Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


v03n01:58

PERFIL

EDIÇÃO AGOSTO 2010

Therezinha Souza da Costa: ganhadora do Newton Faller 2010

um pouco mais dessa nobre sócia da SBC
Entrevista por Noemi Rodriguez (PUC-Rio) e Mirella M. Moro (UFMG)

O Prêmio Newton Faller homenageia membros da SBC que se distinguiram ao longo de sua vida por serviços prestados à SBC. O prêmio é exclusivo a sócios efetivos e fundadores e é entregue durante a cerimônia de abertura do Congresso da SBC. O prêmio é uma homenagem ao prof. Newton Faller, pesquisador do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse Perfil apresenta a ganhadora do prêmio em 2010, a profa. Therezinha da PUC-Rio.
Inicialmente gostaria de parabenizá-la pelo prêmio Newton Faller, o qual homenageia membros da SBC que se distinguiram ao longo de sua vida por serviços prestados à SBC. Com todos os seus trabalhos pela Sociedade, existe um em específico que seja lembrado com mais carinho por você?

Em primeiro lugar quero falar sobre a alegria que tive com este prêmio. Foi com muita surpresa que tive a notícia que eu havia recebido o prêmio Newton Faller, concedido pela SBC. Certamente, uma boa surpresa que me deixou muito alegre e que me trouxe momentos de recordação de muitos colegas, de muitos lugares, de muitos acontecimentos. Bem, sobre os trabalhos mais gratificantes, sem dúvida não é fácil destacar. Participar das diretorias e do movimento construtor que elas realizaram com muita competência e dedicação, ano após ano, sempre foi extremamente significativo e renovador. Mas creio que minha participação nas atividades ligadas à educação em Informática foi o que mais me mobilizou. Principalmente pelo contato mais próximo com professores de todo o país e pela oportunidade de trabalhar com eles, buscando o crescimento de nossos cursos de graduação e a melhoria da formação de nossos professores e alunos. Em particular cuidar dos Cursos de Qualidade foi, sem dúvida, muito prazeroso!

Você fez a graduação em Matemática e depois o mestrado e o doutorado em Informática. Como aconteceu essa trajetória?

Minha formatura em matemática foi no final de 1964. Época muito complicada para as universidades. Em 1965, já casada, fui iniciar uma pós-graduação, na Universidade de Buenos Aires. Lá comecei a trabalhar com um professor muito conhecido na área de Análise Numérica, Eduardo Ortiz. De Buenos Aires fui para Santiago do Chile, onde nasceu minha filha, Adriana, e onde continuei a trabalhar em Análise Numérica.

Em 1968, já no Brasil, iniciei o mestrado no IMPA, em Matemática Pura. Mas, logo depois, soube, empolgada, do programa de pós-graduação em Informática da PUC e fui para lá, como aluna de mestrado. Em 1970 fui contrata como analista de sistemas, pelo Prof. Luiz Martins, então diretor do RDC da PUC. Em 1971 terminei o mestrado. Em 1973 fui contratada pelo Prof. Carlos José P. de Lucena, que era o diretor do Departamento de Informática. Em 1979 terminei o doutorado, sempre na área de Análise numérica, na PUC, com a orientação do Prof. Peter Albrecht, da Universidade de Dortmund, Alemanha. Assim, a trajetória foi muito natural e direta, já que trabalhar em Análise Numérica requer conhecimentos matemáticos.

Temos vários colegas que também "migraram" para a informática mas vindos das Engenharias, Física e outras áreas. Como você vê o papel dessa formação em matemática em uma carreira em Informática?

Na realidade existem muitos colegas em nossa área que se formaram em matemática. Já disseram que um bom curso de matemática representa uma excelente base para qualquer curso! Mas, sem querer generalizar tanto, pode-se garantir que, para Informática, a formação em matemática é uma grande vantagem. O pensamento matemático, o rigor conceitual e a disciplina formam uma base muito sólida

para quem quer fazer Informática. Por exemplo, na área numérica e na área da teoria da computação, a matemática é a linguagem padrão. Nas demais áreas, a capacidade de raciocínio lógico, de síntese e de análise também são fatores de importância fundamental. Quem já traz isso em sua bagagem de graduação ou de pós-graduação consegue entender e se exercitar com mais facilidade. Além disso, atualmente, os cursos de matemática usam recursos computacionais, como por exemplo, pacotes científicos e gráficos que já abrem perspectivas em informática para seus alunos.

É comum ouvir que "já não se fazem alunos como antigamente". Com 3 décadas de ensino na área, você acha que os alunos são diferentes ou nós, como professores, não acompanhamos direito a evolução da garotada?

Certamente os alunos são diferentes. O mundo é diferente. A cultura é diferente. Os meios de comunicação são diferentes. Tudo mudou. O que acontece é que o mundo acadêmico não teve o mesmo fôlego. Modificações em nossos cursos não podem ser tão rápidas. Tudo segue mais devagar. E deve ser assim mesmo: para se alterar um currículo precisamos de, pelo menos, 4 ou 5 anos, para acompanhar a formação final do aluno com aquele conjunto de disciplinas. Então, os alunos mudaram muito rapidamente e os cursos não. Além disso, a sociedade tem uma visão mais imediatista. Os alunos estão muito preocupados com seu futuro emprego; com as áreas mais atraentes, em termos financeiros. Eles têm de trabalhar muito cedo e, muitas vezes, não conseguem dar ao curso o tempo e a dedicação necessários. Os alunos têm uma visão do mundo distinta e uma solicitação externa muito absorvente. O mundo está girando mais rápido!

Mas também vale a pena destacar que o ensino universitário se “massificou”. Hoje em dia o número de alunos nas universidades é muito maior que há 30 ou 40 anos atrás. O ensino fundamental parece que ainda está buscando um padrão. O ensino médio ainda está se adaptando ao mundo atual. A família atual tem outra estrutura. Hoje em dia é muito frequente que jovens alunos fiquem em casa sozinhos, durante todo o dia, pois seus pais trabalham. E a escola, em suas diversas etapas de atuação, não consegue, em geral, suprir essas lacunas. Então, é muito comum recebermos alunos com um desempenho escolar muito fraco. Com pouca capacidade de estudarem sozinhos. Com falta de conhecimento sobre a carreira que escolheram. Com base muito deficiente em matemática e em português, sem condições de entender um texto ou de escrever um relatório e com quase nenhuma atividade de leitura. Aliás, hoje em dia, ler é uma atividade raríssima. Isso tudo causa uma enorme frustração, pois a universidade não tem recursos para reverter essas dificuldades. Então, formar um aluno requer um esforço enorme para fazê-lo “mudar de estado”: de alunos muito fracos para bons profissionais, e isso em 5 anos!

Mas os jovens não são menos capazes do que nós fomos. Eles são muito espertos; apenas estão vivendo em outra época e em outra realidade.

Você é a sétima pessoa e segunda professora premiada com o prêmio Newton Faller (a primeira foi a Claudia Bauzer Medeiros). Qual o conselho de carreira mais precioso que você poderia passar para as demais mulheres que atuam em nossa área?

Bem, começo com uma saudação à Claudia! Ela é uma excelente profissional e um exemplo para todas nós!

Mas, voltando à pergunta, o que eu digo sempre é que não se deixem levar por preconceitos nem por pensamentos de que computação não é para mulheres! Isso não é verdade. Pelo contrário. As mulheres têm se mostrado excelentes profissionais em nossa área. Nós temos condições mentais e emocionais de trabalhar com muita dedicação e competência. E, além disso, nós temos um grande grau

de sensibilidade que nos ajuda, em qualquer tipo de trabalho. Então, acreditem que, se vocês gostam de computação, vocês podem ser profissionais tão bons quanto qualquer outra pessoa. O que separa as pessoas é a vontade e determinação. Se você quer, você faz. Não se preocupe, no início, onde vai trabalhar. Comece e, com o tempo, você vai ser capaz de definir, dentro da área, qual é o melhor tipo de trabalho para você. Mas não se esqueça: você pode! E, lembre-se que a “paixão” pela área é fundamental!

Você já teve vários cargos de coordenação na sua instituição. Ainda assim, conseguiu contribuir com a SBC e orientar inúmeros alunos. Como você consegue balancear a carreira com a vida pessoal?

Claro que a mulher que trabalha (e hoje isso acontece com quase todas!) tem de saber harmonizar sua vida. E esta harmonia é praticada de forma distinta pelas pessoas. Durante os mais de 40 anos que tenho dedicado à carreira acadêmica, principalmente como professora, toda a minha vida tem girado em torno do trabalho. E acho que esse é um padrão do pessoal da área. Creio que, quando gostamos do que fazemos, nem o trabalho externo nem nossas atividades familiares representam um peso. Ao contrário. Elas se conciliam e se tornam suporte uma da outra. Assim, a fórmula é: trabalhem no que amam e com muito envolvimento, respeitando os limites e as necessidades tanto de sua família quanto de seu trabalho. Aliás, queria aproveitar para destacar, aqui, o apoio que sempre tive da minha família, em particular de minha filha.

Conte-nos como recebeu a notícia da sua premiação? O que estava fazendo e como foi sua reação?

Bem, já falei um pouco sobre isso no início dessa conversa. Eu estava no carro, com minha filha, quando recebi um telefonema do Presidente da SBC, Prof. Maldonado, que me informou sobre o prêmio. Foi uma surpresa muito grande. Jamais havia passado pela minha cabeça que isso fosse acontecer. Certamente fiquei muito emocionada. E muito agradecida.

Quando cheguei na PUC, soube que todos lá já sabiam do prêmio há algum tempo e estavam mantendo segredo. O diretor do Departamento de Informática, Prof. Casanova, já havia providenciado as passagens e queria fazer uma grande surpresa, fazendo com que eu fosse ao congresso sem saber de nada! Ele foi muito carinhoso, da mesma forma como meus demais colegas. Todos demonstraram muita alegria. Isso foi muito bom, pois representou uma forma de compartilhar aquele momento de felicidade com todos.

Finalmente, se você tivesse tempo suficiente disponível, qual trabalho você gostaria de criar ou organizar na SBC?

Seria descobrir formas mais modernas e eficientes de formar nossos alunos, evidenciando os fatores éticos, sociais e humanos necessários a um bom cidadão e profissional. Tornando os cursos mais flexíveis, mais interdisciplinares, com muito rigor conceitual e muita aplicação. Com a presença do professor mais como um tutor e orientador. Com muita oportunidade de estudo e trabalho individual e coletivo. E com a mente aberta para a importância do trabalho em equipe e de objetivos amplos, sempre ligados ao desenvolvimento pessoal e coletivo.

Para terminar, queria aproveitar, mais uma vez, para agradecer a você a oportunidade de falar com a comunidade. De agradecer a todos pelo carinho. De agradecer, de coração, a todos os que me permitiram trabalhar na Sociedade Brasileira de Computação!

Como já disse antes, foi uma boa surpresa. Surpresa que me deixou muito alegre e que me trouxe momentos de recordação de muitos colegas, de muitos lugares, de muitos acontecimentos.

Eu me lembrei, agradecida, daqueles que, como Presidentes da SBC, me chamaram para trabalhar a seu lado. Lembrei-me do Luiz Martins, do Clésio Saraiva, do Daniel Menasce, do Pedro Manuel, do Ricardo Reis, do Flavio Wagner, do Silvio Meira.

Eu me lembrei dos primeiros congressos, que nos davam um trabalho imenso para organizar e levar adiante.

Eu me lembrei, do “vai-e-vem” dos sócios, em frente ao balcão de atendimento da secretaria, onde “Seu” Jorge (sempre com muita simpatia e envolvimento no trabalho) e o Danilson se desdobravam para atender a todos. E da Gabriela, resolvendo as dificuldades costumeiras.

Eu me lembrei das discussões acaloradas nas reuniões sobre a regulamentação da profissão! Horas e horas de debates que, às vezes, se repetiam, ano após ano!

Eu me lembrei das reuniões quase intermináveis em que se discutiram os currículos de referência. Colegas de tanto valor, trabalhando junto, com a experiência do Bigonha e do Daltro.

Eu me lembrei dos grupos de trabalho e das disputadas discussões sobre a licenciatura e a avaliação dos cursos.

Eu me lembrei dos WEIs, dos Cursos de Qualidade, que envolveram tantos e tantos colegas que chegavam ávidos por participarem das apresentações e discussões sobre educação, dos mais distantes pontos do país!

E tantas coisas mais vieram à minha memória, coisas que ajudaram a preencher a minha vida durante esses mais de 30 anos.

Mas foi a presença marcante da própria SBC que sempre teve mais peso.

É a sensação muito reconfortante e prazerosa de conhecer e de ter contato com gente muito valorosa. Gente que segue a “marca” da Sociedade: trabalhar com muito afinco pelo progresso do país com a consciência também voltada para os fatores sociais e culturais.

Nossa SBC nunca foi uma sociedade cientifica comum. Ela tem uma personalidade muito forte, construída por seus sócios, desde a primeira hora. Uma personalidade que exala, além da competência científica e tecnológica, muita generosidade e carinho que ficaram muito aparentes nas mensagens que tenho recebido dos amigos.

Por tudo isso, somente agradecer seria muito pouco. Muito pouco, pelo impacto das manifestações de carinho que recebi de uma grande quantidade de colegas. Muito pouco, pois, além de ser um reconhecimento pelo esforço dedicado ao trabalho realizado ao longo de muitos anos, esse momento me trouxe a alegria pelo dever cumprido.

Muito obrigada.

Therezinha

»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação ? SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

v03n01/58.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:31 (edição externa)

Ferramentas da página