O roubo ao Louvre e a lição de cibersegurança para todos
Relatório aponta uso de senhas fracas e softwares desatualizados pelo museu — prática comum em muitas casas e empresas
O roubo histórico das joias do Museu do Louvre, em Paris, avaliadas em US$ 102 milhões (cerca de R$ 550 milhões), em 19 de outubro, expôs falhas de segurança que vão muito além do plano físico. Documentos de auditorias privadas e da Agência Francesa de Segurança da Informação (ANSSI), obtidos pelo jornal Libération, revelam uma negligência estrutural em práticas básicas de cibersegurança na instituição.
Senhas “LOUVRE” e “THALES”: uma vulnerabilidade anunciada
O ponto mais alarmante dos relatórios foi a extrema fragilidade das senhas de acesso. Um documento de 2014 já alertava que o servidor responsável por gerenciar a rede de câmeras de vigilância do museu utilizava a senha “LOUVRE” (usavam a mesma senha desde 2014 ?!?). O software administrado pela empresa Thales, encarregada da tecnologia de segurança, era protegido por outra senha igualmente previsível: “THALES”.
Além das senhas fracas, os auditores identificaram o uso de sistemas operacionais e programas desatualizados, uma combinação perigosa que abre brechas para a exploração de falhas conhecidas. Falhas conhecidas com exploits consolidados são facilidades muito básicas para os atacantes, mesmo para os menos experientes. Os exploits são códigos ou técnicas que se aproveitam de vulnerabilidades em sistemas ou aplicativos para executar ações maliciosas, como obter dados sensíveis, escalar privilégios ou até interromper serviços críticos. A existência desses exploits para certas vulnerabilidades facilita e muito o trabalho dos atacantes.
Quando o digital enfraquece o físico
O episódio mostra que, no mundo conectado, a segurança física e a digital são inseparáveis. Um sistema de vigilância vulnerável digitalmente torna-se uma porta aberta para ataques que afetam diretamente o mundo real, inclusive o patrimônio cultural.
O caso do Louvre não é isolado. A mesma negligência observada em grandes instituições repete-se em residências, pequenas empresas e dispositivos pessoais conectados à Internet, as chamadas Internet das Coisas (IoT). As câmeras de vigilância domésticas, roteadores, smart TVs, assistentes de voz e até lâmpadas inteligentes podem se tornar alvos de invasões se configurados de forma insegura.
A nova camada de risco: inteligência artificial sem segurança
Nos últimos anos, a incorporação de Inteligência Artificial (IA) em sistemas de segurança, câmeras inteligentes, reconhecimento facial, detecção de movimento, automação de alarmes, trouxe eficiência, mas também novos vetores de ataque.
Modelos de IA mal configurados ou treinados com dados inseguros podem ser facilmente manipulados por técnicas como ataques adversariais, que enganam algoritmos ao alterar dados de modo imperceptível. Além disso, a automatização de sistemas podem levar à superdependência tecnológica, onde decisões críticas (como abrir ou bloquear acessos) são tomadas por algoritmos sem a devida supervisão humana.
Outro ponto de atenção é o uso crescente de IA por criminosos, que já empregam ferramentas generativas para criar e-mails de phishing mais convincentes, deepfakes de voz e imagem, e até scripts automáticos para explorar vulnerabilidades em larga escala. Assim, o mesmo avanço tecnológico que fortalece a defesa pode ser utilizado para aperfeiçoar o ataque.
Lições essenciais para todos
O roubo ao Louvre deixa lições simples, mas fundamentais, que valem tanto para grandes museus quanto para o usuário comum.
1. Use senhas fortes e únicas
Senhas baseadas em nomes, datas, ou palavras comuns, como “admin” ou “123456”, são facilmente quebradas por ataques automatizados. Uma boa prática é combinar letras maiúsculas e minúsculas, números e símbolos, além de evitar qualquer referência direta à pessoa ou à instituição. Utilizar um gerenciador de senhas é uma alternativa prática e segura.
2. Mantenha o software sempre atualizado
O uso de sistemas operacionais desatualizados, como o verificado no caso do Louvre, é um risco crítico. Atualizações não servem apenas para adicionar recursos, mas para corrigir falhas de segurança conhecidas. Ignorar essas correções é deixar a porta aberta para exploits explorarem vulnerabilidades já documentadas.
3. Adote autenticação de dois fatores (2FA)
A ausência de autenticação forte no museu foi outro erro grave. A autenticação de dois fatores adiciona uma camada extra de proteção, exigindo uma segunda forma de verificação, como um código enviado ao celular ou a confirmação em aplicativo, além da senha. Essa medida simples impede que credenciais roubadas sejam usadas de imediato.
4. Reforce a supervisão humana sobre sistemas automatizados
A IA pode auxiliar na detecção de ameaças, mas não deve operar sozinha. É essencial manter mecanismos de supervisão, auditoria e revisão humana sobre os sistemas automatizados. A confiança cega em soluções “inteligentes” pode levar a decisões erradas e brechas graves.
A arte da prevenção
O caso do Louvre evidencia que a segurança digital é uma responsabilidade coletiva. As mesmas falhas que permitiram a invasão de um dos museus mais famosos do mundo estão presentes em milhões de lares e empresas.
O usuário comum tem, portanto, uma lição valiosa: não está sozinho em negligenciar práticas básicas, mas também não está desamparado. Com pequenas mudanças de comportamento, criar senhas fortes, manter sistemas atualizados e ativar a autenticação em duas etapas, é possível reduzir drasticamente o risco de incidentes.
A verdadeira arte da segurança digital está na prevenção consciente, e o caso do Louvre nos lembra que, mesmo diante da sofisticação tecnológica, a fragilidade humana e a negligência com o básico continuam sendo as maiores brechas.
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Esta matéria foi escrita por Christiane Coelho, bolsista do projeto CNPq METIS: Mulheres de Exatas em Cibersegurança da UFMG e pela Profa. Michele Nogueira, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG.
Como citar este artigo:
COELHO, C.; NOGUEIRA, Michele. O roubo ao Louvre e a lição de cibersegurança para todos.
SBC Horizontes, novembro 2025. ISSN 2175-9235. Acesso em: DD mês. AAAA.