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EM SOCIEDADE

EDIÇÃO AGOSTO 2010

O Lixo eletrônico no Brasil

Leis e Impactos Ambientais.

Desenvolvimento sustentável é uma preocupação mundial e de forte impacto social, econômico e ecológico. Muito se fala sobre degradação do meio ambiente, contudo, pouco se faz para conter esse problema que ameaça as futuras gerações do planeta. Este artigo informativo denota, neste âmbito, uma visibilidade aos fatores que levaram o Brasil a ser criticado por instituições não-governamentais de diversos lugares do mundo por não ter uma legislação vigente sobre os aspectos do lixo eletrônico, bem como a falta de regulamentação de práticas sustentáveis de recolhimento das sucatas eletroeletrônicas pelos seus respectivos fabricantes. Também são motivos de debate e questionamento as metas do poder executivo e legislativo do país com respeito às ações dos fabricantes de eletroeletrônicos.

Com o grande avanço das tecnologias e das suas inovações em meio ao consumismo na busca da comodidade e do conforto, a população sente a necessidade de sempre estar atenta às novas tendências do mercado no que se refere a equipamentos mais modernos e poderosos, com novas funções e serviços integrados. Com o aumento do poder de compra do consumidor brasileiro, tornou-se comum a constante troca de seus equipamentos tecnológicos, como celulares, computadores, notebooks, TVs, geladeiras, entre outros. Neste contexto, observa-se que a velocidade com que os consumidores passam a procurar por novos produtos, é bem superior ao que acontecia há tempos atrás [1].

O ciclo de vida desses produtos é curto, o que aumenta o descarte irregular de materiais eletrônicos no meio-ambiente. A poluição ambiental gerada pela poluição eletrônica através de seus metais pesados ocasiona danos não só ao meio ambiente, mas também à saúde humana. Grande parte desse lixo tóxico proveniente das sucatas eletrônicas é jogada em terrenos baldios, queimado a céu aberto ou recolhido pela coleta de lixo fornecida pelos governos municipais, mas sem que exista nenhum tipo de seleção ou tratamento desses materiais tóxicos.

Instituições mundiais voltadas à preservação do meio ambiente apontaram nos últimos meses o Brasil como um dos maiores produtores de lixo eletrônico entre os países emergentes: Brasil, México, Índia e China. O país foi apontado por abandonar aproximadamente 96,8 mil toneladas de componentes utilizados em computadores e mais de 35 milhões de toneladas de sucatas eletrônicas por ano, uma produção de lixo maior que a média dos outros países [2]. Mesmo com a grande produção de lixo eletrônico, não houve nenhuma mudança legislativa com a formulação de normas nacionais, impossibilitando uma fiscalização adequada de combate ao desperdício irracional de eletroeletrônicos.

Esse artigo foca no aspecto técnico-ambiental e objetiva a conscientização dos consumidores mostrando o posicionamento político, legislativo, de Organizações Não Governamentais (ONGs) e de fabricantes que atuam no mercado brasileiro.

Brasil: atual situação e legislação

É chamado de lixo eletrônico, também conhecido como “e-lixo” ou sucata eletrônica, todo material que é descartado e compõe os eletroeletrônicos, como resíduos sólidos, componentes tóxicos e metais pesados. O Greenpeace e a Organização das Nações Unidas (ONU) consideram o Brasil como o país emergente que gera maior volume de lixo eletrônico, além de maior produtor de e-lixo per capita por ano. O país tem também o maior número de toneladas de geladeiras abandonadas a cada ano por pessoa, e é um dos líderes em descartar celulares, TVs e impressoras, entre os países emergentes. Na composição de um computador, por exemplo, são utilizados diversos produtos considerados tóxicos ao ser humano, como: sílica, plástico, ferro, alumínio, cobre e chumbo. A tabela 1 relaciona alguns destes metais com os problemas que podem causar à saúde das pessoas.

Imprevistos sempre ocorrem

Com as políticas de incentivo e marketing pela compra de computadores por todos os segmentos da sociedade, o computador está cada vez mais barato, porém conseguir um destino ecológico e socialmente correto para a máquina antiga torna-se complicado. Seu destino acaba sendo, dessa forma, o lixo comum. As autoridades brasileiras devem criar e fazer valer o cumprimento das leis e regimentos estaduais de combate à degradação da natureza causada pelo e-lixo. Cabe também aos órgãos ligados ao meio ambiente a fiscalização e a autuação aos fabricantes que descumprirem o normativo nacional. Existe em tramitação, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) [3]. Aprovado depois de 19 anos pala Câmara dos Deputados, o projeto ainda passará pelo senado e, por último, pelo executivo. Os eletroeletrônicos estão inseridos no artigo 33 do plano, sendo divididos em três categorias: eletrodomésticos, bens de informática e eletrônicos em geral.

Constam no PNRS penalidades previstas na Lei 13576, que trata de crimes ambientais. As leis que atualmente regem as ações no Plano Nacional Ambiental Brasileiro não são específicas aos resíduos eletrônicos, e sim, aos resíduos sólidos de forma geral. Alguns estados, como Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Piauí, Espírito Santo e Pernambuco contam com uma legislação direcionada apenas aos resíduos sólidos (de uma forma geral), incluindo a poluição por metais pesados. Entretanto, não existe citação sobre o recolhimento de produtos eletrônicos pelos respectivos fabricantes, exceto quando há punições.

No estado de São Paulo existe a lei 13.576/09, da autoria do Deputado Estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), a qual instituiu que os fabricantes de eletrônicos são responsáveis pela reciclagem, gerenciamento e destino final do lixo tecnológico. Essa é a única lei específica sobre e-lixo. O Brasil ainda é, de uma forma geral, carente de um normativo relacionado à poluição eletrônica. A lei 3.968 de 31 de agosto de 1981, que estabelece a PNMA [4], seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, constituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) [5] e instituiu o Cadastro de Defesa Ambiental. A PNMA tem como principais objetivos a melhoria e preservação da qualidade ambiental, defendendo o desenvolvimento sócio-econômico do país, bem como a segurança e a vida humana.

Como abordado ao longo do artigo, o Brasil tem um normativo regido por órgãos estaduais e nacionais de preservação do meio ambiente, baseado numa legislação interna a cada departamento ambiental. Nestes últimos anos, existe uma preocupação parlamentar nacional para formulação de um plano de reciclagem e reaproveitamento de resíduos eletroeletrônicos, onde torna o fabrincante responsável pelo recolhimento dos produtos gerados em suas unidades fabris, incluídos nas leis de resíduos sólidos.

Legislação internacional do e-lixo

A União Européia (UE) possui a diretiva ROSH [6] que restringe em seis substâncias tóxicas a produção de eletroeletrônicos, onde responsabiliza também os produtores pela redução destas substâncias: chumbo, mercúrio, cádmio, crómio hexavalente e polibromatos (PBB e PBDE). Esta legislação foi implantada e adaptada pela China em 2006, três anos após a implantação da UE. A Eletronic Equipament Collection dos Estados Unidos impõe as responsabilidades da reciclagem e reaproveitamento ao fabricante. A legislação foi criada em 2008 e estima que até 2015 aproximadamente 25% de todo lixo eletrônico produzido pelo país será reaproveitado. Ela também deixa claro que os fabricantes devem submeter um plano de tratamento às prefeituras, tornando-se proibido descatar lixo eletrônico junto ao lixo comum, isto é, deve-se destiná-los a aterros sanitários.

No Canadá e nos EUA, além da obrigação do recolhimento de produtos ser dos fabricantes, a legislação ajudou a definir as reponsabilidades do consumidor (exemplo, mandar o produto para reciclagem), do fabricante (criação da rede coletora) e do estado (mantenedora da reciclagem e dos recursos utilizados). No Japão, o governo é o responsável pelo processo de coleta e logística reversa, os fabricantes são responsáveis pela reciclagem e neutralização adequada dos componentes tóxicos (a legislação Home Appliance Recycling Law). Com base nessa legislação, muitas empresas se adaptaram as regras estabelecidas internacionalmente, mas outras não.

Como as grandes empresas comportam-se hoje em dia?

A maioria dos fabricantes de eletroeletrônicos, eletrodomésticos e empresas de tecnologia não anexam nos seus produtos informações suficientes sobre o recolhimento dos equipamentos descartados, como: Apple, CCE, Le novo, LG, Positivo e Samsung. Mais grave ainda, empresas como Acer, Dell, Philips, Siemens, TIM e Semp Toshiba não dispõem de nenhuma informação sobre a devolução de seus produtos para fins de conter o lixo eletrônico.

As seis primeiras empresas citadas, nos dias de hoje, procuram realizar ações sustentáveis na fabricação de seus produtos, como exemplo, os equipamentos levam em sua composição matérias-primas recicladas, como o plástico. Além disso, em seus componentes, os metais pesados são utilizados em quantidades menores, assim as fabricantes integram um rank no programa do Guia de Eletrônicos Verdes do Greenpeace [7].

As grandes empresas mundiais estão seguindo um padrão de reutilização e mudança de matéria-prima na fabricação de produtos eletroeletrônicos integrando assim a corrente da TI VERDE (Tecnologia da Informação Verde). Empresas como Samsung, Toshiba, Nokia, Sony, Lenovo e Dell estudam políticas internas de reciclagem com a participação e adesão de ações sugeridas pelas instituições voltadas à defesa e à preservação do meio ambiente, como o Greenpeace. A instituição mostra para o mundo um rank de empresas que realizam atividades em favor do meio ambiente, o chamado Guia de Eletrônicos Verdes. O guia é publicado trimestralmente como forma de fazer com que a indústria de eletrônicos encare o problema do lixo que produz. A intenção é que os fabricantes parem de usar produtos tóxicos em seus produtos.

Reciclagem: Um caminho aberto a novas oportunidades

O setor de reciclagem de Resíduos de Aparelhos Elétricos e Eletrônicos, ou simplesmente RAEE, é um nicho do mercado cheio de potencial e que já começou a ser trabalhado. O ramo ganha espaço à medida que aumenta o consumo de eletroeletrônicos em geral. Desmontar, triturar e transformar diversos equipamentos é o que as empresas de remanufatura fazem, e ao mesmo tempo evitam a contaminação do ambiente por materiais tóxicos. Com o crescimento do mercado brasileiro, existem empresas que encontraram a partir das sucatas uma oportunidade de oferecer reciclagem para grandes fabricantes. Uma delas é a Oxil (lixo ao contrário), de Paulínia no Estado de São Paulo.

A companhia tem nove grandes clientes, dos quais não revela os nomes por motivos contratuais, e processa 2 mil toneladas de produtos por ano. A empresa conseguiu reciclar 99,7% do material enviado. O ato de transformar equipamentos fora de uso em matéria-prima é chamado de “manufatura reversa”. Na Universidade de São Paulo (USP) foi criado, em 2009, o primeiro centro de descarte e reciclagem de equipamentos eletrônicos, criação pioneira de um órgão público no Brasil. O projeto visa recuperar computadores, notebooks e equipamentos de telefonia móvel e fixa. Os equipamentos podem ter dois destinos: são encaminhados para reciclagem ou destinados a ONGs e projetos sociais, caso possam ainda ser usados. O projeto cria a oportunidade de reutilização gerando a inclusão digital em comunidades carentes administradas por instituições não governamentais.

As grandes empresas também garantem a reutilização de seus produtos, como a IBM que encontrou uma saída criativa para o descarte de seus monitores. Até o ano 2000, o destino dos resíduos descartados era o aterro. A partir daquele ano, o processo foi interrompido e os monitores foram armazenados até que uma solução ambiental fosse encontrada. Em 2008, 180 toneladas de monitores foram para a reciclagem. Um parceiro da IBM coletou o vidro e o transformou em bolinhas de gude, que hoje estão por aí no à venda mercado. Quanto à Dell, seus equipamentos usados podem ter dois destinos: são mandados para a reciclagem ou são recondicionados e doados para projetos sociais (mais de 46 milhões de toneladas de equipamentos). No Brasil, algumas dessas empresas citadas não desenvolvem estas atividades de recuperação/reciclagem por ausência de ações repressivas por parte do cumprimento de leis e normas dos órgãos ambientais, levando em consideração que nosso país ainda não tem uma legislação específica sobre o e-lixo.

Concluindo

O lixo eletrônico aumenta a cada dia, pois com o constante crescimento das inovações tecnológicas o consumidor segue a mudança de equipamentos com a mesma frequência. O Brasil ainda hoje é alvo de críticas por parte das instituições internacionais, pela grande quantidade de sucata gerada e pela carência de políticas ambientais relacionadas ao assunto. Neste ano de 2010, depois de um 2009 de críticas, a Câmara dos Deputados resolveu aprovar um projeto de lei engavetado há 19 anos. Além das ações de grandes fabricantes e do surgimento de empresas voltadas para reciclagem das sucatas eletrônicas, em algumas cidades, projetos de recuperação de sucatas tecnológicas são desenvolvidos por grupos de amigos, que recolhem equipamentos computacionais descartados para serem recuperados e, posteriormente, destinados a crianças carentes e entidades sociais, como forma de inclusão digital. O problema do lixo eletrônico no Brasil será resolvido (amenizado, pelo menos) quando houver efetivamente as devidas leis criadas, e os órgãos de defesa possam fiscalizar e punir os fabricantes que infringirem as resoluções contidas no normativo nacional. Por fim, é importante destacar que cada consumidor pode atuar como um elemento ativo nesse processo, seja conscientizando os menos informados, seja procurando empresas que preguem a sustentabilidade, ou até atuando criativamente na transformação do e-lixo em algo novo, que possa ser usado por aqueles menos afortunados.

Recursos

[1] Consumismo Gera Lixo - http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/conteudo_27899 8.shtml
[2] Estudo mostra Brasil no topo do ranking de produção per capita de lixo eletrônico vindo de computadores - http://www.ecodebate.com.br/2010/03/25/estudo-mostra-brasil-no-topo-do-ranking- de-producao-per-capita-de-lixo-eletronico-vindo-de-computadores/
[3] PNRS - http://www.revistasustentabilidade.com.br/documentos-de-referencia/pnrs-texto-aprovado-na-camara-10-03-2010
[4] PNMA - http://www.semarh.al.gov.br/programas/programa-nacional-do-meio-ambiente
[5] SISNAMA - www.mma.gov.br/port/conama/estr1.cfm
[6] LEI ROSH DA UNIÃO EUROPÉIA - http://www.lixoeletronico.org/system/files/UE_ROHS_PT.pdf
[7] Ranking de Empresas Verdes - http://www.baixaki.com.br/info/3634-ranking-de-empresas-verdes.htm
[8] LEI BRASILEIRA DO E-LIXO - http://www.revistasustentabilidade.com.br/documentos-de-referencia/pnrs-texto-aprovado-na-camara-10-03-2010
Outros sites GREENPEACE BRASIL - http://www.greenpeace.org/brasil/
ONU – Organização das Nações Unidas - http://www.onu-brasil.org.br/
OXIL MANUFATURA REVERSA - http://oxil.com.br/

Sobre os autores

Rodrigo Diego Gonçalves Ferreira possui graduação em Sistemas de Informação pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins em 2009 e cursando pós-graduação em Tecnologias e Educação a Distância pela Universidade da Cidade de São Paulo. Atualmente atua como Assistente de Tecnologia da Informação da Companhia Alcoolquímica Nacional, indústria do mercado sucroalcooleiro do Estado de Pernambuco.
Cleyton Mário de Oliveira Rodrigues é formado em Engenharia da Computação pela Universidade de Pernambuco em 2006 e Mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2009. Profissionalmente, atuou como Engenheiro de Software no projeto Inovation Grant financiado pela IBM, além de ter atuado como desenvolvedor de sistemas na PROCENGE Ltda, Processamento de Dados e Engenharia de Sistemas. Durante o mestrado, atuou como estagiário no Projeto CONTRAINTES financiado pelo INRIA/Paris, num projeto de cooperação com o Cin/UFPE. Atualmente, está no segundo ano de doutorado também no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, além de atuar como docente em algumas faculdades de computação da região.


»Esta é uma publicação eletrônica da Sociedade Brasileira de Computação ? SBC. Qualquer opinião pessoal não pode ser atribuída como da SBC. A responsabilidade sobre o seu conteúdo e a sua autoria é inteiramente dos autores de cada artigo.

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