Robótica de enxame: como robôs simples conseguem realizar tarefas complexas cooperando entre si?

Robótica de enxame: como robôs simples conseguem realizar tarefas complexas cooperando entre si?

Foto de capa: Michael Rubenstein / Universidade de Harvard

Por Hendrik Kees Koppe

Desde os seus primórdios, a Computação vem se inspirando na Biologia para a solução de diversos problemas. Um desses casos é o surgimento da área da inteligência de enxames, que toma por base animais sociais para a criação de algoritmos de inteligência coletiva. Nessa matéria, vamos explorar essa área ainda pouco conhecida da Computação e entender como robôs simples podem formar enxames com comportamentos complexos e atuar em áreas desde a agricultura até a exploração espacial.

O surgimento e a evolução da área

Em 1989, dois pesquisadores da Universidade da Califórnia, Gerardo Beni e Jing Wang publicaram um artigo introduzindo um novo termo para a área da robótica: a inteligência de enxame. A ideia era que um conjunto de diversos robôs de baixa complexidade, sem um processamento centralizado (“não-inteligentes” nas palavras dos autores), poderiam ter comportamentos coletivos inteligentes, que não conseguiriam atingir individualmente (Beni e Wang, 1993). Esses robôs, mesmo possuindo pouca complexidade, e autonomia total, poderiam agir de forma coletiva a fim de atingir um objetivo maior. 

Desde essa época já se observava uma inspiração forte da Biologia no desenvolvimento da robótica. Mesmo não se aprofundando, os autores já previam que futuros trabalhos nessa área poderiam utilizar como inspiração sociedades animais, como colônias de formigas para modelar o comportamento dos robôs.

Cumprindo a profecia dos pesquisadores da Califórnia, em 1993 Ronald Kube e Hong Zhang desenvolveram o primeiro de diversos estudos de robótica de enxame inspirado em enxames naturais. No caso de Kube e Zhang, o trabalho coletivo de colônias de abelhas, formigas e cupins, com o objetivo de mover objetos grandes, foi utilizados como inspiração para a realização de tarefas coletivas, como movimentação de blocos, por um enxame robótico.

Notou-se que o enxame realizava as ações de forma mais eficiente, tolerante a falhas, e flexível do que quando comparado com um único robô autônomo mais complexo. Mesmo trazendo grandes avanços, os pesquisadores ainda não tinham encontrado uma utilidade prática para a robótica de enxame (Kube e Zhang, 1993).

Desde então, a área vem evoluindo bastante e diversos estudos conseguiram simular comportamentos de diferentes tipos de enxames do reino animal, como bandos de pássaros, cardumes de peixes, enxames de vagalumes e matilhas de lobos. Nisso, foi possível simular, roboticamente, comportamentos como a busca de fontes de alimento, movimento coordenado de enxames, classificação e organização de objetos, cooperação, e a estigmergia, que é a comunicação por meio do ambiente entre indivíduos do bando, como o uso de feromônios para a comunicação entre formigas (Cheragi, Shahzad, e Graffi, 2022).

Aplicações e exemplos

Os avanços e simulações trouxeram utilidades práticas para o uso de algoritmos de enxames não necessariamente relacionados a robótica, como nas áreas da logística, para encontrar a rota mais eficiente para entregas, e para otimização da comunicação em redes de computadores, por meio de algoritmos baseados na forma com que formigas encontram o menor caminho do ninho até a melhor fonte de alimento (Cheragi, Shahzad, e Graffi, 2022).


A esquerda, formigas construindo uma ponte (cooperação) [Fonte: Kasi Metcalfe via Flickr]. A direita, um enxame de Sbots tendo um comportamento paralelo ao das formigas. Foto de 2004 [Fonte: Wikipedia]

Nos últimos anos, diversos usos práticos desses enxames vêm sendo explorados por pesquisadores, um exemplo disso é o monitoramento de lavouras por meio de drones que, imitando revoadas de pássaros, analisam de forma eficiente a saúde das plantas e podem aplicar autonomamente inseticidas. Também se aplicando à colheita e semeadura, possibilitando diminuir a carga de trabalho de agricultores.

 Outro exemplo de uso atual é o mapeamento e exploração de ambientes desconhecidos, tendo se mostrado especialmente eficientes em ambientes perigosos, como áreas de desastres naturais, por ser muito mais segura do que a exploração humana (Cheragi, Shahzad, e Graffi, 2022).

Além disso, por serem robôs mais baratos quando comparados a robôs de buscas tradicionais, e serem produzidos em grandes quantidades, o mapeamento é mais rápido, e a possível perda de indivíduos do enxame não causa grande impacto na eficiência final, pois assim como na natureza, os enxames artificiais são feitos para se adaptar facilmente a variação do tamanho da população. 

Em um estudo, um grupo de pesquisadores da Universidade de Delft, na Holanda, fez uma simulação de uma área de desastre e, com um enxame de apenas 6 drones conseguiu mapear 80% de uma área de 480 metros quadrados. O tempo gasto foi de menos de 6 minutos, um feito que não seria possível com um drone somente, e muito menos por um humano. Além disso, a parte mais interessante do estudo foi que um dos drones encontrou uma das “vítimas”, mas apresentou problemas na câmera, então outro robô do enxame veio, capturou a imagem e conseguiu cumprir o objetivo da equipe (Techtopia, 2024).

Mais um caso em que a robótica de enxame vem-se mostrando útil é no contexto da logística de armazéns. Nesses ambientes, enxames de robôs são utilizados para movimentar mercadorias e otimizar os espaços de armazenamento, com o intuito de economizar espaço e poupar tempo dos trabalhadores (Triani et al., 2016)


Ilustração de um enxame de robôs em um armazém [Fonte: Freepik]

O futuro da área

Quanto ao futuro da área da robótica de enxame, muito se espera alcançar, principalmente com a miniaturização dos robôs. Cheraghi, Shahzad e Graffi do Instituto Honda, esperam que no futuro enxames de nanorobôs consigam se locomover dentro de veias e artérias para detectar e tratar doenças, como o câncer (Triani et al., 2016).

Os mesmos pesquisadores também se mostram otimistas quanto ao uso de enxames de robôs na exploração espacial. De acordo com um ex-astronauta da NASA (Agência Espacial Norte Americana), a exploração e colonização de Marte poderia ter ocorrido há muito tempo, na época da primeira viagem a Lua, se não fosse o maior risco de enviar humanos para Marte, em comparação com a realização de missões para a Lua. De acordo com ele, esse seria o principal impedimento da exploração de Marte não ter avançado tanto quanto poderia. Corroborando com isso, a agência espacial americana vem financiando um projeto chamado Marsbee, que pretende enviar enxames de abelhas robóticas para explorarem o planeta vermelho de forma muito mais segura e eficiente, se comparada ao envio de astronautas, já que não envolvem a necessidade de humanos enfrentando esse ambiente inóspito (Bluman et al., 2017)

Com um robô atuando como base móvel e um enxame de robôs com asas semelhantes a de insetos, as Marsbees estão sendo projetadas para realizar tarefas como coleta de amostras e monitoramento ambiental. O uso de diversos robôs inspirados em abelhas não apenas aumenta a flexibilidade e a eficiência das missões, como também minimiza os riscos associados ao envio de humanos para Marte (Kang, 2018).

E no Brasil? 

O Brasil vem se destacando com alguns trabalhos bastante interessantes na área, trazendo evoluções importantes no cenário mundial, como o desenvolvimento de plataformas para o teste e simulações de enxames robóticos, como o HeRo 2.0, que é uma plataforma robusta de baixo custo focada em pesquisas na área de robótica de enxame (Rezeck e Chaimowicz, 2024), e o ARENA, plataforma de realidade aumentada para simulação de armazéns em pequena escala no contexto de sistemas multi-robôs (Limeira e Oliveira, 2021).

Além disso, trabalhos recentes focaram também em defesa, busca e resgate em operações civis e militares utilizando drones com inteligência coletiva. Em um estudo, pesquisadores do ITA (Instituto Militar da Aeronáutica) e da Embraer (Empresa Brasileira de Aviação) fizeram simulações de uma equipe de drones que precisava se defender de ataques de drones “kamikazes”, além de simular a busca de um desaparecido em área de floresta (Giacomossi et al., 2021).

Outro trabalho recente feito por brasileiros bastante relevante, foi a criação de um enxame de robôs para patrulha inspirados em formigas, com objetivo de fazer a vigilância ambiental do Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí, uma importante área de preservação do Cerrado. O trabalho teve foco maior na prevenção de incêndios, devido ao alto risco de incêndios na região (Brasiel e Lima, 2024).

Além desses, diversos outros pesquisadores do país vem se dedicando a desenvolver mais essa área da robótica, seja utilizando tanto simulações quanto robôs físicos nos mais diversos contextos. 

No final, a área da robótica de enxame é uma área jovem, mas muito promissora, que pode levar a produtividade humana a um outro patamar, trazendo uma abordagem única para a robótica e para a computação. Ela tem o poder de, se inspirando nas sociedades animais, atingir os objetivos humanos mais desafiadores com pouco poder computacional e gastando menos que abordagens tradicionais.

Referências

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BLUMAN, J. E.; KANG, C.-K.; LANDRUM, D. B.; FAHIMI, F.; MESMER, B. Marsbee – can a bee fly on Mars? In: 55th AIAA Aerospace Sciences Meeting, 2017. p. 0328.

BRASIEL, H. C.; LIMA, D. A. Swarm Robotics surveillance control with Ant Cellular Automata Model in the Cerrado Biome for preserving biodiversity. Journal on Interactive Systems, Porto Alegre, RS, v. 15, n. 1, p. 375–387, 2024. DOI: 10.5753/jis.2024.3796. Disponível em: https://journals-sol.sbc.org.br/index.php/jis/article/view/3796. Acesso em: 4 nov. 2024.

CHERAGHI, Ahmad; SHAHZAD, Sahdia; GRAFFI, Kalman; KIJI, Sareta. Past, Present, and Future of Swarm Robotics. IEEE Communications Magazine, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1109/MCOM.2002.1024422. Acesso em: 1 nov. 2024.

GIACOMOSSI, Luiz et al. Autonomous and Collective Intelligence for UAV Swarm in Target Search Scenario. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE ROBÓTICA E SIMPÓSIO LATINO AMERICANO DE ROBÓTICA (SBR/LARS), 13. , 2021, Online. Anais […]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2021 . p. 72-77. Disponível em: https://doi.org/10.1109/LARS/SBR/WRE54079.2021.9605450. Acesso em 4 nov. 2024.

KANG, Chang-kwon. Marsbee – Swarm of Flapping Wing Flyers for Enhanced Mars Exploration. Disponível em: https://www.nasa.gov/general/marsbee-swarm-of-flapping-wing-flyers-for-enhanced-mars-exploration/. Acesso em: 14 out. 2024.

KUBE, C. R.; ZHANG, Hong. Collective Robotics: From Social Insects to Robots. Adaptive Behavior, v. 2, n. 2, p. 189-218, 1993. Disponível em: https://doi.org/10.1177/105971239300200204. Acesso em: 1 nov. 2024.

LIMEIRA, Marcelo; OLIVEIRA, André Schneider de. ARENA – Plataforma para Experimentação de Sistemas Multi-Robôs em Ambientes Industriais. In: CONCURSO DE TESES E DISSERTAÇÕES EM ROBÓTICA – CTDR (MESTRADO) – SIMPÓSIO BRASILEIRO DE ROBÓTICA E SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE ROBÓTICA (SBR/LARS), 9. , 2021, Online. Anais […]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2021 . p. 58-69. DOI: https://doi.org/10.5753/wtdr_ctdr.2021.18685. Acesso em 4 nov. 2024.

REZECK, Paulo; CHAIMOWICZ, Luiz. A stochastic approach to generate emergent behaviors in robotic swarms. In: CONCURSO DE TESES E DISSERTAÇÕES (CTD), 37., 2024, Brasília/DF. Anais […]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2024. p. 48-57. ISSN 2763-8820. Disponível em: https://doi.org/10.5753/ctd.2024.2302. Acesso em: 4 nov. 2024.

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Autoria

Hendrik Kees Koppe é estudante de graduação em Ciência da Computação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atualmente está desenvolvendo seu TCC na área de robótica móvel e inteligência de enxame.

Como citar essa matéria:
KOPPE, Hendrik Kees. Robótica de enxame: como robôs simples conseguem realizar tarefas complexas cooperando entre si? SBC Horizontes. ISSN 2175-9235. 05 nov. 2024. Disponível em: <url>. Acesso em: dd mês aaaa.

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