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BITS, BYTES E BATOM

EDIÇÃO ABRIL 2010

Mulher, Política e Computação

Muito se fala em participação da mulher em todos os setores da sociedade. Entretanto, em algumas áreas como na tecnológica a presença das mulheres vem se tornando cada vez mais rara. Paralelo a esse fenômeno uma outra área, a política, também se ressente da presença feminina. O presente artigo traz uma reflexão sobre a ausência da mulher tanto na política como na computação, traçando um paralelo da falta de motivação para a atuação feminina nas duas áreas, a partir da prática de discriminação contra a mulher existente na sociedade, ainda nos dias de hoje.

Um pouco de história

Para entender a participação da mulher na sociedade torna-se relevante conhecer a história das mulheres. Existe literatura disponível que trata do assunto, pautada na premissa de que o movimento feminista foi uma das maiores revoluções de todos os tempos, por tratar-se de uma revolução cultural, a qual transcendeu países, religiões, estrutura familiar e a sociedade de modo geral.

Em vários períodos históricos encontram-se mulheres batalhadoras que despontaram em vários campos: na literatura, na medicina e nas artes. Muitas dessas mulheres atuavam disfarçadas de homens para poderem ter sua presença garantida na sociedade. Vale lembrar também as mulheres queimadas na fogueira pela Inquisição, na Idade Média, por serem diferentes das demais pessoas, tais como as curandeiras e as líderes, entre outras. Registros mostram a existência dessas mulheres, como a bibliotecária copista Cristina que viveu nos mosteiros transcrevendo e traduzindo trechos de textos cristãos.

Com mais força, a Revolução Francesa começa a colocar em xeque a dominação sobre a mulher como algo natural. Aquele período histórico nos legou a Declaração dos Direitos da Mulher, que já colocava a emancipação da mulher e a ocupação de espaços públicos na ordem do dia. Vale lembrar que a sua idealizadora, Olympe de Gouges foi guilhotinada dois anos após a publicação da declaração.

Entretanto, nem a Revolução Francesa nem outras revoluções ou mudanças de regime de governo estenderam o direito ao voto à mulher. Para se ter uma breve idéia, as mulheres começaram a votar nos Estados Unidos em 1920 e na Itália em 1945. No Brasil, em 1932, o código eleitoral permitia o voto para mulheres casadas desde que com autorização dos maridos e de mulheres solteiras com renda própria. Apenas em 1946, o direito ao voto foi estendido para todas as mulheres. A luta por direito ao voto foi árdua e conquistada pelas mulheres, que sempre buscavam, também, a igualdade política.

Para se ter uma idéia da invisibilidade da mulher, lutadoras pela Proclamação da República, como a maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga, nunca apareceram em livros de História ao lado dos homens que defendiam a mudança de regime político no Brasil. Não se pode deixar de lembrar que existiram mulheres lutadoras como Anita Garibaldi, Bertha Lutz, Olga Benário, entre outras que fizeram parte da nossa história.

A partir da década de 1960, o movimento feminista, já considerado por alguns historiadores como a maior revolução de todos os tempos, começa a se fortalecer e coloca a pauta de modificação de conceitos e práticas masculinas e o respeito às diferenças entre mulheres e homens. De lá prá cá, as mulheres passaram a se inserir em todas as áreas de atuação. Antes relegadas à ocupação de áreas ditas femininas como magistério e enfermagem, que são áreas do “cuidar”, considerada, na sociedade, uma característica marcadamente feminina, as mulheres passam a desafiar essa mesma sociedade e tornam-se cientistas, engenheiras, políticas, matemáticas, físicas, entre outras.

Na atualidade, as mulheres ocupam os postos de trabalho de acordo com sua escolha e não mais pautada no papel de “cuidadora”, como se não lhes restasse outra possibilidade de vida profissional, social ou política.

Mulher na política

No Brasil, as mulheres começam a participar mais ativamente da vida política, em movimentos contra a didatura militar, contra o alto custo de vida, pela anistia política, por creches, entre outras lutas. Inclusive, surge a mulher guerrilheira na luta contra a didatura militar. A luta por organização sindical começa nesse período e tem seus resultados quando são incorporadas nas lutas sindicais, a partir dos anos 1980, temas como a desvalorização e a diferença salarial entre mulheres e homens; a ausência de infra-estrutura para a trabalhadora gestante e a violência no local de trabalho. Em paralelo surge o movimento de mulheres de bairros populares, com reivindicação por escolas de qualidade, centros de saúde, água potável, moradia, legalização de terrenos, enfim temas do cotidiano das mulheres e homens.

Partidos de esquerda incorporam as lutas feministas e começa a implementação de políticas públicas para as mulheres e o aparato estatal para tratar e implementar essas políticas. Discute-se o programa integral de saúde da mulher. A violência contra a mulher é tirada da vida privada e o seu combate passa a ser uma questão de ordem pública. São criadas as delegacias da mulher, conselhos da mulher e órgãos municipais de atendimento à nulher. Toda essa movimentação por políticas públicas é reflexo das organizações de mulheres e sua inserção na vida política do país. Os setoriais de mulheres de partidos de esquerda tiveram um importante papel nesse período, principalmente ao colocar as políticas públicas como pauta de seus governos.

Os anos 1990 demostraram que o feminismo multiplicou os espaços e lugares de atuação, diversificando as formas de luta. Movimentos específicos são fortalecidos: mulheres negras, mulheres pobres, sindicalistas, lésbicas, católicas progressistas e outros movimentos colocam suas reivindicações para a sociedade. Ações afirmativas, como as cotas de 30% de mulheres nas direções sindicais, partidárias e nas candidaturas aos cargos legislativos, foram medidas que contribuiram para superar a pouca presença das mulheres nos espaços de decisão política. As lutas da mulher, sua exclusão e a desigualdade existente tornam-se, finalmente, visíveis no Brasil.

Entretanto, na atuação político-partidária brasileira, a presença das mulheres foi diminuindo. O Brasil ocupa a 104ª posição no mundo em países com mulheres que atuam em cargos eletivos. Trata-se de apenas 8,8% de presença feminina na política. Ficamos atrás, inclusive de países do mundo árabe cuja estrutura inibe a participação das mulheres.

Nas últimas eleições, as mulheres não ocuparam a cota de 30% e o número de eleitas ficou aquém do esperado. Dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que, nas eleições de 2006, de um total de 2.498 candidatas, apenas 178 mulheres foram eleitas, distribuídas conforme mostra o quadro 01 abaixo.

Quadro 01. Relação entre número de mulheres candidatas e eleitas.

Número de candidatasNúmero de eleitas
2 à Presidêncianenhuma eleita
26 aos Governos3 eleitas
35 ao Senado4 senadoras
652 à Câmara Federal48 deputadas federais
1.783 às Assembléias e Câmara Legislativas123 deputadas

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Dados mostram, também, que poucas mulheres se dispuseram a sair como candidatas. Muitas dessas mulheres citam as dificuldades de atuação na vida política, pois além dos afazeres inerentes a essa atuação, elas acumulam as tarefas domésticas de cuidar da casa e dos filhos. Além disso, as mulheres citam o pouco incentivo dado pelos partidos políticos que, de modo geral, privilegiam a participação masculina.

E na computação?

A História da Computação nos traz muitas mulheres que tiveram papel fundamental em suas áreas de atuação, como por exemplo, Ada Byron King (1815-1852), matemática que criou o primeiro programa de computador; Grace Hopper (1906-1992), criadora da linguagem COBOL (Common Business Oriented Language), entre outras.

A partir de uma participação mais ampla das mulheres nos anos 1980, na área de computação, tanto nas universidades como nas empresas, a situação foi se modificando até que a ausência das mulheres na computação começa a ser notada.

A Sociedade Brasileira de Computação apresentou uma análise da redução gradativa da presença feminina na computação, no Boletim Especial Mulheres na Computação, de março/maio de 2006. Pelos dados apresentados, é notório que a área tornou-se predominantemente masculina. Não se sabe ainda o que motivou a evasão das mulheres da área de computação.

Para se ter uma idéia, em nossa Universidade (UEM), a presença cada vez menor de meninas vem sendo notada a cada ano, como ocorre em outras locais, no Brasil e no mundo. Em 2007, fizemos um levantamento junto à Diretoria de Assuntos Acadêmicos para confirmar a ausência das meninas, visto que as pessoas comentavam o fato, mas não se tinha dados concretos a respeito. Os dados levantados de 1998 a 2007 mostraram que as meninas foram “sumindo” da computação paulatinamente. Do total de 11 ingressantes no vestibular de 1998 em uma turma de 40 alunos, o número foi caindo a cada ano, a ponto de ter duas ingressantes em 2007. Não foram comparados os dados com o número de meninas que presta vestibular, mas o fato é que se torna, cada vez mais comum, termos turmas apenas de meninos.

Os fatores que ocasionam a pouca presença das mulheres na computação e na área tecnológica, de modo geral, têm motivado pesquisas. Alguns elementos, no entanto, podem ser colocados para discussão: (1) a falta de incentivo para as carreiras tecnológicas; (2) a jornada de trabalho árdua na área de computação; (3) o mito de que quem faz computação é “nerd”.

Com relação à falta de incentivo para as carreiras tecnológicas, a sociedade, de modo geral, continua cultuando a imagem do “menino engenheiro”, o empreendedor, que vai à luta. Ainda se encontram livros didáticos que mostram figuras do tipo: “O Joãozinho joga bola na rua. A Mariazinha olha pela janela”. Não vamos discorrer sobre o papel formador da escola, mas vale registrar a influência que a escola tem na busca das carreiras profissionais.

No tocante à jornada de trabalho árdua, é cada vez mais crescente o número de mulheres que busca conciliar atividade profissional e familiar, com valorização de áreas que lhes possibilitem compatibilizar as duas atividades. A área de computação, principalmente, para a atuação em empresas, segue um rígido esquema em que a prioridade são os clientes e é tudo para “ontem”. Mesmo na carreira acadêmica e científica a presença das mulheres é muito menor do que a dos homens.

E o item “nerd”? Muitas meninas se assustam com o termo e com a postura dos que chamam “nerd”. Quem de nós, mulheres, que atuam na computação, nunca se depararam com uma cara de surpresa e exclamação ao saberem que somos da área de computação, como se fosse algo de outro mundo?

E o que liga mulheres, política e computação?

A despeito das peculiaridades da política e da computação, pode-se questionar a pouca presença das mulheres nas duas áreas, as quais possuem em comum, que em seus primórdios configurou-se como uma área particularmente masculina.

O computador surgiu na década de 40 e nesse período histórico também começa a participação das mulheres na política. No entanto, durante séculos a presença feminina nas duas áreas foi marginalizada, como se as mulheres tivessem que ocupar postos pré-determinados pela sociedade, de acordo com as características de fragilidade e cuidado.

Poucas mulheres se destacaram na computação e poucas mulheres se destacaram na política. A própria formação cultural, ainda nos dias de hoje, impõe às mulheres a busca de papéis que as torne boas mães, esposas e filhas. A incursão em papéis que extrapole essa visão faz com que a sociedade tenha que buscar sua própria redefinição para aceitar essa mulher que rompe com uma cultura milenar de discriminação e exclusão social.

Considerações finais

Não se deve discutir a pouca presença das mulheres na computação sem avaliar o contexto da participação das mulheres na sociedade. Marginalizadas quando atuam na vida política, discriminadas quando escolhem carreiras ditas masculinas, as mulheres e, também, os homens que lutam pelo fim da discriminação contra a mulher tem muito trabalho a fazer. Este artigo buscou colocar algumas idéias a mais na busca de respostas com relação à participação das mulheres em áreas ditas masculinas, a partir da visão da história das mulheres na nossa sociedade, marcada por lutas na busca da igualdade.

Recursos

Computação Brasil - Boletim Especial Mulheres na Computação (Ano VII, nr. 21, março a maio de 2006)

DUBY, George & PERROT, Michele. História das Mulheres. Editora Afrontamento e Editora Ebradil, Porto, São Paulo: 1991. Volumes 1, 2, 3, 4 e 5.

PRIORE, Mary Del & BASSANEZI, Carla. História das Mulheres no Brasil. Editora Contexto e Editora Unesp, São Paulo: 1997.

Secretaria de Política para as Mulheres: http://www.spmulheres.gov.br

Museu do Computador da UEM: http://www.din.uem.br/museu

Sobre a autora

Tania F.C. Tait é professora Associada do Departamento de Informática da Universidade Estadual de Maringá. Coordenadora da organização não governamental Maria do Ingá – Direitos da Mulher. Possui doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC (2000), Mestrado em Ciência da Computação pela UFSCar (1994), graduação em Administração e em Processamento de Dados pela UEM. Autora do livro “Arquitetura de Sistemas de Informação” e co-autora de “Aspectos Sociais da Informática”. Autora do Capítulo: “Excluídas da História: O olhar feminino sobre a formação de Maringá” no livro “Maringá e o Norte do Paraná”. Atualmente é chefe do Departamento de Informática da UEM e membro do Conselho Editorial da Revista Tecnológica da UEM. Atua na área de Sistemas de Informação, especificamente: gerência de projetos de software, desenvolvimento distribuído de software e ética em computação. É filiada a SBC.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v03n01/15.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

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