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EVENTOS

EDIÇÃO Abril 2012

Novas (e velhas) competências na formação em Computação

Ampliando a discussão de um dos paineis do WEI 2011

Um dos painéis do Workshop sobre Educação em Computação (WEI 2011) debateu sobre as novas competências do profissional de Computação. Neste artigo, o objetivo é discutir competências que devem ser estimuladas ao longo da formação de um profissional de Computação tendo como ponto de partida este painel. Entre tantas competências, encontramos não só novas como saber colaborar em rede e a interdisciplinaridade, mas antigas também como a boa e velha programação e a (difícil) arte de ser e conviver.

Um dos painéis do WEI de 2011 teve como tema “novas competências na formação do profissional de Computação”. Inspirado no mesmo, o objetivo deste artigo é apontar e discutir, sem a preocupação de ser exaustivo, (novas e velhas) competências que devem ser estimuladas ao longo da formação de um profissional de Computação. A ênfase dada e a crítica feita a uma ou outra competência é de responsabilidade do autor, a menos que seja feita a devida referência.

Competências técnicas

Talvez para surpresa (ou decepção) de alguns (ou muitos) presentes, das competências técnicas o que mais se enfatizou (principalmente pelos professores Edson Cáceres/UFMS e Silvio Meira/UFPE), foi (velha) área de fundamentos da computação. Por fundamentos, entenda-se aquilo que é mais básico para ser um verdadeiro profissional da computação (sobretudo, cientista e engenheiro da computação) das teses de Turing e Church até as bases da programação.

Na verdade, essa preocupação pode ser entendida como um alerta diante de um mundo marcado pela multiplicação e renovação constante das ofertas em qualquer âmbito, em quase tudo que se pense – objetos de consumo, cursos de formação, empregos, fontes de informações, relacionamentos, etc. Só um pequeno exemplo: já imaginou sua rede social com apenas 20 amigos? E das dezenas (ou centenas) de amigos que você tem, quais são verdadeiramente amigos para qualquer hora? É uma valorização da quantidade em detrimento da qualidade. Bom, isso tudo para dizer que a uma grande quantidade de estímulos geralmente faz com que muitas vezes fiquemos atordoados, perdidos. Trazendo para nosso contexto, a computação tem tantas disciplinas (temas) importantes (e cada qual reivindicando sua relevância), que corremos o risco de inchar o currículo com gorduras (que fazem até bem, desde que sejam na medida certa), apressando os alunos a colocarem logo a mão na massa e confeccionarem “pães mais sofisticados”. Tal atitude pode fazer com que aquilo que é básico seja atropelado e não bem fundamentado.

Por exemplo, uma participante do evento manifestou sua insatisfação com estudantes empregados desde o primeiro ano de faculdade, pois, segundo ela, os estudantes não teriam mais tempo para estudar, solidificar os conhecimentos do curso, sobretudo, os fundamentais. Nesse sentido, como a casa precisa estar sobre a rocha, os conceitos avançados e mutantes precisam estar fundamentados, bem alicerçados, de alguma forma ou de outra.

Na verdade, isso é um desafio de qualquer comunidade, o qual pode ser representado através de um questionamento de filósofo chamado Paul Ricouer: como modernizar-se e retornar às fontes? Ou seja, como contemplar aquilo que é de mais avançado sem deixar nossas raízes, aquilo que é mais próprio de um profissional de computação? Isso vale para as comunidades étnicas, religiosas, científicas – inclusive a nossa, talvez a mais da moderna das modernas –, etc. Enfim, em nosso contexto, é um desafio a ser enfrentado para que não tenhamos profissionais fake, “meia-boca”, ou qualquer outra expressão que designe falta de competência, neste caso, técnica.

Evidentemente que, além da boa fundamentação, que deve ser o primeiro passo, há outras competências técnicas que são necessárias. No painel, pouco se falou das outras, mas uma que foi ressaltada para a turma envolvida com Engenharia de Software foi a importância crescente da usabilidade nos softwares atuais, ainda mais com o advento de celulares e tablets com touch screen. Estejam atentos!

Competências além da técnica

As competências não-técnicas também foram elencadas em todas as falas. Inicialmente, podemos citar a colaboração, isto é, o trabalho em grupo, ou melhor, em rede. Essa é a dinâmica da Internet onde acontecimentos são fomentados por milhares e até milhões de pessoas como ocorre com as hashtags do Twitter. É preciso conhecer e saber lidar com tais dinâmicas. Na verdade, cada vez mais essa já está sendo uma característica das crianças – e por que não também dos jovens? – de hoje em dia na medida em que elas já nascem imersas nesse universo. Claramente, isso envolve uma cultura participativa, com uma comunicação sem hierarquias, mas – mais uma vez – em rede, onde os nós são tratados como iguais, podendo qualquer um interagir, interferir, integrar.

Portanto, essa deve ser uma competência a ser aprimorada na graduação, independentemente das metodologias usadas pelos professores. Os próprios alunos podem se juntar e criar suas próprias estratégias para desenvolver trabalhos que sejam de caráter colaborativo. Vamos deixar claro que isso não é, nem deve ser, rebelar-se contra o trabalho docente, mas criar alternativas para incrementá-lo, complementá-lo. Pró-atividade. Se você pensou nisso, acertou: colaboração e, sobretudo, cultura participativa exigem certo grau de iniciativa própria.

É importante ressaltar que apesar da colaboração e participação serem muito bem-vindas, é preciso ter cuidado com o grau de individualismo presente nesses contextos. Embora nesses casos o trabalho seja feito em conjunto, as atividades acabam sendo executadas individualmente: cada um em sua máquina, na hora que quer, no lugar que quer, ouvindo as músicas que quer, enfim, em um ambiente altamente personalizado. O uso da rede acontece colaborativamente, mas o da máquina, não. Logo, vamos ficar atentos ao qual tipo de competência pode efetivamente nos ajudar e o que pode vir nos atrapalhar.

No caso do autodidatismo, bastante necessário nos dias atuais, a colaboração pode nos ajudar a tal competência não virar autossuficiência. Ser um internauta é, sobretudo, saber buscar e escolher suas próprias fontes, além de absorver as informações selecionadas, isto é, aprender. O próprio ritmo de nossa área é acelerado, talvez seja a que atualiza mais rapidamente seu corpo de conhecimento; logo, para se manter a par de tantas novidades não basta fazer os cursos mais novos, mas aprender a aprender, e de maneira contínua! Isso também significa aprender a aprender com outras pessoas. Um dos princípios da inteligência coletiva é que ninguém sabe tudo sozinho, todos sabem alguma coisa e precisam se articular para (re)construir conhecimentos.

Não por acaso falou-se também, sobretudo a Profa. Maria Cecília (UNICAMP), de Tecnologias Sociais, Computação Social – conceitos ainda embrionários –, Inclusão Digital – conceito mais maduro e tema do WEI – e outros temas afins que remetem ao estudo de tecnologias para solucionar problemas sociais específicos de determinados grupos. Aqui encontramos de maneira mais direta competências que podem ajudar o desenvolvimento social do país e da (sub)região e/ou comunidade onde você vive.

Por um lado, tais estudos em áreas (não apenas a da Computação) são cada vez mais comuns. A Computação está cada vez mais se relacionando com outras áreas de conhecimento – como vemos no campo da e-Science –, desenvolvendo soluções em parceria. Isso acontece com mais intensidade até mesmo porque, como está relatado nos Grandes Desafios da Pesquisa em Computação, “muitos dos problemas que os constituem são multidisciplinares em sua natureza e nas possibilidades de solução”. É preciso, portanto, cada vez mais saber respeitar, aproximar e lidar com outras áreas de conhecimento. Não por acaso a interdisciplinaridade foi outra competência bastante ressaltada pelo Prof. Flávio Wagner (UFGRS).

Por outro lado, aquelas áreas de cunho mais social podem ajudar a entrada em uma dimensão do ser humano com a qual não estamos acostumados, a olhar o Outro que não seja especificamente de forma técnica, ou pela simples câmera de programas de mensagens instantâneas – até mesmo porque a evolução da comunicação por si só não implicou na evolução da compreensão. Quantas vezes estamos tão concentrados e imersos em nossas tarefas (urgentes e mais atraentes) e no dispositivo em uso (tão comum hoje em dia ainda mais com a mobilidade) que nem percebemos ou olhamos aqueles a nossa volta, necessitados de um olhar simples e profundo ao mesmo tempo. Bauman, importante sociólogo contemporâneo, afirma que “a atenção tornou-se o mais escasso dos bens, em particular a atenção para o outro, para as questões da humanidade”. Precisamos, portanto, ter uma competência ética – que vá além de uma ética voltada exclusivamente para a Computação –, a qual é (e deve ser) responsabilidade de todas as áreas do conhecimento. Podemos ir até mais adiante, de uma competência que sabia contribuir para o desenvolvimento do ser humano em todas suas dimensões, que além de aprender a aprender e aprender a fazer, também ajude a aprender a conviver e a ser. Isso é essencial na medida em que a vivência do profissional não é apenas o mercado de trabalho, mas vai além, envolve a sociedade e até, em caráter mais pessoal, família e amigos.

Concluindo

Bem, acreditamos que já vimos competências o suficiente para refletir bastante. Atendendo ao desafio de tentar resumir todas as colocações, podemos falar que, primeiro, além de competências relacionadas com o que há de mais novo em tecnologia, não devemos perder de vista os fundamentos, devemos ser bons programadores – e para isso uma dica: grupos de coding dojo podem ajudar.

Segundo, é preciso ser humano, cada vez mais humano, afinal qualquer produto tecnológico, até chegar à produção, passa por muitos (e muitos) colaboradores, inclusive os usuários, vistos com frequência como o pior dos inimigos – infelizmente! Portanto, é necessário se abandonar mais nesse tema, deixar ser envolvido por ele.

No painel, depois de tantas pontuações relevantes, o próprio público presente acabou puxando a discussão mais a favor da questão técnica e de currículo, destacando sobretudo uma tendência de diminuição de carga horária das disciplinas. Alguns dos motivos são a metodologia, que deve fazer com que os professores “falem menos” e com que os alunos investiguem mais (enfatizando o aprender a aprender), e o perfil dos alunos, que já não conseguem dedicar sua atenção a uma única coisa por tanto tempo. Por outro lado, talvez esse direcionamento da discussão, diante de tanta riqueza colocada durante o painel, revele resistências a temas humanísticos que precisam ser rompidas para uma melhor formação do profissional em computação.

Recursos

SANTOS, David M. B. Educação para além do mercado de trabalho. In: XIX Workshop sobre Educação em Computação (WEI). Anais do XXXI Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, 2011.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Ed. Cortez, UNESCO, 2000.

Coding dojo http://codingdojo.org/.

ACM (2004). Curriculum Guidelines for Undergraduate Degree Programs in Computer Engineering, Disponível em: http://www.acm.org/education/education/curric_vols/ CE-Final-Report.pdf

DELORS, J. (org.) (1996). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, UNESCO.

Sobre o autor

David Moises é Secretário Regional da SBC na Bahia, Professor Assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e doutorando em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia. É graduado em Ciência da Computação pela Faculdade Ruy Barbosa e Mestre em Informática pela Universidade Federal de Campina Grande.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v05n01/43.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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