Resenha do livro “IA generativa e educação: práticas e teorizações”
Autores: Mariano Pimentel; Felipe Carvalho (12/11/2025)
Ilustração da capa: Mariano Pimentel e Gemini (Nano Banana)
Nosso livro “IA generativa e educação: práticas e teorizações” acaba de ser publicado pela Sociedade Brasileira de Computação. Como os demais livros da SBC, esse também tem acesso aberto (CC-BY). O PDF do livro está disponível para download na página da SBC. O livro também está disponível em formato web-livro, que consiste em páginas web que se adaptam à tela do seu dispositivo (smartphone, tablet, laptop e desktop) proporcionando uma leitura mais ergonômica. Foram aproximadamente 3 mil downloads realizados nas duas primeira semana de publicação do livro – viva a ciência aberta!
O livro é um convite para a experimentação e a reflexão sobre o papel da IA generativa na educação. O texto foi tecido com pesquisas científicas, narrativas de estudantes e docentes, citações de outros autores, notícias, histórias, reflexões e muito esforço para teorizar o uso pedagógico da IA generativa. O objetivo do livro é apoiar docentes a inventar práticas didáticas com as tecnologias generativas, compreendendo o lugar delas na educação e o nosso enquanto educadoras/es.
O livro contém 21 capítulos organizados em três partes. Na Parte I, discutimos algumas práticas e implicações da IA generativa em contextos educacionais. Na Parte II, abordamos aspectos históricos e técnicos da IA generativa. Na Parte III, elaboramos um arcabouço teórico para o uso pedagógico das tecnologias generativas. Os capítulos são relativamente independentes, então você pode começar a leitura pelo que mais lhe chamar a atenção. Para apoiar essa escolha, apresentamos, a seguir, um resumo de cada seção e capítulo do livro.
Boa leitura!
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Sobre o Livro (por Edméa Santos)
Edméa Santos nos brindou com o conceito “livro-curso”, reconhecendo o livro como um curso para a formação docente. Um livro-curso não como guia ou receituário, mas como experiência, uma obra viva aberta à crítica e ao refinamento contínuo. Ela, que acompanhou a produção desta obra, valorizou as imersões empíricas em interfaces de IA e as conversas com estudantes e docentes, que é o dispositivo metodológico e pedagógico central do livro. “Mariano Pimentel e Felipe Carvalho são uma dupla na vida e na parceria acadêmica no campo da Educação e Cibercultura. […] Eles não separam a docência da investigação acadêmica de excelência. […] Livro para fazer ciência em nosso tempo. Como leitora privilegiada, super recomendo. Aproveitemos!”
Prefácio: Paulo Freire e a IA generativa (por Marco Silva)
“Se Paulo Freire estivesse vivo e inserido no contexto cibercultural, provavelmente utilizaria a inteligência artificial generativa em suas aulas, pesquisas e publicações” — essa é a afirmação que abre o prefácio assinado por Marco Silva. Ele situa a IA generativa no horizonte freireano argumentando que essa tecnologia, se bem utilizada, pode ampliar a autoria e o pensamento crítico sem substituir a dialogia humana, favorecendo uma educação autêntica pela articulação entre a pedagogia da pergunta e a pedagogia do prompt. Silva destaca três fundamentos da IA generativa que foram trabalhados no livro: o generativo (capacidade responsiva e combinatória), o conversacional (iterações que estruturam a investigação) e a cocriação (processo no qual humano e IA trabalham juntos na produção de uma obra). Apresenta o livro como uma resposta oportuna às tensões que atravessam a docência, uma referência atualizada e formativa, capaz de orientar professoras/es e pesquisadoras/es na exploração crítica das potencialidades e limites da IA generativa na sala de aula e na pesquisa.
Apresentação: Tensões disparadas pelo uso da IA generativa na educação
Este livro teve início com os textos que produzimos para a coluna Educação desta revista, a Horizontes. Ao longo dos 2,5 anos que estivemos envolvidos na produção dessa obra, conduzimos algumas pesquisas empíricas, escrevemos artigos ensaísticos e científicos, realizamos dezenas de cursos e oficinas sobre o uso da IA generativa no ensino superior e mais de cem palestras. Essas ações nos possibilitaram ter acesso a diversas questões e pontos de vista de estudantes e de docentes-pesquisadoras/es preocupadas/os com essa temática, cujas vozes teceram conosco este texto, composto por múltiplos fios-narrativas de usuárias/os de tecnologias generativas. Neste processo de dar sentido ao uso pedagógico da IA generativa, partimos do reconhecimento de sua ambivalência: estudantes podem tanto “colar” dela quanto aprender com ela. Portanto, não cabe tratá-la como estritamente boa ou má. Tecemos este texto entrelaçando pedagogia, cultura, aspectos históricos e técnicos, humanidades, filosofia e suas dimensões ontológica, ética, estética e política visando dar contribuições para apoiar a invenção de práticas didático-pedagógicas com o uso de IA generativa a partir das teorizações que ousamos aqui formular.
PARTE I — Usos e implicações para a educação
1. A era da IA generativa: quais as implicações para a educação?
Neste capítulo, discutimos a explosão da IA generativa ocorrida na virada da década de 2020, especialmente após o lançamento do ChatGPT no final de 2022. Esse fenômeno sociotécnico levou a uma disputa entre as superpotências mundiais, EUA e China, para definir quem se tornará a líder mundial em IA. Cabe-nos, enquanto educadoras/es, compreender como integrar as tecnologias generativas aos contextos formativos, refletindo sobre a ética e a intencionalidade pedagógica.
2. A capacidade de gerar boas respostas sobre conteúdos científico-educacionais
Muitas pessoas consideram a IA generativa inútil porque ela comente erros, tem “alucinações”, produz conteúdos com vieses, estereótipos e outros problemas. Essas limitações não devem nos fazer concluir que a IA generativa é inútil. Como evidenciado por testes, os modelos de linguagem vêm avançando rapidamente na capacidade de responder corretamente a questões relacionadas a conteúdos científico-educacionais. Por exemplo, o modelo GPT 5-thinking acertou 96% das questões do ENEM 2024, e, entre todas as 8 milhões de pessoas que fizeram as quatro provas do Enem nos últimos três anos, somente 5 pessoas acertaram mais questões do que esse modelo. Portanto, praticamente todos as/os estudantes do ensino médio que estão se preparando para o Enem podem se beneficiar em estudar com o ChatGPT, pois ele acerta mais questões do que elas e ainda explica o raciocínio empregado na resolução de cada questão. O modelo GPT 3.5, lançado em novembro de 2022, era comparável à capacidade de um estudante do ensino médio em responder questões sobre conteúdos científico-educacionais; já o modelo GPT 4, lançado em 2024, era comparável a um estudante universitário; agora o modelo GTP 5 é comparado a uma pessoa com doutorado em todas as áreas. Nesse ritmo, onde iremos parar?
3. O uso da IA generativa em atividades acadêmicas e escolares é uma trapaça?
O uso de IA generativa constitui-se em uma trapaça acadêmica quando substitui o esforço intelectual de estudantes. Contudo, quando ela é utilizada após o esforço inicial de elaboração do estudante, utilizada para revisar e ampliar a reflexão, ela se torna uma parceira da aprendizagem. Mostramos que os sistemas “detectores de IA” são falíveis e facilmente dribláveis pelos sistemas “humanizadores de IA”. Concluímos que precisamos educar para o uso ético, estético e político das tecnologias generativas, apoiando estudantes a refletirem sobre elas e delas se apropriarem de modo formativo, sendo esse um compromisso que devemos assumir na preparação de uma geração que já utiliza a IA generativa cotidianamente.
4. Inventando formas de utilizar a IA generativa no cotidiano educacional
Neste capítulo, apresentamos algumas possibilidades de uso da IA generativa no cotidiano educacional. Mostramos como a IA pode apoiar o estudo-aprendizagem (explicações, resumos, questionários para autoavaliação), o ensino (planejamento de aulas, elaboração de atividades, rubricas de avaliação, feedback com supervisão), a escrita (rascunhos, revisão e tradução), a pesquisa (análise de dados, revisão de literatura, elaboração de instrumentos de pesquisa) e a imaginação (para produzir imagens e vídeos). Também exemplificamos a utilidade da personalização de modelos de linguagem com a criação do GPT Paulo Freire. Finalizamos com a discussão da inserção das tecnologias inteligentes na Educação Básica em diálogo com a BNCC. Cada contexto educacional demanda invenção de práticas didático-pedagógicos específicas, sempre considerando o uso ético e formativo de IA generativa de modo a ampliar a autoria de estudantes e a mediação docente, nunca para substituí-las.
5. O que as/os estudantes nos ensinam sobre os usos da IA generativa?
As pesquisas e os depoimentos de estudantes evidenciam que a IA generativa já está em nossa sala de aula, em diversas rotinas acadêmicas: na aprendizagem, na pesquisa, na escrita, na programação etc. As/os estudantes universitárias/os, que não são idiotas culturais, também reconhecem as limitações da IA generativa, especialmente sua alucinação, o que as/os levam a desenvolver táticas para engenhar prompts e verificar os resultados gerados. Argumentamos que a massiva adoção da IA generativa por estudantes e professoras/es de todos os níveis educacionais requer uma reconfiguração das situações didáticas, ampliando a tríade estudante-docente-conhecimento para incluir também a IA como mediadora do processo educacional.
6. O que as/os docentes dizem sobre os usos da IA generativa na educação?
Reunimos conversas e relatos de colegas para cartografar como nós, docentes, temos enfrentado a chegada da IA generativa. Identificamos diversos posicionamentos, dos que negam a importância da IA generativa nos processos formativos aos que a experimentam de forma crítica. As pesquisas mostraram que a maioria das/os docentes passou a utilizar a IA generativa em 2024 e 2025 para finalidades como: planejamento de aula, personalização de atividades e dar feedback às/aos estudantes. Ao mesmo tempo, persistem lacunas de formação e condições de uso. A questão não é usar ou proibir o uso da IA generativa, mas redesenhar currículos e práticas visando potencializar o trabalho pedagógico sem substituir nossa mediação e responsabilidade profissional. Essa demanda do nosso tempo aponta para a urgência de políticas e iniciativas institucionais de formação docente e desenvolvimento profissional para o uso pedagógico de IA generativa e outras tecnologias computacionais.
7. Formação docente para o uso de IA generativa
Neste capítulo, defendemos que a formação inicial e o desenvolvimento profissional contínuo de docentes são decisivos para evitar tanto o negacionismo quanto o entusiasmo acrítico em relação ao uso pedagógico, ético e inventivo das tecnologias digitais, incluindo as tecnologias generativas. Mostramos, com uma experiência concreta de um curso de formação continuada de professoras/es universitárias/os com duração de 20h, que é possível desenvolver competências em IA generativa articulando teoria e prática.
PARTE II — IA em foco
8. Uma história sobre os desenvolvimentos que tornaram a IA generativa possível
A IA generativa não surgiu com o lançamento do ChatGPT em 2022, ela é o resultado de uma longa história de desenvolvimentos técnico-científicos e socioculturais, que inclui diversos marcos importantes, como a criação de um modelo matemático de neurônio artificial (1943), a formulação do Teste de Turing (1950), o chatbot Eliza (1964), a popularização de técnicas de redes neurais (1980’s), a demonstração da utilidade de rede neural profunda (1998), aplicações comerciais de aprendizagem profunda (2010’s), arquiteturas de redes neurais mais elaboradas como o Transformer (2017), até as primeiras versões do modelo GPT antes do lançamento do ChatGPT. Portanto, a IA generativa não foi criada agora e do zero; ela tem uma trajetória de mais de sete décadas de pesquisas e desenvolvimentos.
9. Os bastidores da IA generativa
Mostramos que a IA generativa não é apenas uma interface simpática de conversa. O chatbot é apenas a ponta visível de um vasto arranjo sociotécnico: infraestrutura computacional gigantesca, investimentos bilionários, capitalismo de dados, regimes jurídicos controversos, exploração do trabalho em países periféricos e forte concentração de poder informacional nas Big Techs. Conhecer os bastidores da IA generativa possibilita compreender que não se trata de uma moda passageira, nem de uma “ferramenta neutra”, mas de uma tecnologia estruturante do presente, atravessada por disputas geopolíticas, econômicas, culturais e éticas, o que nos ajuda a ter uma postura crítica e politicamente situada diante dessa tecnologia que disputa o futuro da educação e a soberania digital e epistêmica de nosso país.
10. A IA é realmente inteligente?
A IA generativa é inteligente, ainda que não tenha consciência, emoções ou subjetividade. Ela não pensa como os humanos. Sua inteligência maquínica é estatística, com raciocínio orientado à realização de tarefas e à produção de respostas plausíveis. A IA desafia a crença de que a inteligência e a linguagem são características exclusivas do Homo sapiens, produzindo uma nova “ferida narcísica” (hipótese de Santaella e Kaufman).
11. O que esperar do futuro?
A inteligência artificial pode avançar a tal ponto que superará a inteligência humana, passando a se autoaperfeiçoar até chegar a uma superinteligência que transformará radicalmente a sociedade — a esse ponto, que não temos como prever suas consequências para a humanidade, dá-se o nome de Singularidade Tecnológica. Os discursos sobre esse ponto hipotético oscilam entre promessa de salvação e ameaça apocalíptica. Buscamos desmontar tanto o entusiasmo ingênuo quanto o catastrofismo alarmista em torno da singularidade tecnológica, mostrando que o futuro da IA não está dado por curvas exponenciais, mas será moldado por decisões políticas, econômicas, regulatórias e educacionais. Ao mesmo tempo, reconhecemos o fato de que a IA já atingiu um nível de desenvolvimento suficientemente preocupante para exigir, no presente, regulamentação robusta e educação para o uso crítico, ético e formativo.
12. Como a IA generativa funciona?
Com este capítulo, queremos desmistificar a IA generativa, desfazer a aura de “magia” mostrando que o seu funcionamento decorre de um conjunto de técnicas computacionais compreensíveis: algoritmos, modelos estatísticos e redes neurais profundas que aprendem padrões de linguagem a partir de grandes quantidades de dados. Partimos do primeiro chatbot, ELIZA, para mostrar que mesmo um algoritmo simplório de Processamento da Língua Natural (PLN) pode nos fazer acreditar que a máquina compreende o que estamos dizendo (Efeito ELIZA). Discutimos diversas técnicas que possibilitaram o desenvolvimento da IA generativa, incluindo: aprendizagem de máquina, modelos estatísticos de linguagem e redes neurais artificiais. Fizemos uma introdução a redes neurais profundas e deep learning, explicando como o modelo aprende padrões de coocorrência em treinamento auto-supervisionado. Por fim, destrinchamos a sigla GPT: Generativo, Pré-treinado, e baseado na arquitetura Transformer. Mostramos que o cérebro maquínico da IA generativa é um conjunto de tabelas com números que resultaram do treinamento para prever a próxima palavra que melhor completa um texto. Portanto, essa tecnologia não tem uma base de textos a ser consultada para montar a resposta, como também não tem consciência, emoções ou subjetividade. Dessa forma, buscamos oferecer às/aos leitoras/es fundamentos técnicos para uma apropriação capaz de escapar tanto da divinização quanto da demonização da tecnologia, para assim fazer-pensar usos pedagógicos cientes de suas potencialidades e limitações técnicas.
13. Engenharia de prompt
O prompt pode ser entendido como um comando para a IA generativa, uma espécie de “programação em língua natural” cuja qualidade determina a pertinência das respostas. Alguns equívocos comuns na elaboração de prompts: não explicitar a tarefa a ser realizada pela tecnologia generativa, incluir informações irrelevantes, antropomorfizar a IA, tentar ensinar uma informação nova ao modelo de linguagem, ou exigir a recuperação de informações como se a IA fosse uma grade enciclopédia ou indexasse informações que estão na web ou em livros. A Engenharia de Prompt nos ensina a projetar prompts de modo a aumentar a chance da IA gerar uma resposta adequada. Contudo, mesmo prompts bem engenhados não eliminam a possibilidade de alucinação, vieses ou respostas superficiais, por isso a Engenharia de Prompt precisa ser acompanhada de leitura crítica, verificação e julgamento humano. Convidamos as/os leitoras/es a desenvolverem, em seu trabalho educativo, um letramento em IA que articule conhecimentos técnicos com os pedagógicos.
PARTE III — Teorizações
14. Ontologia da IA generativa: o que ela realmente (não) é
Neste capítulo, apresentamos o quadro conceitual que fundamenta as teorizações pedagógicas e éticas desenvolvidas nos capítulos seguintes. Partimos da compreensão da IA generativa como entidade conversacional e coautora. A partir desse entendimento ontológico, identificamos novas práticas de leitura e de escrita com IA generativa, e introduzimos duas noções centrais de nosso quadro teórico: o leitor generativo e a autoria híbrida humano-IA.
15. Leitor generativo
Partimos da constatação de que muitas pessoas estão passando várias horas lendo os textos que pedem para a IA gerar, o que nos levou ao reconhecimento do/a leitor/a generativo/a. Com base nos perfis cognitivos de leitores, teorizados por Santaella, compreendemos que a IA generativa está sendo utilizada como extensão da nossa inteligência humana, fazendo emergir novas práticas de leitura e reconfigurando nossa relação com o conhecimento. A partir de depoimentos de estudantes, distinguimos três finalidades centrais da “leitura conversada” com IA generativa: leitura didática, voltada à compreensão de conteúdos a serem aprendidos; leitura informativa, para buscar informações substituindo parcialmente as buscas na web; e metaleitura, quando se deseja conhecer o conteúdo de alguma obra sem lê-la diretamente. Por um lado, a leitura conversada com IA possibilita emergir novas práticas de aprendizagem e estudo; por outro, há o risco de ser um atalho que pode dificultar o desenvolvimento da leitura contemplativa e de competências interpretativas.
16. Autoria híbrida humano-IA
Refletindo sobre a nossa própria experiência de escrita com IA generativa nos últimos dois anos, reconhecemo-nos como autores híbridos, cujos processos de criação já foram reconfigurados. As tecnologias generativas inauguraram a era de autoria híbrida humano–IA, na qual escrever, produzir imagens, programar e outras atividades criativas agora podem ser realizadas com IA generativa. Propomos uma tipologia para analisar e reconhecer diferentes formas de criar com IA generativa: criação assistida, criação híbrida e criação delegada à IA generativa. Na criação assistida, o protagonismo é humano e a IA generativa fornece auxílio superficial, sem interferir muito na obra em produção. Na criação híbrida, a IA generativa atua como interlocutora ampliando nossa criatividade e afetando diretamente a obra em produção, o que nos leva a reconhecê-la como uma coautora. Na criação delegada à IA generativa, a obra é produzida pela tecnologia havendo pouca ou nenhuma participação humana nas decisões de concepção e execução do resultado final, possibilitando a fraude quando a IA é utilizada como criadora-fantasma. Não reconhecemos a autoria assistida e a híbrida como fraude ou trapaça acadêmica. Temos o dever de formar estudantes para usarem a IA como assistente e coautora-interlocutora, jamais como substituta de própria autoria.
17. Concepções pedagógicas do uso da IA generativa
Neste capítulo, retomamos o clássico trabalho de Valente sobre as possibilidades de uso do computador na educação: como máquina de ensinar, como ferramenta para apoiar a construção de conhecimentos e como meio de comunicação-interação. Argumentamos que a IA generativa consolida duas novas concepções: o computador como interlocutor (estudantes conversando diretamente com sistemas baseados em IA generativa) e como coautor (com a cocriação de textos, imagens, sons e vídeos). Ao mesmo tempo, a IA generativa também possibilita o desenvolvimento de versões mais sofisticadas das máquinas de ensinar. Essas concepções ajudam a situar criticamente os usos da IA generativa na educação: de um lado, modelos instrucionistas e automatizados; de outro, práticas fundadas em conversação e coautoria. Com essas diferentes concepções pedagógicas para o uso de IA generativa, buscamos oferecer às/aos leitoras/es um referencial teórico para o uso das tecnologias generativas no contexto educacional.
18. IA generativa como interlocutora
Ao defendermos a possibilidade de estabelecer uma conversação com a IA generativa e de aprender a partir dessa interação, não estamos propondo a substituição das interações sociais. Valorizamos todas as formas possíveis de interlocução na educação: com professoras/es, colegas, grupos, turma e, também, com a IA generativa. Há, no entanto, um risco importante: que a conversação com a IA se torne tão atraente e confortável que muitas pessoas passem a preferi-la à interação humana, evitando o enfrentamento do pensamento divergente e das diferenças que habitam a sala de aula. Torcemos para que a chegada da IA generativa sirva para valorizar o diálogo na educação, nunca para substituir os encontros.
19. IA generativa como coautora
A IA generativa expande nossas possibilidades de expressão. Por outro lado, ela também torna trivial o plágio e a reprodução acrítica, por isso é necessário formar para a autoria. Atividades que pedem apenas releituras ou respostas de acordo com o livro-texto são facilmente terceirizáveis à IA. Cabe a nós, docentes, arquitetar situações em que estudantes se autorizem a narrar a vida, posicionar-se criticamente e construir sentidos. Convocamos a educação a valorizar a autoria em todos os níveis e modalidades de ensino, e a inventar práticas de autoria híbrida humano-IA que façam da formação um processo de autorização de si.
20. IA generativa como máquina de ensinar: o fim da docência humana?
A IA generativa, por si só, não é uma professora nem é uma máquina de ensinar, pois ela não tem intencionalidade pedagógica, currículo, plano de ensino ou responsabilidade pela formação. Contudo, ela pode ser acoplada a sistemas instrucionistas e plataformas desenhadas para automatizar a instrução, atualizando a velha instrução programada e a educação bancária em versões inteligentes, plataformizadas, gamificadas, dataficadas e potencialmente sem docentes. A questão se “a IA substituirá professores?” não pode ser respondida com um simples sim ou não, pois depende de disputas políticas, econômicas e pedagógicas. Defendemos, como António Nóvoa, que nada substitui um bom professor, nem a IA generativa.
21. Que educação desejamos?
Na era da IA generativa, a questão central a ser discutida é: que educação queremos? Discutimos três possibilidades: educação sem tecnologias digitais (como muitas salas de aula presenciais), educação totalmente digital (sem professoras/es humanas/os, como nos cursos online massivos), e educação híbrida (presencial e online, e também com mediação humana e da IA generativa). Defendemos a educação híbrida articulada à inclusão digital, ao letramento cibercultural e à valorização da mediação docente, tendo a IA generativa como aliada nos processos formativos, jamais como substituta de professoras/es.
Sobre os autores
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Mariano Pimentel é doutor em Informática e atua como professor na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Recebeu prêmio Jabuti em 2012 pelo livro Sistemas Colaborativos. Realiza pesquisas em sistemas de informação, educação, cibercultura e colaboração. |
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Felipe Carvalho é doutor em Educação e atua como professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (PPGE/UNESA) e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Saúde da Afya UNIGRANRIO (PPGECS). É coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação e Cibercultura (GPEC/CNPq). Realiza pesquisas em informática na educação, formação de professores, didática e cibercultura. |
Como citar este artigo:
PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Resenha do livro “IA generativa e educação: práticas e teorizações”. SBC Horizontes, 12 nov. 2025. Disponível em: <https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/11/iaeducacao>. Acesso em: DD mês. AAAA.
























