Mulheres na Cibersegurança: Por que ainda somos minoria em um setor cheio de oportunidades?

Mulheres na Cibersegurança: Por que ainda somos minoria em um setor cheio de oportunidades?

Março é o Mês das Mulheres, mas também é um chamado à ação. A equidade de gênero na tecnologia continua longe do ideal — especialmente em áreas como a cibersegurança. Estatísticas de 2024 indicam que o Brasil enfrenta um déficit de 750 mil profissionais na área, segundo dados da Fortinet. Ou seja, há vagas. Mas, por que as mulheres seguem sub-representadas?

Segundo o Cybersecurity Workforce Study (ISC², 2022), apenas 22% dos profissionais de cibersegurança no mundo são mulheres. Isso revela um cenário contraditório: enquanto a demanda por profissionais cresce, o espaço para mulheres continua limitado.

Desigualdade de gênero na tecnologia: um problema estrutural

A baixa presença feminina em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) tem raízes profundas. Vai muito além da escolha de carreira — envolve desigualdade no cuidado doméstico, estereótipos de gênero e barreiras institucionais.

Segundo o IBGE (2022), mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas, quase o dobro do tempo dos homens. Mesmo com jornadas de trabalho semelhantes, essa carga extra limita o tempo para estudo, qualificação e networking — pilares essenciais para uma carreira sólida em tecnologias. Esses estereótipos não só limitam o acesso das mulheres a essas áreas, como também influenciam suas escolhas educacionais e profissionais. A carga de responsabilidades familiares, muitas vezes associada de forma desproporcional às mulheres, pode impactar diretamente sua inserção em áreas como a cibersegurança, além de reforçar ideais sobre a incompatibilidade entre carreira e maternidade.

Além disso, as desigualdades salariais continuam gritantes: mulheres ganham, em média, 19,4% menos que os homens, segundo o Relatório de Transparência Salarial. Em cargos de liderança, a diferença chega a 25,2%. Some a isso os casos de assédio moral e sexual, e o ambiente de trabalho pode se tornar tóxico e excludente.

A cultura do “Brogrammer” e a exclusão disfarçada de meritocracia

A cultura masculina dominante no setor de tecnologia ainda é um obstáculo. O estereótipo do “brogrammer” — um programador com atitude competitiva, autoconfiante e excludente — está presente em muitas equipes de cibersegurança. Isso reforça a ideia de que para prosperar é preciso “agir como homem”, o que afasta muitas mulheres do setor. Esse estereótipo reforça um ambiente hostil, onde as mulheres precisam constantemente lutar para provar que pertencem, em um espaço historicamente dominado por homens.

Essa cultura não afeta só o dia a dia, mas também as chances de liderança. No Brasil, apenas 38% dos cargos de chefia em tecnologia eram ocupados por mulheres em 2023 (FIA Business School). No reconhecimento internacional, a disparidade é ainda mais visível: entre 1901 e 2024, apenas 66 mulheres ganharam o Prêmio Nobel, contra mais de 900 homens.

Exemplos que inspiram mudança

Apesar dos desafios, algumas mulheres estão quebrando o ciclo. Whitney Wolfe Herd, fundadora do app de relacionamentos Bumble, deixou o Tinder após denunciar assédio e criou uma plataforma com foco em segurança feminina. Sua trajetória mostra que mulheres podem, sim, liderar mudanças na tecnologia. Depoimentos reais de mulheres que atuam na cibersegurança também são fundamentais para mudar narrativas, inspirar novas gerações e mostrar que é possível — mesmo com os obstáculos.

Exemplos de inclusão na prática

Diante dos desafios que a presença feminina ainda enfrenta na cibersegurança e em outras áreas de STEM, a busca por soluções passa por esforços coletivos. Empresas, profissionais e iniciativas de incentivo desempenham um papel essencial na construção de um ambiente mais equitativo. A atuação das empresas é um dos fatores determinantes para reduzir disparidades. Diversos estudos indicam que equipes de liderança diversificadas tomam decisões mais embasadas, levando a melhores resultados. O Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2023 do Fórum Econômico Mundial destaca que a paridade de gênero é essencial para a estabilidade financeira e o desempenho econômico. Criar políticas que incentivem a presença de mulheres em cargos de decisão não é apenas uma questão de inclusão, mas também um diferencial estratégico para a inovação e o crescimento sustentável.

Além das empresas, os homens que já ocupam espaços na cibersegurança e na tecnologia podem desempenhar um papel importante na transformação desse cenário. Usar sua posição para apoiar a presença feminina não significa apenas incentivar mulheres a ingressarem na área, mas também abrir espaço para suas vozes. Isso envolve escutar ativamente, dar visibilidade ao trabalho das profissionais e garantir que casos de misoginia e discriminação sejam tratados com a seriedade necessária. Pequenas mudanças na cultura organizacional podem gerar impactos significativos na retenção e ascensão de talentos femininos.

Iniciativas que incentivam e reconhecem o papel das mulheres na tecnologia fazem a diferença. Em 2024, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançou a primeira edição do Prêmio Mulheres e Ciência, destacando a atuação de pesquisadoras e cientistas no Brasil. Da mesma forma, o WOMCY, organização focada na inclusão de mulheres na cibersegurança, promove capacitação, networking e oportunidades para que mais profissionais do gênero feminino ingressem e cresçam na área.

Além dessas iniciativas, programas dedicados ao desenvolvimento de mulheres na tecnologia desempenham um papel essencial. Um exemplo é o projeto METIS, idealizado por professoras do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG e coordenado pela professora Michele Nogueira. Inspirado na deusa da proteção, o projeto reconhece que a cibersegurança vai além da tecnologia, exigindo abordagens multidisciplinares que envolvem não apenas computação, mas também matemática, estatística e engenharia. O projeto tem como missão incluir mais mulheres na cibersegurança e atua em frentes como capacitação técnica, mentoria, eventos, comunicação e inclusão social.

Suas ações incluem:

  • Capacitação Técnica: cursos e workshops para desenvolver habilidades práticas;

  • Mentoria: conexão entre estudantes e profissionais experientes;

  • Eventos: palestras, conferências e rodas de conversa sobre segurança digital;

  • Parcerias: com empresas e instituições para ampliar oportunidades de estágio e emprego;

  • Inclusão Social: foco em mulheres em situação de vulnerabilidade.

O futuro da cibersegurança precisa ser mais feminino

A cibersegurança é um campo em crescimento, com grande demanda por profissionais qualificados. Mas não basta atrair mulheres para a área — é preciso mudar a cultura do setor, garantir ambientes seguros, políticas inclusivas e espaço para que elas cresçam e liderem. Em um mundo onde 25% dos governos retrocedem em direitos das mulheres, essas iniciativas listadas provam que a inclusão é viável e urgente. Ao unir educação, oportunidades e defesa da inclusão feminina, essas iniciativas não apenas preenchem lacunas do mercado, mas redefinem o que significa ser um profissional de cibersegurança — mostrando que equidade e excelência técnica caminham juntas.

Se você é mulher e tem interesse em tecnologia, o projeto METIS e o CCSC Research estão de portas abertas. A transformação do mercado começa quando mais vozes se levantam e ocupam espaço.

Siga o METIS: @metis_ufmg | metis@dcc.ufmg.br | metis.projeto@gmail.com 
Conheça o CCSC Research: ccsc.research@gmail.com | www.ccsc-research.org

Sobre a autora: Esta matéria foi escrita por Isabela Santos, aluna do curso de Matemática Computacional do Departamento de Ciência da Computação da UFMG. 

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