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DEBATE

EDIÇÃO Dezembro 2011

Propriedade Intelectual para Software - os benefícios da proteção

>A ideia básica deste artigo é apresentar os benefícios da proteção aos programas de computador pela propriedade intelectual e, paralelamente, desmistificar a visão maniqueísta, geralmente adotada: contra ou a favor do software livre. O papel da informática, que perpassa o nosso dia-a-dia, é preponderante para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país na era da tecnologia da informação. Desta forma, os programas de computador, assim como, a sua proteção pela propriedade intelectual, são relevantes, em vista que exercem papel primordial e propiciam este desenvolvimento.

A Propriedade Intelectual

A propriedade intelectual trata dos direitos inerentes à atividade intelectual, que é entendida como compreendendo as obras literárias, artísticas e científicas, nos domínios industrial, científico, literário e artístico. É regida por vários acordos internacionais, sendo a Convenção da União de Paris (CUP/1883), a Convenção de Berna (1883) e o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Industrial (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights - TRIPS) os mais importantes para as discussões relacionadas a programas de computador.

A propriedade intelectual engloba propriedade industrial e os direitos autorais e conexos e tem suas obrigações e direitos determinados através de leis específicas, sendo que o Estado outorga ao detentor da criação uma propriedade, por um prazo determinado. A ideia do sistema de propriedade intelectual é prover um incentivo àqueles que criam, pela concessão de um direito que impede terceiros de utilizar a sua criação, por determinado período de tempo, sem a sua autorização. Este direito é concedido apenas ao que já foi criado, ou seja, as ideias não são protegidas pela propriedade intelectual. Há que se ter algo já criado, concretizado, para se obter este direito.

A base do sistema de propriedade intelectual é a prevenção e manutenção da concorrência leal, do equilíbrio entre os direitos do criador e dos direitos da sociedade; é estabelecer um equilíbrio entre a criação, a manutenção dos incentivos à inovação e os benefícios resultantes desta inovação no mercado para o consumidor e, sob esta ótica, a propriedade intelectual promove a segurança jurídica nos negócios. Paralelamente, o sistema leva ao detentor do direito uma vantagem concorrencial, tendo em vista que o titular exclui terceiros de atuar no mercado, enquanto o direito perdurar. Neste contexto, deve-se ter em mente que, em face de o investimento em inovação não garantir certeza de retorno deste capital e tempo aplicados, as empresas investem em países em que há a proteção e o respeito aos direitos de propriedade intelectual (DPI’s). Desta premissa decorre a importância da proteção às criações pela propriedade intelectual e o respeito às mesmas, sendo um incentivo à criação e à inovação.

Os ativos da propriedade intelectual são considerados como bens imateriais e como tal podem ser transacionados. Assim sendo, é importante identificar quem é o dono, o titular da obra, ou seja, aquele que detém os direitos patrimoniais envolvidos, dentre eles o direito de copiar o objeto protegido ou autorizar a sua cópia, o direito de comercialização e distribuição.

O Tratado TRIPS vincula a proteção ao programa de computador à Convenção de Berna sobre direitos autorais, classificando-o como obra literária e, assim, a proteção recai sobre os aspectos literais desta obra, ou seja, seu código fonte ou objeto. No Brasil, adota-se esta proteção ao programa de computador, sendo que as leis que regulam estes direitos são a Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/98) e a Lei de Software (9.609/98).

Direito Autoral e Conexos

Direito Autoral é o regime de proteção conferido especificamente às criações literárias e artísticas. Estas podem ser obras literárias, musicais e estéticas e, para a obtenção do direito, é necessário apenas o requisito de originalidade e produção independente. Desta forma, este registro, que é opcional, é não constitutivo de direito, tendo em vista que este nasce com a obra, ou seja, o direito existe a partir da criação. Assim, basicamente, se declara que o programa foi criado, quando, quem o criou e quem é o titular do direito.

O registro de programa de computador é feito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, em face de um Decreto Presidencial que delegou ao INPI tal competência. Mesmo sendo o registro opcional, há vantagens na obtenção do mesmo, pois este é um documento oficial que atesta autoria, data de criação e é peça importantíssima em casos de litígio. Nestes casos, o objeto de proteção, que é o código fonte ou objeto e que é mantido em sigilo no INPI, pode ser utilizado sempre que for necessário. Outros aspectos interessantes são o fato de que, nos casos de transferência de direitos, o contrato pode ser averbado no certificado, tendo então validade perante terceiros, o fato de que, hoje em dia, este registro é condição sine qua non para a participação em licitações governamentais e, ainda, o registro de programa de computador pontua em se tratando de mestrados e doutorados.

O registro de direito de autor protege o código fonte ou objeto e como já dito anteriormente, esta proteção recai sobre a forma em que o programa foi expresso, seus aspectos literais e, não na aplicação da idéia que este envolve. Porém, na medida que o software controla equipamentos e propicia que um processador efetue várias atividades, fica claro que este representa muito mais do que simplesmente aquilo que está expresso em código e que é o objeto desta proteção! A partir deste pressuposto é que as criações envolvendo os programas de computador podem ser protegidas pela propriedade industrial, por meio de patentes, de forma que a funcionalidade envolvida possa ser protegida.

Propriedade Industrial

A propriedade industrial é o regime de proteção conferido pela Lei 9279/96, às invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas e denominação de origem, sendo a patente um dos títulos de propriedade concedidos por essa lei. Uma patente é concedida apenas no caso de a criação possuir os requisitos básicos, especificados na Lei, levando-se em consideração não a idéia, tal como foi expressa, mas a sua aplicação prática, sua funcionalidade. Os requisitos básicos para a concessão de uma patente de invenção são a novidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial. Este último requisito acarreta a necessidade de suficiência descritiva, pois um técnico no assunto deve ser capaz de reproduzir o objeto protegido, com base na documentação apresentada na solicitação da proteção ao INPI. Vale lembrar que um objeto é novo se não se encontrar compreendido no estado da técnica, sendo considerado como estado da técnica tudo aquilo colocado disponível ao público por qualquer tipo de mídia, em qualquer lugar do mundo e a atividade inventiva relaciona-se com o fato de a criação não decorrer de maneira óbvia para um técnico no assunto. Diferentemente da novidade, a atividade inventiva é um conceito complexo. Entende-se que uma criação apresenta atividade inventiva se, frente às criações disponíveis no estado da técnica, não é uma conseqüência previsível ou não é natural a escolha deste caminho; é quando a soma das partes é maior do que as partes; é quando há uma contribuição ao estado da técnica em face do disponível no estado da técnica. Assim, por exemplo, não se considera que haja atividade inventiva na mera justaposição de meios ou processos já conhecidos, na simples mudança de forma ou de material.

Outro aspecto a ser observado é com relação ao art. 10 da Lei da Propriedade Industrial (LPI), que elenca as matérias que não são consideradas como sendo invenções. Este é o caso, por exemplo, das teorias científicas e métodos matemáticos; dos esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; dos programas de computador em si; das regras de jogo. Desta forma, se uma criação pertence a um destes campos da atividade humana, esta não pode ser patenteável, pois não é considerada como uma invenção.

Este artigo cita o programa de computador em si como uma das matérias que não são consideradas como sendo invenções e uma forma simplista e fácil de entender o significado desta citação neste contexto, é que o programa de computador em si, ou seja, sua forma literal, seu código fonte ou objeto, é interpretado como sendo passível apenas de direito de autor, tal como já explicitado anteriormente. As criações envolvendo programas de computador que não sejam relativas às matérias apontadas neste artigo da LPI são passíveis de patenteabilidade, desde que atendidos os requisitos básicos.

Portanto, as criações que envolvem os programas de computador podem ser protegidas pelo direito de autor, com a obtenção de um registro de direito de autor, no qual é protegido o seu código fonte ou objeto, assim como, pela patente que protege a funcionalidade envolvida. Uma forma fácil de entender as diferenças de proteções é uma comparação com uma receita de bolo, supondo que receitas de bolo fossem passíveis de patenteabilidade. Pelo direito de autor, não se poderia copiar a receita, pois seria um ilícito, tendo em vista que a proteção é para os aspectos literais, ou seja, a forma em que a receita foi escrita, mas se pode preparar esta receita, que seria algo totalmente legal. Já, a proteção pela patente impede de se preparar a receita, pois este preparo é protegido pela patente, mas se pode copiar a receita sem que haja qualquer ilícito.

Assim, estas proteções são complementares e protegem objetos distintos, permitindo que o titular licencie a sua criação da forma que desejar e que lhe for mais conveniente. Este aspecto, o licenciamento, é importante com relação ao tópico software livre ou proprietário, pois apenas o titular tem o direito de licenciá-lo, seja da maneira em que quiser, com o código fonte aberto ou não, cobrando pela sua utilização ou não. Pela lei, apenas aquele que detém uma propriedade tem o direito de realizar qualquer transação econômica com ela. Imagine, por exemplo, um imóvel. Como podemos vendê-lo, alugá-lo ou até mesmo doá-lo se não temos o certificado de compra e venda, que determina quem é o proprietário, o titular do mesmo? Assim, todos os programas de computador são acompanhados de uma licença, baseada no direito de autor. É a licença que determinará como este poderá ser utilizado, se poderá ser alterado, como e quem poderá transacioná-lo.

No mundo globalizado em que vivemos, a propriedade intelectual é importante, tendo em vista que esta impulsiona o crescimento da economia, em face da segurança jurídica que imprime aos negócios. Isso é devido ao fato de que, para inovar, há que se investir em pesquisa e desenvolvimento e as empresas investem em países nos quais a propriedade intelectual é respeitada, pois os investimentos para inovação são altos e deve haver um mínimo de certeza com relação ao retorno destas aplicações, que é a receita advinda destas inovações. Assim, é importante que a propriedade intelectual seja respeitada, pois esta propiciará o investimento e as aplicações em inovação, que impulsionam o desenvolvimento econômico e social.

E o software livre? O que vem a ser o software livre? Software livre é uma forma de licenciamento na qual a obrigatoriedade prescrita é a manutenção do código fonte aberto. Deve ser observado que uma licença determina as possibilidades que temos com relação àquela utilização e, com o software livre, não é diferente, deve-se observar o exposto na licença que vem acoplada ao programa de computador. As licenças de software livre apresentam alguns princípios fundamentais, a saber: uso livre, código aberto, alteração livre e redistribuição livre, mas observe, a licença é fundamental, pois ela determinará as opções disponíveis e, como já afirmado antes, apenas o proprietário do direito pode estabelecer e delimitar os direitos concedidos por uma licença. Assim, por exemplo, todos os softwares livres do governo brasileiro, chamados de Softwares Públicos, estão registrados no INPI.

Assim, há que haver um titular para conceder uma licença! Um produto qualquer só pode ser licenciado pelo titular do direito e, quando se trabalha com licenciamento, seja ele com relação ao software livre ou proprietário, o primeiro aspecto a ser observado é quem é o titular deste direito, pois esta pessoa é quem deve determinar os limites da licença. Portanto, a diferença entre estes dois tipos de programa de computador é com relação à abrangência desta licença que, no caso de software proprietário, permite apenas a sua utilização, enquanto que, no software livre há permissões mais abrangentes do que apenas o seu uso, podendo-se, inclusive, modificá-lo.

O que temos, então? Em realidade, a escolha entre um software livre e um “proprietário” - entre aspas, pois todos são proprietários -, é o modelo de negócios que se escolhe para aplicar. Quando o modelo escolhido é o software “proprietário”, compra-se um produto - o programa -, que em realidade é uma licença de utilização, e este produto vem fechado, desconhecendo-se o seu código fonte. Nestes casos, apenas se utiliza o programa, não se tendo acesso ao mesmo e o código fonte permanece de conhecimento exclusivo do titular. Quando a opção é pelo software livre, compra-se um serviço e a licença que se assina, o contrato de adesão, estabelece os limites de sua utilização; nestes casos o código fonte é aberto e, assim, o conhecimento é disseminado.

Desta forma, observa-se que são modelos de negócio diferentes e voltados para públicos diferenciados. Para aqueles que utilizam o computador apenas como ferramenta de trabalho e que não sabem ou não se interessam pelos softwares em si, o que interessa é ter acesso aos programas que precisa utilizar, não interessando o acesso ao código fonte. Nestes casos, pode-se utilizar o software proprietário. Para aqueles que se interessam pelos programas de computador em si, que são da área de TI e que querem ter acesso ao seu código fonte para modificá-lo quando for necessário, o software livre é a opção.

Assim, uma das premissas ao se escolher o sistema a ser utilizado é o conhecimento e disponibilidade do usuário com relação aos softwares. Outro aspecto a ser levado em conta é com relação ao apoio e suporte técnico oferecido pelo fornecedor, tendo em vista que este serviço normalmente não é ofertado pelo software livre.

Estas diferenças é que permitem a existência de diferentes modelos de negócio. Isso, devido ao fato de que nos casos de licenciamento de software proprietário, a remuneração recai na utilização de um ativo protegido e, assim, pagam-se os royalties e, com o software livre, remunera-se um serviço. Outro aspecto que deve ser lembrado é que, hoje em dia, empresas que originalmente só trabalhavam com software proprietário, tal como a IBM, estão investindo em software livre. O mesmo se dá com relação a algumas empresas que inicialmente só lidavam com software livre, tal como a RedHat, que hoje trabalham e investem em software proprietário.

Concluindo, o direito de autor, relativo a um programa de computador, independe de haver ou não o registro e este, além de ser aplicável às duas formas de modelos de negócio comentadas, traz vantagens interessantes ao seu titular. Com relação ao modelo a ser adotado, este depende do tipo de usuário e estes modelos conviverão, juntos, durante muito tempo ainda.

Deve ser destacado, também, que, no contexto em que vivemos, no qual os investimentos em tecnologia e inovação são deslocados para os países em que a propriedade intelectual é reconhecida e validada, é importante que este conhecimento seja disseminado e absorvido pela comunidade desenvolvedora, de forma que os benefícios dela advindos possam ser usufruídos e aproveitados para gerar mais inovação e desenvolvimento para o nosso país.

Caso haja interesse em registrar o seu programa de computador, as informações básicas para o depósito do mesmo podem se obtidas em: http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/programa/Como%20registrar%20o%20seu%20programa%20passo%20a%20passo

Sobre a autora

Elvira Andrade é servidora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, graduada pela PUC - RJ em Telecomunicações, tendo feito o curso em propriedade industrial ministrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, INPI e PNUD (1981). Possui pós-graduação em Teleinformática pela Estácio de Sá e em Propriedade Intelectual pela PUC – RJ (2005). Trabalhou como examinadora de patentes, de 1981 até 2005, nas áreas de telecomunicações e criações envolvendo programas de computador e, desde 2005, trabalha com o registro de programas de computador.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v04n03/20.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:24 (edição externa)

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