdade não possui programas de incentivo às principais atividades acadêmicas já citadas neste artigo, e a possibilidade de mudar de instituição é de certa forma remota, procure conseguir por outros meios. Procure por projetos de pesquisa em outras instituições, verificando a possibilidade da sua participação. Nas Instituições Federais pode ser mais fácil encontrá-los. Projetos de pesquisa são boas fontes de publicações. Defina áreas pelas quais possui maior afinidade, procure por eventos relacionados a essa área, leia o que já foi publicado, principalmente pelos trabalhos futuros. São excelentes fontes de ideia para novas publicações. Submeta seus trabalhos e aprenda com o feedback dos revisores. Seu esforço será recompensado. Não tenha dúvidas disso.

Concluindo

Esperamos com esse texto contribuir no sentido de ter esclarecido como procurar e avaliar a qualidade das instituições, pois, obviamente, existem muitas instituições de ensino superior particulares no Brasil de qualidade reconhecida. Com isso, possibilitar exigir e usufruir dos benefícios a que tem direito, além de ajudar na escolha dos melhores programas de pós-graduação e como ir se preparando para suas seleções.

Logicamente um mestrado ou um doutorado não resolverá todos os seus problemas ou os do mundo. É necessário ter boas informações a respeito de tudo à sua volta, de maneira a edificar solidamente os pilares de sustentação do seu ideal de vida. Existem diversos caminhos a serem seguidos e só você sabe por quais caminhos trilhar. Esperamos ter colaborado com boa parte dessas informações, porém, não se atenha apenas a esse artigo. Procure conhecer melhor cada programa de pós, as ofertas, a aceitação, benefícios, salários, enfim, tudo que possa esclarecer ainda mais sobre esse assunto. Tenha em mente que, profissionais com mestrado ou doutorado são, sem dúvidas, um alto diferencial de destaque no mercado de trabalho.

Recursos

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FACEPE - Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco

MEC - Ministério da Educação e Cultura

SBC - Sociedade Brasileira de Computação

UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

Sobre os Autores

FOTO Eric Rommel é aluno do mestrado do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn-UFPE) na área de Inteligência Artificial. Possui a graduação em Ciências da Computação pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Pesquisador dos grupos ORCAS (Objects, Rules, Constraints and Components for Agents and Simulations) e SWORD (Semantic Web and Ontology Research and Development Group), ambos do CIn-UFPE. Tem experiência na área de Ciência da Computação com ênfase em Inteligência Artificial e Engenharia de Software, nas subáreas de Representação do Conhecimento, Raciocínio Automático, Sistemas Multiagentes, Engenharia de Software Orientada a Agentes e Engenharia de Testes.
Ryan Ribeiro de Azevedo é mestre e pesquisador em Ciência da Computação (Inteligência Artificial) pela Universidade Federal de Pernambuco (CIn-UFPE). Pesquisador dos grupos SWORD (Semantic Web and Ontology Research and Development Group) do CIn-UFPE e do WRCO (Web, Representação do Conhecimento e Ontologias) do DCI-UFPB. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Inteligência Artificial, Segurança Computacional e Engenharia de Software. Atuando também nos seguintes temas: Computação Autonômica, Ontologias, Web Semântica, Representação do Conhecimento, Raciocínio Automático, Sistemas Multiagentes e Engenharia de Software Orientada a Agentes.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

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