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Perfil

EDIÇÃO Agosto 2011

Prêmio Mérito Científico 2011

Esta edição da coluna Perfil está super especial!!! Ela apresenta o texto de agradecimento dos agraciados com o Prêmio Mérito Científico 2011, professores Nívio Ziviani (UFMG) e Siang Wun Song (USP). Este prêmio destina-se ao sócio efetivo ou fundador da SBC com reconhecida contribuição científica e/ou técnica em uma das várias áreas e especialidades da computação abrangidas pela Sociedade.
Prof. Nívio, presidente Maldonado, prof. Siang


Prof. Siang Sun Wong

Senhoras e senhores componentes da mesa,
Caros colegas, professores, estudantes,
Senhoras e senhores,
Agradeço do fundo do coração por esta homenagem.
Vou falar sobre alguns marcos da minha carreira. Alguns deles podem servir de motivação e encorajamento aos estudantes e jovens pesquisadores e pesquisadoras.
Um marco importante foi a vinda ao Brasil.

Eu não nasci aqui. Sou importado.
E Made in China

Uma razão que levou meus pais para uma mudança tão grande foi a busca por melhores oportunidades para seus filhos em termos de educação superior. Em Hong Kong naquele tempo havia apenas duas universidades, ambas pagas e muito caras.

premio-siang.jpgDevo muito à generosidade deste país que é o Brasil, que nos acolheu e onde pude fazer colégio público e universidade pública gratuita e de qualidade, onde há agências de fomento como CNPq, CAPES e FAPESP que viabilizaram o avanço da minha carreira.

Devo uma homenagem especial a uma pessoa que foi responsável pelo meu ingresso à área de Computação. Ele me ensinou a programar e, o mais importante, a gostar da Computação. E me convidou a estagiar no Centro de Computação da USP no final do meu primeiro ano da faculdade. É o Prof. Valdemar Setzer que este ano comemorou o aniversário de 70 anos.

Outro marco é a escolha da universidade para fazer o doutorado e a publicação do primeiro artigo. Uma mensagem aos estudantes e jovens pesquisadores: ter confiança da sua capacidade, sem medo de tentar almejar algo grande. Desconhecendo as dificuldades, enviei pedidos e algumas das melhores universidades americanas. Acabei conseguindo a aceitação em uma das mais conceituadas: Ciência da Computação da Universidade Carnegie Mellon.

Publicação do primeiro artigo: No meu segundo ano de doutorado, sem saber que era um evento difícil, foi submetido e aceito um artigo pela FOCS, uma das duas melhores conferências em teoria junto com a STOC. Isso no segundo ano do doutorado. Em retrospecto, é curioso notar que este foi um dos trabalhos mais citados na minha carreira. Até parece que não fiz mais nada depois.

Um outro marco muito importante: meu primeiro auxílio de pesquisa. Aí vem a segunda mensagem: agarrar a oportunidades que surgem. Vários anos após o doutorado minha produção começou a cair. Aí surgiu o edital BID-USP, uma iniciativa nova e única na USP para financiar viagens de pesquisa. Eu fui o único no IME-USP que enviou pedido. Foi aprovado um grant no valor de 160 mil dólares. Este auxílio foi uma espécie de turning point da minha carreira, pois viabilizou uma completa reciclagem minha e de vários professores do grupo.

Para encerrar, quero prestar uma homenagem ao patrono do Prêmio Mérito Científico da SBC deste ano: o Prof. Imre Simon que foi o modelo que sempre procurei seguir.

Por fim, quero compartilhar esta homenagem e o prêmio com todos os meus colaboradores nesses anos todos.
Muito Obrigado.

Professor Nívio Ziviani

Agradeço aos colegas Alberto Laender e Mirella Moro pela indicação do meu nome à chamada para este prêmio e aos colegas anônimos que endossaram a indicação. Agradeço também ao Comitê de Apreciação e ao Conselho da Sociedade Brasileira de Computação por ter-me outorgado o honroso Prêmio de Mérito Científico 2011.

Esta é uma das distinções mais altas que poderia receber e a homenagem concedida pelos meus pares é particularmente significativa porque exprime o reconhecimento de uma vida de trabalho realizando pesquisa científica.

O momento é de festa e de agradecimentos. Um momento como este instiga a reflexão e leva necessariamente a um balanço de quase 40 anos da minha carreira, o que faço agora compartilhando um breve relato de fatos dignos de permanecerem na memória. Maiores detalhes sobre a minha carreira como pesquisador podem ser obtidos no artigo intitulado “Information Retrieval Research at UFMG”, escrito em resposta a um número especial para “Grupos de Bancos de Dados e Recuperação de Informação no Brasil”, do Journal of Information and Data Management (JIDM) da SBC, previsto para sair nos próximos números da revista.

premio-ziviani.jpgNo início da minha carreira obtive o título de mestre pela PUC/RJ em 1976 com o Prof. Antônio Luz Furtado e o título de Ph.D. pela Universidade de Waterloo, no Canadá em 1982, com o Prof. Gaston Gonnet.

Foi com Gaston que aprendi excelência acadêmica:

A excelência é, para Aristóteles, uma habilidade conquistada através do treinamento e da prática. Para o filósofo grego, nós somos aquilo que fazemos com frequência, portanto, a excelência não é um ato, porém, um hábito.

Gaston também me ensinou, já durante o doutoramento, o valor da criação de empresas start-up como forma importante de geração de riqueza: ele criou 11 empresas e algumas delas têm receita anual na ordem de centenas de milhões de dólares.

Em 1984 voltei a Waterloo, no Canadá, onde iniciei o estudo de algoritmos para tratar bancos de dados constituídos de texto. Quase uma década mais tarde, tinha início uma verdadeira revolução tecnológica. Nascia a World-Wide Web com Tim Berners Lee, por meio da criação do primeiro navegador da Internet.

Neste ponto, a fala de Guimarães Rosa é sábia:

“No ir - seja até onde for - tem-se que voltar, mas seja como for, que se esteja indo ou voltando, sempre já se está no lugar.”

Aí, afortunadamente, os algoritmos para bancos de dados constituídos de texto que vínhamos trabalhando vão para o centro do palco: recuperar informação na imensidão de dados disponibilizados diariamente na Internet passa a ser um problema central para as tecnologias de informação.

Foi na década de 90 que na UFMG pudemos realmente crescer como grupo de pesquisa de padrão internacional. Isso foi decorrência da política governamental muito acertada de investir em grandes grupos, com o PRONEX – Programa de Núcleos de Excelência do MCT em 1998. Os laboratórios do Departamento cresceram em produtividade e qualidade, entre eles o LATIN – Laboratório para Tratamento da Informação, do qual sou criador e coordenador.

Minha relação com a SBC é antiga, anterior mesmo à data da sua criação em 1978, por meio da participação em edições do SECOMU e do SEMISH. Logo depois da minha volta do doutorado coordenei o SEMISH de 1983, a convite do então Presidente da SBC, o saudoso Luiz de Castro Martins. Depois veio em 1994 a coordenação geral do XIV CSBC em Caxambú, com 822 participantes, uma experiência marcante e prazerosa. Ano passado coordenei o SECOMU no CSBC em Belo Horizonte.

Para falar sobre o ensino divido-me entre Roland Barthes e Rubem Alves. Barthes, em aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França, em 1977, considera que:

“…há uma idade em que se ensina o que se sabe. Mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe.”

Rubem Alves, comentando Barthes, diz que os professores começam por ensinar, primeiro, os saberes sabidos, aqueles que, no transcorrer do tempo, foram aprendidos pelas gerações mais velhas, e que são transmitidos às gerações mais novas como se fossem ferramentas em uma caixa.

38.jpg Rubem Alves, referindo-se com muita propriedade à fase em que se ensina o que não se sabe, cita o navegador que voltou de suas viagens trazendo nas mãos os mapas que desenhara nos mares onde navegara. Aí chegam os alunos. O professor mostra-lhes os seus mapas e fala sobre aquilo que sabe. Os alunos aprendem, até que um aluno inquieto aponta no mapa um vazio indefinido, sem contornos, e indaga ao professor o nome daquele mar. O professor responde: O nome, eu não sei, não o naveguei. É mar desconhecido, ainda por navegar. Entretanto, com o que sei sobre outros mares, posso lhe ensinar a se aventurar por mares nunca dantes navegados: essa é a aventura suprema.

Ensinar o que não se sabe, a isso se chama pesquisar, diz Barthes sabiamente. Ensinar a pesquisar é uma das grandes alegrias do professor, ver o discípulo partindo para o desconhecido, para voltar com os mapas que ele mesmo irá fazer, de um mar onde ninguém nunca esteve. É isso que Rubem Alves diz que deve ser uma pesquisa e uma tese: uma aventura por um mar que ninguém mais conhece.

Na aventura por mares desconhecidos é necessário publicar artigos científicos, mecanismo que considero importante na formação de um pesquisador, pois o processo de avaliação adotado pelos pares para conferências e periódicos leva a outra atividade fundamental, que é o intercâmbio entre pessoas e grupos fortes de pesquisa. Além disso, Amyr Klink, o grande navegador, dessa vez sem metáforas, ilustra outro ingrediente importante:

“A coisa mais importante da vida, não é não dar certo. É não tentar. É o arrependimento de não ter feito. A pior coisa é a gente se arrepender do que não fez.”

Tive também a honra de participar da consolidação do sistema de pesquisa e pós-graduação do país. Na década de 80 fui eleito Coordenador da Comissão de Consultores Científicos da CAPES e na década de 90 do Comitê Assessor em Ciência da Computação do CNPq, ambos por dois mandatos.

Essas duas experiências foram importantes para as atividades administrativas que exerci na UFMG. As que mais me marcaram foram: a criação do Curso de Processamento de Dados em 1973 a convite do meu amigo Ivan Moura Campos, a criação do Doutorado em Ciência da Computação em 1990 com o apoio do amigo Virgilio Almeida; e a criação do Mestrado Interinstitucional com a Universidade Federal do Amazonas em 1999, que mais tarde se transformou em um sólido programa de pós-graduação liderado pelos amigos Altigran Soares da Silva e Edleno Silva de Moura.

Muito devo aos milhares de alunos que tive. Os alunos da disciplina Projeto e Análise de Algoritmos que criei no início da década de 80 contribuíram enormemente para a série de livros intitulados “Projeto de Algoritmos”, que tenho publicado a partir da primeira edição em 1986, escrita a pedido do meu amigo Carlos José Pereira de Lucena para a Primeira Escola Brasil-Argentina de Informática.

A década de 90 foi especial ao atingir o auge da minha produção científica, que também produziu protótipos de tecnologia que mais tarde vieram gerar empresas de alta tecnologia de muito sucesso empresarial. Uma dessas experiências ocorreu em fevereiro de 1998, com a dissertação “A Família Miner de Agentes para a Web”. Juntamente com o aluno Victor Ribeiro, empreendedor brilhante, criamos a seguir a Miner Technology Group. Em junho de 1999, vendemos a empresa para o Grupo Folha de S. Paulo/UOL.

Com o sucesso da Miner descobrimos que uma forma moderna de transformar resultados de pesquisa em produtos e serviços de grande inovação é a criação de empreendimentos de alta tecnologia. No mesmo ano de 1999, criamos uma máquina de busca para a Web chamada TodoBR. O passo seguinte foi a criação da Akwan em maio de 2000, pelos quatro amigos e professores do Departamento – Alberto Laender, Berthier Ribeiro-Neto, Ivan Moura Campos e eu – e por dois amigos capitalistas de risco – Guilherme Emrich e Marcus Regueira.

Robert Frost, em sua poesia The Road Not Taken, ilustra como as decisões mais importantes nem sempre são as mais óbvias:

DUAS estradas divergiram em um bosque amarelo,
E sentido por não poder seguir ambas,
Eu segui a menos viajada,
E isso fez toda a diferença.

Em julho de 2005 ocorreu a compra da Akwan pela Google. Este fato merece uma reflexão: Que valor a Google viu na Akwan que a levou a fazer esta aquisição? Com certeza o valor percebido pela Google na Akwan foi o capital intelectual. Alan Eustace, vice-presidente de tecnologia da Google, disse na semana da aquisição:

Com essa aquisição, a Akwan Information Technologies se tornará o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Google na América Latina, concentrará seus esforços de engenharia e recrutamento em toda a região. Todos os engenheiros da equipe da Akwan permanecerão na nova empresa.

Hoje, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Google em Belo Horizonte emprega quase 100 mestres e doutores, cerca de 30 deles formados pela UFMG. Outra start-up que ajudamos a criar no ano passado, a Zunnit Technologies, com foco em tecnologia de recomendação na Web, emprega hoje 15 mestres, mestrandos e doutorandos também da nossa Pós-Graduação. Na mesma linha, a start-up Nhemu Technologies, com foco em comparação de preços na Web, emprega 5 mestres, mestrandos e doutorandos da Pós-Graduação da UFAM, onde foi criada. Uma conclusão importante dessas experiências é que a criação de tecnologia de ponta somente é possível a partir de pesquisa de ponta.

Aos jovens professores e pesquisadores que estão entrando agora no sistema convido-os: ao invés de perguntar se podem fazer algo, cuja resposta da burocracia é geralmente um “não”, façam antes e perguntem depois, ou simplesmente não façam a pergunta. Arrisquem-se, corram riscos.

Já dizia Bernard Shaw, “O homem que nunca cometeu um erro nunca fará nenhuma outra coisa”.

Esta homenagem que recebo hoje representa muito para quem passou mais de dois terços de sua vida como pesquisador e professor na UFMG. Ainda que entre montanhas, enfrentei mares bravios, calmarias, aportei em portos seguros e criei mapas para outros navegantes. Já tenho um tempo considerável em travessias e permito-me terminar minha fala com uma mensagem de Amyr Klink, um especialista em travessias:

… aprendi a entender as coisas do mar, a conversar com as grandes ondas e não discutir com o mau tempo. A transformar o medo em respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer.

A todos, aí incluindo as pessoas que o tempo não me permitiu mencionar, sou extremamente grato. Obrigado pela presença de todos.

v04n02/20.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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