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PERFIL

EDIÇÃO AGOSTO 2009

Entrevista com Vint Cerf

Por Mirella M. Moro, UFMG

Vint Cerf é um dos criadores do protocolo TCP/IP e mais conhecido como o “pai da Internet”. Atualmente, é vice-presidente da Google e Chief Internet Evangelist. Em maio, esteve visitando o Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, a convite do professor Berthier Ribeiro Neto, professor do DCC e vice-presidente de Engenharia da Google América Latina. Na ocasião, concedeu uma entrevista à profa Mirella, editora-chefe da SBC Horizontes. Leia aqui os melhores momentos desta entrevista e veja o que Vint tem a dizer sobre seus interesses atuais, privacidade de dados na Net, a eleição de Obama, os desafios de interface da Google, a internet interplanetária e muito mais.


QUAIS SÃO SEUS INTERESSES ATUAIS SOBRE A INTERNET?

Nossa preocupação na Google e no trabalho que tenho feito por 25 anos é levar mais Internet a todos. Acredito que acesso em banda larga é incrivelmente importante porque possibilita o funcionamento de aplicações que não funcionam na banda tradicional ou conexão dial up. Então, estou muito interessado no como as políticas de regulamentação podem contribuir para o crescimento do acesso a banda larga para Internet. Estou também muito interessado em celulares, pois existe um rápido crescimento dos seus usos para acessar serviços baseados na Internet. Então, fazer com que as aplicações da Google funcionem e prover a infraestrutura que permita vários dispositivos funcionarem na Web é realmente de grande interesse para mim.

Sinto que há muitas aplicações potenciais no escritório e em casa, como os sistemas de entretenimento e segurança, redes de sensores para controle de temperatura, umidade e aparelhos como fornos, geladeiras e televisores… todos eles estarão conectados à rede. Outro exemplo: coisas no seu automóvel. Seu carro pode ser analisado e mecânicos podem utilizar e acessar dados sobre como o carro está funcionando, tornando sua manutenção mais eficaz. Ou, o motorista poderá ser avisado instantaneamente sobre possíveis problemas com seu carro. Desse modo, não interessa onde seu carro vai, ele pode coletar dados sobre sua operação e quando houver uma oportunidade, estes dados podem ser carregados na rede e entregues ao mecânico. Após a análise das informações, você poderia receber um email no estilo “Eu recomendo as seguintes tarefas para fazer no seu carro”.

Nos encontramos num mar de informações e parte delas é muito importante para mim e parte para você. O objetivo então é buscar novas maneiras de fazer melhor uso desta informação para que possamos ajudar você. Para isso que serve informação: para fazer a sua vida mais fácil e efetiva.


E COMO GERENCIAR ESSA QUANTIDADE IMENSA DE DADOS?

Existem muitas ramificações sobre esta pergunta. Uma delas é que tudo o que você coloca na rede, fica na rede e nunca desaparece. Pode ser que algumas coisas que você coloca lá, você não queira que estejam disponíveis mais tarde, porém, pode ser que elas estejam ainda lá. Isto pode surpreender algumas pessoas. Agora, preciso admitir que quando eu não posso encontrar coisas no meu computador, algumas vezes eu sei que estão na rede em algum lugar. Então eu simplesmente vou ao site do Google e pergunto “você pode encontrar este artigo?” e, geralmente, ele aparece.

Outro ponto importante é que existe esta grande quantia de informação navegando na rede e é difícil encontrar algumas coisas. É por isso que o serviço Google é importante, porque ele indexa coisas que estão na rede. Outra razão para sua importância está relacionada à complexidade de vários arquivos. Se você escreve um relatório com um programa de edição, o arquivo que contém o relatório pode ter uma estrutura muito complexa. A informação não significa nada a menos que você tenha a aplicação certa para acessá-la. Agora, imagine que cem ou mil anos se passem e o sistema da Internet (ou qualquer que o valha) está acumulando mais e mais informação. Alguma parte desta informação será inútil a menos que o software para codificá-la ainda exista e esteja apto a ler aqueles arquivos. Isto é na verdade um problema porque as empresas que criaram os softwares não necessariamente os mantêm para sempre.


E EXISTE AINDA A QUESTÃO DE PRIVACIDADE, NÃO?

Na verdade, aqui existem dois pontos relacionados: a questão geral da informação que deveria ser mantida confidencial na rede e que devemos ter garantias que ela continue assim; e a da informação que é considerada pública. Como exemplo de informações pública temos os registros de uma ação judicial, que nos Estados Unidos são públicos, e que você, como cidadão, pode localizá-los através da rede. Antigamente, era necessário ir ao tribunal para consultar tais registros. Hoje está tudo online, disponível e indexado. Mais pessoas têm acesso a essa informação, o que é ótimo. O problema é que um caso judicial inclui dados relativos à identificação pessoal (endereços, telefones etc.), que em papel não ofereciam tanto risco, mas disponíveis na rede representam perigo para as partes envolvidas. Desse modo, a questão da privacidade deve ser examinada com cuidado. Importante lembrar que à medida que as coisas se tornam mais acessíveis, a definição sobre o que deve ser público pode mudar.


MUDANDO COMPLETAMENTE DE ASSUNTO, O QUE VOCÊ PENSA SOBRE A RELAÇÃO DA INTERNET COM A ELEIÇÃO DE OBAMA?

Eu participei de formas diferentes desta eleição (nota: referindo-se à eleição para presidente dos EUA em 2008). Em particular, o meu desejo era que mais pessoas percebessem a existência de questões científicas que são importantes para nossa economia e para nosso bem estar, as quais a administração anterior tinha tendência a ignorar. Muitos de nós participamos em atividades para arrecadar fundos e no que chamamos de “saia para votar” (get out to vote), ou seja, fazer com que as pessoas votem (nota: a votação nos EUA é opcional). Nós utilizamos a net em maneiras específicas para organizar muitas dessas iniciativas. Ficou muito claro que a campanha de Obama fez um uso dos serviços de Internet muito melhor do que qualquer campanha política na história. Estou certo de que isto definiu um benchmark para o que as pessoas esperam no futuro.

Esta campanha teve um efeito colateral inesperado. As pessoas que se organizaram para usar a Web a fim de ajudar o presidente a se eleger, agora estão dizendo “nós queremos continuar participando; nós nos organizamos para que este grande evento acontecesse (ter um presidente eleito) mas queremos continuar a fazer parte dessa atividade, nós queremos contribuir”. Então, de certo modo, o presidente tem um grande desafio: encontrar maneiras de alinhar cidadãos para contribuir positivamente com os objetivos da sua administração. Eu acho que é um trabalho em andamento, mas é uma ferramenta poderosa. Acho que tudo isso marcou 2008 e sedimentou pra valer a importância da Internet, de mesmo modo como os debates de Kennedy versus Nixon sedimentaram o papel da televisão na política.


A INTERFACE DO MECANISMO DE BUSCA GOOGLE É UMA DAS MAIS FÁCEIS DE SE USAR. O QUE RESTA FAZER EM TERMOS DE INTERFACE ENTÃO?

Na Google, estamos interessados em fazer todos os produtos e serviço acessíveis a qualquer um. Isto significa pensar sobre interfaces para usuários que funcionam bem para pessoas com deficiências visuais, físicas e motoras. Temos um feeling muito forte sobre isto na Google. Outra coisa é que estamos vendo cada vez mais e mais dispositivos que conectam pessoas à Internet. Não é mais uma questão de ter dispositivos interagindo com pessoas, mas dispositivos com outros dispositivos. Então, o objetivo é fazer as aplicações da Google amigáveis a todos esses meios diferentes de interação, como por exemplo Google Earth e Google Maps.

O QUE VOCÊ PODE NOS FALAR SOBRE A INTERNET INTERPLANETÁRIA?

Primeiro de tudo, a internet interplanetária não é um projeto da empresa Google. Trabalho com o Departamento de Defesa americano há 10 anos, e estamos alcançando um marco importante nos testes com protocolos interplanetários. Até o fim do ano teremos feito o que chamamos de qualificação espacial desses protocolos. Se formos bem-sucedidos, a Nasa poderá usá-los em suas missões a partir de 2013. Estamos tentando convencer o órgão que padroniza comunicações espaciais a adotar esse novo conjunto de protocolos. Assim, a cada vez que se lançar uma nova missão, as informações das missões anteriores estarão disponíveis para apoiá-la. Na palestra que vou ministrar agora à tarde explicarei melhor sobre este projeto.

A REVISTA SBC HORIZONTES TEM COMO PÚBLICO ALVO ESTUDANTES E JOVENS PROFISSIONAIS. CONSIDERANDO OS SEUS 30 ANOS DE EXPERIÊNCIA NO MERCADO, EXISTE ALGUM CONSELHO SOBRE CARREIRA QUE VOCÊ GOSTARIA DE COMPARTILHAR COM NOSSOS LEITORES?

Bom… eu tenho algumas idéias bem específicas que eu poderia compartilhar. A primeira delas é perceber que algumas idéias ambiciosas tomam bastante tempo para serem completamente realizadas. Você precisa ser paciente e persistente com elas. A segunda coisa que eu observo é que algumas coisas não podem ser realizadas por uma pessoa sozinha. Você precisa aprender a como inspirar outras pessoas a fazer aquilo que você está fazendo. Colaboração é importante; a habilidade de articular para atingir seus objetivos é muito importante. A terceira coisa que eu gostaria de dizer é que ninguém pode planejar uma carreira. Eu acho muito improvável. É como perguntar para um profissional: o que você pensava que estaria fazendo hoje quando estava no ensino médio? Pessoas que pensam que podem planejar toda uma vida e uma carreira estão completamente erradas. Por outro lado, você pode dizer pra elas para não se preocuparem porque se você estiver atento às oportunidades, certamente algumas delas serão bem interessantes. Finalmente, você tem de estar disposto a assumir riscos. Eu costumo dizer que se arriscar pode ser bem mais interessante do que tomar a posição mais segura. Claro que você não vai sair dirigindo na contra-mão, embora seja uma escolha sua… mas eu acredito que alguns riscos podem compensar muito a longo prazo.

De qualquer modo, de tudo isso, acho que cooperar com outras pessoas me parece ser extremamente importante, pelo menos pra mim. Eu não acredito que ninguém chegue ao sucesso sozinho. Sempre tem aquele caso que você olha nos olhos da pessoa e pensa “não, você não pode ter feito isso sozinho”.

BOM, ENTÃO VAMOS À ÚLTIMA PERGUNTA. VOCÊ É UM DOS GANHADORES DO TURING AWARD. COMO TODOS SABEMOS, ESTE É “O” PRÊMIO DE COMPUTAÇÃO. QUAL DAS NOVAS TECNOLOGIAS VOCÊ ACHA QUE VAI MERECER UM TURING AWARD DAQUI ALGUNS ANOS?

Temos várias tendências que são bem visíveis neste momento. Veja que eu não estou tentando projetar nada para daqui a 20 anos, necessariamente. A primeira delas é o contínuo e rápido crescimento de tecnologia móvel e a sua flexibilidade. A segunda é a demanda por acesso via banda larga para todas essas pessoas que realmente desejam realizar suas tarefas em alta velocidade. A terceira é o compartilhamento de informação em bases de dados comuns que provavelmente se tornará o meio mais importante para rapidamente acelerar o conhecimento científico. Se você considerar os pesquisadores de sequências genéticas que usam banco de dados compartilhados para discutir o que qualquer um sabe sobre uma sequência em particular. Todos têm acesso à mesma informação textual e gráfica. Eles estão tentando entender como o nosso código genético nos afeta. Todas essas idéias e principalmente a evolução delas são dignas de serem premiadas.


Sobre a Entrevistadora

Mirella M. Moro é professora adjunta no Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Possui doutorado em Ciência da Computação pela University of California in Riverside (2007), e graduação e mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Após seu doutoramento, passou um ano como PosDoc Junior (bolsa do CNPq) no Instituto de Informática da UFRGS. É Diretora de Educação da SBC e editora-chefe da SBC Horizontes.
Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v02n02/44.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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