Ser um Administrador de Banco de Dados ou um Cientista de Dados, eis a questão…
Imagem de capa gerada pelo Open Art
Por Fabio Lopes
A ciência de dados tem se destacado tanto nas organizações quanto no meio acadêmico. Os produtos analíticos que podemos construir para a geração de conhecimento e a tomada de decisões estão proporcionando avanços nas coisas que fazemos ou consumimos.
Desde 2006, observamos uma evolução significativa com a corroboração dos serviços em nuvem. No meio acadêmico, muitos estudos foram publicados e diversos cursos de graduação e pós-graduação dedicados a essa área surgiram na expectativa de atender demandas para novas carreiras profissionais decorrentes deste fenômeno.
Este cenário me fez recordar algo similar que vivenciamos no final dos anos 1990. Naquele momento, não tínhamos clareza sobre a formação em computação, do ponto de vista mais aplicado, voltado para as necessidades das organizações. As universidades brasileiras ofereciam cursos de graduação com nomes do tipo “Administração com ênfase em Análise de Sistemas” ou similares. Os cursos de tecnologia em Processamento de Dados existiam em quantidade mas não havia um bacharelado que atendesse ao perfil profissional do que hoje conhecemos como Sistemas de Informação.
Esta história está melhor descrita nos “Referenciais de Formação para cursos de graduação em Computação” de 2017. Aqui quero apenas rememorar que, no âmbito da Computação, a questão da formação sempre foi pauta da SBC. Como ocorreu em 1998 com a discussão sobre as DCNs para os cursos de bacharelado e licenciatura em computação. Em 1999 o MEC publicou a DCN99 que norteou a oferta dos bacharelados e licenciaturas em computação. Isto culminou na extinção dos cursos de Processamento de Dados e no surgimento dos bacharelados de Sistemas de Informação.
Já em 2012, a CNE/CES publicou o parecer no. 136 contendo as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Computação, e, posteriormente, a Resolução CNE/CES no. 5 de 2016 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da Computação, abrangendo os cursos de bacharelado em Ciência da Computação, em Sistemas de Informação, em Engenharia de Computação, em Engenharia de Software e de licenciatura em Computação.
Estes documentos passaram por ampla discussão entre os pares de tal modo que ganham a longevidade nos atuais 8 anos de existência.
De modo complementar, tivemos um alinhamento sobre as formações em computação, também discutido no âmbito da SBC que gerou o documento Referencial de Formação para os cursos de graduação em Computação, publicado em 2017. Este documento recebeu uma extensão em 2019 com as competências atitudinais, também publicado pela SBC.
Mas estes documentos não cobriam as competências em Inteligência Artificial e Ciência de Dados que observamos no mercado atual de trabalho. Fato este que impulsionou uma nova jornada de adequações entre escolas, SBC e MEC.
A lacuna de formação em CD e IA já vinha sendo explorada pelas IES, em especial, com a oferta de cursos de Lato Senso, desde meados de 2012 e avançou para a graduação. Dada a prerrogativa das IES no sentido de criar cursos experimentais e inovadores, e a demora do MEC em atualizar o Catálogo Nacional de cursos superiores de tecnologia (a última versão era de 2016), várias denominações surgiram como opção para formação em CD.
Uma consulta rápida ao e-MEC com filtro “Ciência de Dados” nos permite contabilizar 72 cursos cadastrados (43 tecnológicos e 29 bacharelados), que começaram a ser ofertados a partir de 2018, salva exceção do bacharelado presencial de Estatística e Ciência de Dados da USP, com início de oferta em 2009.
Quem oferta cursos tecnológicos EaD na área de CD já observou que o perfil dos ingressos se alinha a uma persona com mais de 25 anos, que ingressa em uma segunda graduação com objetivo de fazer uma transição de carreira. Além disso, trata-se de uma procura crescente para esta formação.
Na SBC, a discussão sobre a formação em IA e CD foram materializadas na publicação de dois Referenciais para Formação: Ciência de Dados (2023) e Inteligência Artificial (2024). Cabe aqui mencionar que esta discussão traz a luz somente as formações plenas, em bacharelados.
No MEC, ainda não temos DCN para IA e CD. Mas tivemos uma intervenção sedimentada no novo CNCST – 4ª. Edição, publicada na Portaria MEC 514 de junho de 2024. Este catálogo, de fato carecia de atualização. O argumento publicado sobre adequações de nomenclatura, mais alinhadas ao CINE e a CBO também são louváveis. Desta forma somos mais assertivos na produção de resultados do ensino e na avaliação de cursos, por meio de instrumentos como o ENADE.
Contudo, a versão digital do catálogo disponível no link https://cncst.mec.gov.br/ tem uma desagradável surpresa para alunos já matriculados em cursos tecnológicos de Ciência de Dados. O CNCST define uma convergência de nomenclaturas instituindo que todos os cursos tecnológicos de Ciência de Dados e similares sejam renomeados para Tecnólogo em Banco de Dados, um nome já existente na versão anterior do catálogo e, como sabemos, que remete a uma outra atuação profissional já consolidada no mercado.
Para completar o desagrado, a Portaria 514, a SERES publicou a Portaria 375 em 30 de julho de 2024 estabelecendo regras de transição para adequação dos cursos à nova edição do CNCST. Aqui encontramos a obrigatoriedade das adaptações que as IES devem fazer de imediato.
Assim, a interpretação dos documentos nos leva a concluir que os cursos superiores de tecnologia em Ciência de Dados, como são formatados hoje, devem ser profundamente reformulados pois, não se trata somente de uma adequação de nome para Banco de Dados. O curso deve atender aos itens que estão descritos no CNCST como, planejamento, projeto, gestão e otimização de bancos de dados.
A leitura inversa também merece consideração, uma vez que o curso de Banco de Dados ganhou novas atribuições como criar soluções para coleta, tratamento, análise, manipulação e extração de conhecimentos e padrões a partir de dados.
É importante salientar que a 4ª. edição do CNCST contempla uma lista de nomes que não devem ser mais utilizados, fazendo com que eventuais manobras contrárias à determinação se tornem inviáveis.
Entendo que esta convergência para Banco de Dados não faz sentido, uma vez que a formação de BD já estava consolidada e o tecnólogo de CD poderia ser mais um curso incluído no CNCST. Se o título Cientista de Dados cabe somente aos bacharéis, cabe aos tecnólogos que estudam modelos analíticos um nome adequado ao conteúdo projetado para uma formação de 2000 horas que não atende a profissão de BD.
A pergunta que tento responder para os 500 alunos matriculados no curso de CD que coordeno no momento: E agora?
Autoria:
Fabio Lopes: É professor pesquisador do programa de Mestrado Profissional em Computação Aplicada do Mackenzie e Coordena o curso de tecnologia em Ciência de Dados (com nome em transição).
Como citar essa matéria:
LOPES, Fabio. Ser um Administrador de Banco de Dados ou um Cientista de Dados, eis a questão… SBC Horizontes. ISSN 2175-9235. setembro de 2024. Disponível em: <https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/09/ser-um-administrador-de-banco-de-dados-ou-um-cientista-de-dados-eis-a-questao/>. Acesso em: dd mês aaaa.