Professora da UFPR é a primeira mulher a coordenar comitê internacional da Internet
Em texto exclusivo para a Horizontes, a Professora Michele Nogueira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), fala sobre a coordenação do IEEE Internet Technical Committee (ITC) – da Sociedade de Comunicação (ComSoc). Michele é a primeira mulher a assumir a coordenação do ITC da IEEE desde a sua criação há mais de 25 anos. Na foto destaque da matéria, em 2018 a docente recebeu o reconhecimento por participar da organização do evento IEEE ICC na cidade do Kansas, Missouri.
Por Michele Nogueira
A Internet tornou-se algo tão comum nos nossos dias que, por vezes, parece nem mesmo existir. Nos damos conta da sua importância e facilidade quando ficamos sem seu acesso. Estamos rodeados pelos seus serviços, de forma cada vez mais transparente e ubíqua, por exemplo, o simples envio de email, o acesso às redes sociais, o envio de uma mensagem a um grupo do WhatsApp e até mesmo quando chamamos nossa carona usando o aplicativo Uber. Esses últimos, chamados de serviços compartilhados, são uma tendência, oferecendo maior interatividade e revolucionando completamente os serviços clássicos. Esses são poucos exemplos, porém representativos, do que a Internet nos oferece no dia-a-dia.
Para a nova geração, é difícil imaginar a vida sem a Internet. Assim como é difícil imaginarmos a vida sem energia elétrica para iluminar nossas ruas e casas.
Apesar de períodos diferentes, o feito realizado por Leonard Kleinrock, Vint Cerf e muitos outros idealizadores e executores do projeto ARPANET, nos EUA, pode ser comparado à descoberta de Thomas Edison. O projeto ARPANET teve um de seus marcos a transmissão da primeira mensagem partindo de um computador fisicamente instalado na sala 3420, Boelter Hall, do Departamento de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade da Califórnia (UCLA) para um computador no Stanford Research Institute. A primeira mensagem transmitida na ARPANET continha inicialmente o texto “LOGIN”, mas foi truncada para “LO“, devido a uma falha. Isto, portanto, não impediu o desenvolvimento e os avanços posteriores da Internet.
Depois de 50 anos, a Internet continua revolucionando nossa forma de interagir, comunicar, trabalhar, estudar, e realizar atividades corriqueiras, como as transações financeiras, compras e outros. A indústria já considera seus efeitos como a quarta revolução industrial, conforme denominado por Klaus Schwab, fundador do fórum econômico mundial. O mundo está mudando cada vez mais rápido. Estamos mais e mais conectados, o que nos oferece um meio propício para novos serviços desde a escala nano até a escala macro.
É neste contexto de revolução e avanços que, em 1 de Janeiro de 2020, assumi com prazer a coordenação do comitê técnico da Internet (Internet Technical Committee – ITC) da Sociedade de Comunicação (ComSoc) do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE). Este é um comitê conjunto entre a IEEE ComSoc e a Internet Society (ISOC) cujo papel é estimular o intercâmbio técnico interdisciplinar, o desenvolvimento de comunicações de última geração e tecnologias relacionadas à infraestrutura de rede e serviços da Internet.
Esta é a primeira vez, desde sua criação em 1994, que o comitê está sob a coordenação de uma mulher e representante da América Latina. Fico muito feliz por esta oportunidade e entendo os desafios.
O comitê tem o desafio de gerar novas ideias técnicas a partir da interação entre a Internet e as comunidades de redes públicas, trabalhando para o desenvolvimento mundial de uma Internet onipresente, multimídia e de alto desempenho. O escopo do comitê inclui:
- a evolução do protocolo IP;
- problemas de arquitetura e dimensionamento;
- serviços de endereçamento e roteamento;
- protocolos e tecnologias de suporte à mídia em tempo real;
- controle dinâmico da qualidade de serviço;
- políticas de controle de congestionamentos e admissão;
- sinalização e gerenciamento de rede;
- acesso através de várias redes locais e metropolitanas;
- recuperação e compartilhamento de informações; e o
- desenvolvimento de novos paradigmas da Internet, como a virtualização de rede, a rede centrada em informações e a Internet das Coisas (IoT).
Além das atividades técnicas e científicas, o escopo do ITC inclui o suporte na criação de padrões abertos para a Internet impulsionados pela Internet Engineering Task Force (IETF).
Apesar da ampla dimensão das atividades técnicas e científicas do comitê, o maior desafio consiste em coordenar todas essas ações, fomentar novos grupos de trabalho e promover a interação entre profissionais da academia e da indústria em prol do desenvolvimento da Internet. É exatamente neste ponto em que reside um dos meus principais objetivos para o mandato de dois anos: aumentar a participação ativa de profissionais brasileiros neste comitê.
O Brasil, por suas dimensões continentais e diferenças, torna-se naturalmente representativo do cenário das estruturas e das demandas da Internet, exigindo os cuidados com o desempenho e segurança computacional, e ao mesmo tempo podendo colaborar fortemente para o desenvolvimento da Internet. O Brasil tem muitos profissionais qualificados e engajados com os avanços da Internet, alguns deles inclusive tiveram formação na UCLA, berço da Internet. A Rede Nacional de Pesquisa (RNP) e o CGI.br, por exemplo, são instituições brasileiras envolvidas no desenvolvimento da Internet. Agregar esforços com o comitê da Internet da IEEE ComSoc tem o potencial de fortalecer a atuação brasileira, contribuindo ainda mais com o nosso posicionamento neste cenário de transformação da sociedade digital.
Espero contribuir positivamente para o desenvolvimento da Internet, coordenando as ações do comitê, e para a atuação do Brasil e da América Latina neste contexto.
Saudações,
Michele Nogueira
Coordenadora do Comitê Técnico da Internet da IEEE ComSoc
Para mais informações:
https://itc.committees.comsoc.org
Para aqueles interessados em participar do comitê:
https://itc.committees.comsoc.org/membership/
Sobre a autora:
Michele Nogueira Lima possui doutorado em Ciência da Computação pela Sorbonne Université – UPMC/LIP6, França, e mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou pós-doutorado na Universidade Carnegie Mellon, EUA. Michele é professora associada do Departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná e integrante permanente do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Informática da UFPR. É membro sênior da Association for Computing Machinery (ACM) e do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE). Michele tem se dedicado a pesquisas voltadas à área de segurança de redes, resiliência e sobrevivência de redes, e comunicação sem fio com aplicações em vários setores da sociedade, tais como saúde e transportes. Suas pesquisas têm resultado na proposição de modelos matemáticos, protocolos e arquiteturas de sistemas. Atuou como pesquisadora visitante do laboratório Broadband Wireless Networks (BWN) no Instituto de Tecnologia da Geórgia (GeorgiaTech), EUA, e possui atuação ativa em sua área de pesquisa, coordenando e participando de projetos e de comitês técnicos de programa. Michele é autora do primeiro livro no Brasil que trata do uso de comunicação sem fio na área da saúde publicado em 2010 sob o título “Saúde Móvel: Conceitos, Iniciativas e Aplicações”, e uma das idealizadoras da solução de autenticação/segurança para IoT (United States Patent and Trademark Office No. 62287832). Como reconhecimento aos resultados de sua pesquisa, a professora foi agraciada, em conjunto com seus colaboradores e estudantes, por dez vezes com prêmios de melhor artigo e menção honrosa em eventos nacionais e internacionais. Foi coorientadora da melhor dissertação de mestrado na área de segurança em sistemas computacionais (2010-2012) e membro do comitê consultivo da Comissão Especial em Segurança da Informação e de Sistemas Computacionais da Sociedade Brasileira de Computação. É editora técnica associada dos periódicos “IEEE Communications Magazine”, “Computer Communications” e “Journal of Network and Systems Management”.