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EDIÇÃO AGOSTO 2009

O que pode ser chamado de empreendedorismo?

A palavra é conhecida, mas será que é compreendida realmente por aqueles que utilizam?

Este texto busca apresentar ao leitor uma visão empreendedora sobre um assunto e uma área que nos últimos anos ganhou força no cenário nacional. Empreender, o que realmente isto quer dizer. Como poderia saber se sou uma pessoa com características empreendedoras e no que isto pode realmente ajudar a mim e a minha carreira. Será que ser empreendedor no Brasil é positivo? Será que existe algum tipo de reconhecimento pessoal ou financeiro para aqueles que se arriscam a realizar ações e atividades que tenham um alto grau de incerteza de dar certo?

Quando se está no inicio de uma carreira profissional é normal a falta de conhecimento de quais caminhos deveriam ser trilhados. Qual melhor empresa para se trabalhar? Que tipo de trabalho eu quero fazer? Aonde eu quero chegar com minha carreira? Trabalhar no Brasil ou no Exterior? Trabalhar perto da família ou do(a) namorado(a)? Trabalhar em uma pequena empresa ou em uma grande empresa? Enfim, várias questões que norteiam a cabeça do jovem. Para muitas dessas questões, as respostas são semelhantes, seguem um padrão social pré-estabelecido. Basicamente é, “faça o que te deixa mais feliz!”.

Acredito que é nesse ponto que começa uma confusão que pode se seguir até o final da carreira profissional e pessoal do indivíduo. Se for para ser feliz, então não vou correr riscos, pois a derrota ou um erro exposto me traz infelicidade. Diante disso, o melhor é ficar na zona de conforto, pois não vou sofrer com a derrota ou com a rejeição. Vencer é bom, mas como eu não sei se vou ganhar, então é melhor não jogar. Deve ser por isto que eu não gosto de esportes ou qualquer outra atividade que requeira o meu esforço pessoal e intelectual, e que tenha chance de ser reprovado, derrotado ou coisa parecida.

Seguindo esse raciocínio, provavelmente eu não deva fazer a prova de Cálculo Numérico, ou aquela de Engenharia de Software. Pode ser que eu tire nota baixa e fique angustiado ou os meus amigos vão perceber que não sou bom aluno. Mas se eu não for fazer a prova, vou ser reprovado na matéria e terei que refazer a disciplina novamente. Pensando um pouco mais, por outro lado, se eu tirar uma nota alta, posso ser reconhecido pelo professor como um bom aluno, conseguir algumas portas abertas na faculdade; e quem sabe uma iniciação científica ou indicação para estagiar em alguma empresa. É a glória! O ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt comentou uma certa vez que “É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta, que não conhece vitória nem derrota”.

A questão é por que eu me arrisco todo semestre fazendo provas de disciplinas que eu nem mesmo sabia que existia (o novo), tendo consciência que posso ser aprovado ou reprovado. Entendendo, inclusive, que a reprovação causa dor e tristeza e isto pode me desmotivar. Será que é porque eu sou jovem em fase de estudo e a sociedade (pais, professores, amigos, “sogra”) a minha volta sabe dessa situação e a cobrança não é tão ríspida ou rigorosa? E por que isto muda quando eu me graduo e tenho que escolher rapidamente uma carreira e tentar dar certo profissionalmente para ser reconhecido pela sociedade. E se eu estou me formando mestre ou doutor? A cobrança é maior de acordo com a titulação? O que muda dentro do jovem quando um dia antes ele tem a chance de errar e trabalhar a incerteza e, depois de formado, já tem que saber tudo e não tem a chance de arriscar. Pode ser que a decisão tomada dê errado, mas se deu errado, não posso refazer novamente e tentar outro caminho com a experiência do erro, seguindo a mesma lógica usada quando se reprova em uma disciplina e o aluno a faz novamente.

Empreender serve para que mesmo?

Em linhas gerais, empreendedorismo designa os estudos relativos ao empreendedor, seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades, seu universo de atuação. E empreendedor é o termo utilizado para qualificar, ou especificar, principalmente, aquele indivíduo que detém uma forma especial, inovadora, de se dedicar às atividades de organização, administração, execução; principalmente na geração de riquezas, na transformação de conhecimentos e bens em novos produtos – mercadorias ou serviços; gerando um novo método com o seu próprio conhecimento. É o profissional inovador que modifica, com sua forma de agir, qualquer área do conhecimento humano. Também é utilizado – no cenário econômico – para designar o fundador de uma empresa ou entidade, aquele que construiu tudo a duras custas, criando o que ainda não existia (definição encontrada no Wikipédia em português, 12/08/2009).

Na prática, ser empreendedor é realizar uma atividade quando existem chances reais de não dar certo. A história demonstra que se não fosse o empreendedorismo de pessoas comprometidas com seus ideais, não existiriam no Brasil exemplos de empresas com a Embraer e a Petrobrás. Não existiria metade das universidades federais no País ou centros de pesquisas como a Embrapa ou órgãos de fomento como o CNPq. É interessante observar que correr riscos requer que a pessoa tenha que ter estudo maior, um planejamento, compreender aspectos que ele ainda não domina, sair da sua rotina de trabalho e atividades corriqueiras para compreender e absorver informações que hoje ele não tem.

Alguns anos atrás, particularmente, eu entendia que as pessoas mais empreendedoras do Brasil, eram os doutores (PhDs) pois eles arriscavam sua carreira profissional em pesquisas que tinham grandes chances de não dar certo. Era a busca da inovação e do ineditismo do qual não se tinha a certeza que se chegaria a um resultado adequado que pudesse gerar uma defesa de tese. Entendi que os doutores eram os mais empreendedores, contudo o convívio dos anos me esclareceu que não era bem assim. Ao compreender determinadas características da natureza humana, observei que o empreendedorismo ou, melhor dizendo, a capacidade de correr riscos, estava presente em pessoas que tinham menos estudo formal. Boa parte dessas pessoas não possuía uma graduação ou curso técnico. Muitas montaram seus próprios negócios (comércio ou indústria) para ganhar seus rendimentos financeiros. Pode ser que por isto exista a certa confusão de que o empreendedor é aquele que cria a sua própria empresa, enfim o empresário. É importante deixar claro, que nem todo empresário é empreendedor. Muitas vezes, ele recebe de herança esse “fardo” do pai ou de algum familiar. E por não querer sair da sua zona de conforto, perpetua essa situação.

Com relação ao empreendedor com baixo estudo formal, será que por ele não ter nada a perder ou vergonha de uma derrota, tenha o motivado a alcançar algo que, à primeira vista, parecia impossível. E nós que temos o estudo técnico, temos medo de arriscar, pois se tivermos um insucesso, isto vai envergonhar a nós mesmos e nossos entes queridos. Então quer dizer que quanto mais estudamos, menos chances temos de errar, e isto nos inibe de sair da zona de conforto?

Concluindo

Empreender é sair da sua zona de conforto. É realizar algo que realmente não se tem todas as respostas ou, mesmo, alguém ou algo para indicar o melhor caminho. Muitas vezes é um passo no vazio, na incerteza se vai dar certo ou errado. Enfim, se expor ao erro. Pessoas que conseguem um equilíbrio e um aprendizado em situações como essas, são verdadeiramente empreendedoras. Geralmente, esse tipo de situação ou vivência não se aprende trabalhando em grandes empresas ou órgãos públicos, onde as incertezas são, por definição, menores ou onde se faz o possível para que assim sejam.

O aprendizado conquistado com a própria experiência pessoal não tem preço. Não se trata de técnicas de computação, administração ou vendas; trata-se das emoções com que aprendemos a lidar quando deparamos com situações criticas e adversas, seja no relacionamento com pessoas ou clientes, ou quando atuamos no mercado e contra os concorrentes. A maioria das faculdades e MBAs esquecem de trabalhar o desenvolvimento emocional dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho. Focam apenas o aprendizado técnico, que, muitas vezes não responde nem por 50% das características necessárias para se obter sucesso na carreira profissional.

Recursos

Sobre o autor

Antonio Valério Netto é Doutor em computação pelo ICMC/USP. Possui MBA em Marketing pela FUNDACE (FEARP/ USP). É técnico em informática industrial pela ETEP, Bacharel em computação pela UFSCar e mestre em engenharia pela USP. Em 2001 foi pesquisador visitante na Universidade de Indiana (EUA). Trabalhou cinco anos na área de P&D da Opto Eletrônica S.A. e, posteriormente, dois anos como consultor de novas tecnologias da Debis Humaitá do grupo DaimlerChrysler e um ano na T-Systems, empresa do grupo Deutsche Telekom. Em 2003, fundou a Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, empresa focada no desenvolvimento de produtos tecnológicos, da qual é seu principal dirigente. Em 2007, fundou a primeira empresa de robótica móvel inteligente do país, a XBot que em 2009, foi considerando, pelo Sebrae SP, uma das principais empresas inovadoras do Estado de SP. Também é fundador e atual coordenador titular do Núcleo de Jovens Empreendedores do CIESP/FIESP de São Carlos e região. Autor do primeiro livro de gestão de pequenas e médias empresas de base tecnológica do País em parceria com o Sebrae Nacional em 2006. Possui em torno de 75 publicações entre livros, capítulos de livros, revistas e congressos internacionais e nacionais nas áreas de computação e engenharia. Possui uma patente. Recebeu diversos prêmios e menções honrosas, como a do SAE Brasil 2001 e de melhor aluno do MBA em Marketing da FUNDACE em 2006. Em 2008, foi finalista do prêmio Empreendedor de Sucesso promovido pela revista PEGN/Globo e FGV.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v02n02/36.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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