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SOCIEDADE

EDIÇÃO Dezembro 2012

Acessibilidade Digital para Surdos

Problemáticas e soluções envolvendo acessibilidade digital

Este artigo aborda o tema da acessibilidade digital para usuários surdos. São observadas aqui algumas peculiaridades deste público, trazendo propostas inovadoras em desenvolvimento, normatizações que tratam do tema e, por fim, busca-se estimular o engajamento de estudantes e profissionais na causa da acessibilidade digital.

Muitos recursos tecnológicos mostram-se capazes, ou potencialmente capazes, de proporcionar melhorias em diversas áreas da vida das pessoas. Porém, existe um público que pode ter benefícios não somente superficiais, mas mudanças completas de histórias de vida, decorrente do uso dessas tecnologias, os surdos.

A inclusão social de deficientes é muito debatida. No âmbito tecnológico, ela se traduz em acessibilidade, ou seja, a garantia de utilização segura e autônoma de dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação por toda e qualquer pessoa. É o compromisso com a acessibilidade que garante, no meio digital, que pessoas com dificuldades motoras, cognitivas, e tantos outros tipos de deficiências, disponham de ferramentas desenvolvidas especialmente para suprir suas dificuldades, facilitando o acesso a todos os recursos que um computador pode oferecer.

Por ser a acessibilidade um tema muito amplo, este artigo delimita-se ao âmbito digital, computacional, informatizado da mesma, voltando-se para usuários surdos. As peculiaridades da surdez faz com que esse tipo de usuário enfrente alguns obstáculos ao se deparar com um computador. Barreiras causadas pela dificuldade de comunicação são as mais comuns. Seja entre surdos ou entre surdos e não-surdos, estas dificuldades existem, independente do ambiente no qual aconteça.

Estimular a produção de inovações e desenvolvimento de pesquisas que envolvam estudantes, professores e profissionais das mais diversas áreas, a se engajar na causa da acessibilidade digital é o principal objetivo deste artigo. A pesquisa promove a renovação do conhecimento necessário à inovação eficaz e responsável. O efeito da pesquisa na sociedade é muito construtivo, pois permite o contato com situações desconhecidas e a formulação de caminhos que buscam a superação de barreiras.

Compreende-se aqui que o cunho social desta temática mostra-se bastante relevante, na medida em que, no Brasil, segundo o Senso realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2000, havia 24,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Destes, nove milhões trabalhavam e metade, 4,5 milhões, recebiam no máximo dois salários mínimos, que na época tinha o valor de 151 reais. O número total de surdos neste ano era de 166 mil, porém havia mais de 5,7 milhões de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência auditiva, um número bastante expressivo.

Alguns pontos mostram-se importantes para o desenvolvimento deste estudo, e de outros que possam vir a ser desenvolvidos a partir deste. Estas propostas podem ser adaptadas de acordo com o foco de cada trabalho. Neste caso, objetiva-se o usuário surdo como explicitado anteriormente. Destacam-se, então, os seguintes pontos:

  • Conhecer, mesmo que de forma sucinta, o processo comunicativo do surdo;
  • Refletir a respeito da forma como websites e software se apresentam ao usuário;
  • Buscar por soluções tecnológicas já existentes que visam à pessoa surda;
  • Listar leis e normas que proponham padrões voltados à acessibilidade;
  • Apontar caminhos que estimulem outras produções, científicas ou não, envolvendo acessibilidade, tecnologia e normatização.

Um pouco sobre a comunicação do surdo

A comunicação do surdo é predominantemente gestual, gerando dificuldades quando o diálogo entre um surdo e um ouvinte precisa ser estabelecido. Este talvez seja o principal ponto observado até hoje quando se busca produzir algo para este público: permitir que a comunicação seja feita sem dificuldades. No entanto, existem algumas singularidades que devem ser consideradas.

Entre surdos também podem surgir dificuldades de comunicação. Para compreender este ponto levanta-se uma situação hipotética: um diálogo entre duas pessoas surdas. Supondo-se que uma delas utiliza a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a língua portuguesa escrita para se comunicar, e a outra nunca teve contato com LIBRAS e não foi alfabetizada. Como se daria uma conversa entre estas duas pessoas? Provavelmente algumas dificuldades surgiriam. A interpretação de um mesmo gesto de formas distintas para cada uma delas poderia prejudicar a transmissão da mensagem.

Pode-se notar então que a população surda possui particularidades dentro dela própria. Fatores culturais, econômicos, pessoais, e tantos outros, influenciam no caminho que cada um traça. Não existe uma padronização do tipo: todos os surdos usam LIBRAS, escrevem em português e assistem a vídeos com legenda. As peculiaridades geram nos surdos um modo próprio de traduzir valores, costumes, comportamentos, o que denota uma cultura própria, a cultura surda.

As barreiras comunicativas se refletem na educação, em todos os níveis, incluindo os cursos na área da computação. Aulas expositivas sem a presença de um intérprete, por exemplo, exige do estudante surdo a habilidade de fazer a leitura labial, para acompanhar as explicações do professor. Neste caso, se o professor se virar para o quadro enquanto fala, o aluno surdo é prejudicado.

Os recursos didáticos também influenciam muito. O uso de vídeos, slides, textos, computadores, sem pensar no estudante surdo pode prejudicá-lo muito. Torna-se difícil fazer a leitura labial e observar o slide ao mesmo tempo. O vocabulário e o conteúdo também são fatores importantes, quanto mais específico e abstrato, respectivamente, mais difícil a interpretação.

Promover a comunicação dos surdos exige o respeito à sua cultura não-oral. É através do estímulo a melhorias neste sentido que se proporciona a esta população condições de vida mais dignas, na escola, no trabalho, na universidade e no uso do computador. A tecnologia é um excelente caminho para este fim, desde que observa estas peculiaridades.

Breve reflexão sobre o layout e a interface

A interação homem-máquina deduz um processo comunicativo, no qual ambos os lados comandam e são comandados, ou seja, deduz uma interface. A partir do momento em que o usuário não compreende a linguagem utilizada pelo dispositivo, no caso, o computador, a interface se torna um obstáculo, prejudicando o usuário, e vice-versa.

Muitos software são desenvolvidos sem levar em consideração os usuários deficientes, prejudicando o acesso desse público a muitas ferramentas tecnológicas. Existem peculiaridades que devem ser consideradas durante o processo criativo de um sistema, de um programa e até de websites. Destacando-se os aspectos que se destinam a promover a interação homem-máquina, ou seja, a interface e o layout, que devem ser projetados de maneira a atender o usuário de forma prática e eficaz.

Há observações importantes a serem feitas na elaboração de um website ou de um software quando este se propõe a garantir o uso pleno pela pessoa surda. Um dos pontos relevantes são as cores utilizadas e a disposição dos elementos na tela: a poluição visual deve ser combatida, as informações devem ser claras e a interpretação de textos, links e outros, em vídeos ou animações com interpretação em LIBRAS é uma boa iniciativa.

Existem algumas soluções disponíveis, e outras em construção, que atendem a necessidade do intérprete de LIBRAS, uma delas é o Prodeaf e o Sisi, que serão abordados mais adiante. Utilizar estas tecnologias como ferramentas que garantam uma interface funcional e de fácil manejo é um caminho pouco explorado até o momento. Seria bastante interessante se os usuários dispusessem de um pluggin, por exemplo, instalado no seu navegador, que permitisse que o mesmo assistisse a vídeos on-line com um intérprete virtual.

A questão da interface é muito delicada e requer estudos que envolvem várias áreas do conhecimento, como a psicologia, por exemplo. O importante é que o desenvolvedor tenha consciência desta necessidade e busque caminhos para atendê-la de maneira eficaz.

Normatizações e documentos relevantes

Para que pessoas deficientes possam utilizar os ambientes computacionais, existem órgãos que normatizam e padronizam o desenvolvimento destes. Exemplo disto é o World Wide Web Consortium (W3C), que junto com o seu setor de iniciativa para acessibilidade na internet, a Web Accessibility Initiative (WAI), criou uma serie de recomendações direcionadas aos desenvolvedores. Desta forma o W3C/WAI busca proporcionar a elaboração de diretrizes que permitem acesso aos sistemas web por toda e qualquer pessoa.

No Brasil existe um modelo de normatização e padronização baseado nas diretrizes internacionais de acessibilidade, o e-MAG - Modelo de Acessibilidade do Governo Eletrônico, que como o W3C possui um conjunto de recomendações a serem seguidas para garantir a acessibilidade em websites. O e-MAG é fruto de uma parceria do Governo Eletrônico com a Rede de Pesquisa e Inovação em Tecnologias Digitais (RENAPI). A iniciativa desta parceria decorreu das exigências do Decreto nº 5296/04.

Existem alguns validadores de linguagem de marcação, com foco na acessibilidade, disponíveis na internet, um exemplo é o daSilva. Esta ferramenta foi desenvolvida graças a uma parceria entre o Governo Eletrônico e o Acesso Brasil, e pode ser acessada por qualquer usuário gratuitamente. O validador auxilia desenvolvedores de páginas web a analisar, simular e corrigir erros na linguagem de marcação relacionados à acessibilidade, tornando mais fácil a tarefa do desenvolvedor de criar uma página acessível, baseado nas recomendações do W3C.

Outra iniciativa importante, que, neste caso, busca estimular a pesquisa e inovação voltada para tecnologias assistivas, pode ser encontrada no documento: Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006 – 2016, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Este documento propõe ao país, dentre outros, o desafio de se produzir melhorias tecnológicas que permitam o acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento.

Muitos caminhos levam à inovação, salientando-se a pesquisa. A população acadêmica, hoje, conta com diversas fontes de fomento à pesquisa, a mais conhecida é o CNPq. Muitos projetos de sucesso começam como um projeto de pesquisa e findam por originar projetos de extensão e inovação. O atendimento do desafio lançado pela SBC pode seguir este mesmo caminho reconhecidamente eficaz.

Não foi encontrada uma norma específica para usuários surdos. Em geral, as normas aqui citadas abordam o público deficiente como um todo. Apenas alguns tópicos foram identificados com relação à pessoa surda dentro das normatizações apresentadas, porém, nenhuma se refere explicitamente ao desenvolvimento de ferramentas computadorizadas seguindo um procedimento obrigatório.

A normatização é importante principalmente quando gera obrigações. Trazer este raciocínio para a acessibilidade digital, voltada a usuários surdos, é essencial para gerar mudanças na sociedade, pois promove um compromisso daqueles que desenvolvem sistemas, websites, e outros recursos, em atender a norma e consequentemente atender o usuário.

Inovações tecnológicas

O lado mais interessante da inovação deve ser o aumento de possibilidades que ela proporciona. Algumas propostas inovadoras recentes têm sido desenvolvidas pensando na população surda. Em geral, elas se destinam a ajudar a pessoa surda a superar sua barreira comunicativa ao dialogar com uma pessoa não-surda.

A IBM, em 2007, apresentou um sistema capaz de converter a fala em linguagens de sinais utilizando uma animação computadorizada. O sistema chamado Sisi (Say it, Sign It) utiliza a Língua Britânica de Sinais (LBS) e tem como fim substituir o intérprete de língua de sinais para a pessoa surda, quando houver necessidade. A tecnologia empregada no Sisi faz uso de outras já existentes, na época, como o módulo de reconhecimento de voz que transforma o que falado em texto escrito, a partir deste texto é que a animação é gerada.

Em 2011, estudantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foram premiados na competição ImagineCup, da Microsoft, apresentando o Prodeaf, um sistema semelhante ao Sisi, mas com inovações importantes. O prodeaf consiste em uma plataforma online de tradução, português-LIBRAS-português. Através dele é possível converter áudio em gestos, gestos em áudio e ainda realizar a leitura de textos convertendo-o em gestos.

Uma tecnologia interessante, lançada pela Microsoft, é o Kinect. Este é um dispositivo que, ao ser conectado a um console, possibilita a interação do usuário com a máquina utilizando gestos. Isto é feito utilizando sensores de movimentos corporais e faciais. O Kinect foi desenvolvido visando o mercado de jogos, mas o seu uso objetivando a acessibilidade não deve ser descartado.

Em todos estes projetos muita pesquisa foi necessária. Vale salientar a importância do envolvimento de associações e comunidades de surdos no desenvolvimento das propostas. É este tipo de parceria que garante o sucesso, pois deste modo a tecnologia é desenvolvida observando com proximidade as necessidades do usuário.

Considerações importantes

Existe um movimento com saldo positivo rumo à normatização para o desenvolvimento de software, websites e outras ferramentas informatizadas, que atendam às necessidades dos deficientes, mas não há muito que trate especificamente dos surdos.

Alguns pontos observados aqui merecem atenção. Através deles pode-se chegar a um contexto mais inclusivo, são como demandas sociais que precisam ser observadas:

  • Trazer a temática da acessibilidade como ponto obrigatório de observância por parte de desenvolvedores e empresas durante a elaboração de seus produtos;
  • Facilitar o acesso à informação ao profissional da área de computação. Desenvolver um produto acessível exige conhecimentos de outras áreas do conhecimento que não da área de computação;
  • Estimular a pesquisa e a inovação nas universidades, escolas, empresas. Idéia nunca é demais, desde que seja executada com responsabilidade.
  • Pensar a acessibilidade digital, tendo como instrumento a inovação e a pesquisa, é pensar em uma sociedade melhor. É proporcionar novas perspectivas de vida a pessoas que talvez o desenvolvedor do produto nunca venha a conhecer. É possibilitar que pessoas tracem novos caminhos antes impensáveis. É tornar possível o que era impossível, ajudando a mudar o mundo.

Recursos

Sobre os autores

Tamires Guedes é estudante do segundo período do Curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, no Instituto Federal de Pernambuco.
Wagner Bitencourt é estudante do segundo período do Curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.


Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação – SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.
v05n03/32.txt · Última modificação: 2020/09/22 02:27 (edição externa)

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