O papel das ‘fake news’ no surto de COVID-19
Não por acaso o tema ‘fake news’ está de volta à coluna Beyond the Horizon. A Organização Mundial da Saúde já alertou que estamos em meio a uma ‘Infodemia‘ devido à abundância de informação (e desinformação) circulando online sobre a pandemia! A Prof. Márjory Da Costa-Abreu, professora na área de Inteligência Artificial na Sheffield Hallam University, no Reino Unido, descreve aqui os desafios para a área da Computação e compartilha algumas dicas de como evitar espalhar informação não confiável. Boa leitura e, por favor, dessa vez, compartilhe!
Lara Piccolo – editora da coluna Beyond the Horizon
O papel das ‘fake news’ no surto de COVID-19
Por Márjory Da Costa-Abreu
A Covid-19 é uma nova doença e as informações sobre fatores de risco são limitadas. Com base nas informações atualmente disponíveis e no conhecimento clínico, idosos e pessoas de qualquer idade com comorbidades subjacentes podem estar em maior risco de complicações médicas. Ainda não existe uma vacina para conter esta pandemia e, dentro desse contexto de incerteza, profissionais de saúde e tomadores de decisão de todo o planeta estão correndo atrás do tempo para encontrar uma maneira de neutralizar esta doença. Enquanto isso, o distanciamento social tem sido considerado a medida mais eficiente para evitar o colapso dos sistemas saúde.
Se por um lado a popularização das mídias sociais tornou a comunicação entre as pessoas mais rápida e fácil – e isso tem sido encarado com um dos escapes para manter o contato com outras pessoas -, muitas vezes essas redes são usadas para divulgar informações incorretas e com o objetivo simples de propagar notícias falsa [5].
A motivação para isso pode ser bem diversa, variando desde falta de conhecimento, algum ganho pessoal, ou até comportamento malicioso, por exemplo incitando a quebra ou propagando a dúvida em relação a eficiência do distanciamento social [2].
A divulgação de notícias falsas é um problema que vem sendo abordado com bastante frequência por pesquisadores, jornalistas e governos de todo o mundo, mas de maneira alguma está resolvido! Calcular o impacto de notícias falsas sobre o tratamento de doenças, ações do setor público, adesão ao isolamento físico/social e o número de casos registrados é muito difícil [1]. Mas após conhecermos a dimensão do impacto em várias sociedades pelo mundo das manipulações feitas pela empresa Cambridge Analytica, ficou evidente que ações manipulativas online, mesmo em “tempos normais”, não podem ser desprezadas.
Durante uma pandemia, notícias falsas podem ser a diferença entre a vida e a morte, quando o conteúdo pode prejudicar diretamente as pessoas que acreditam nele.
Existem três tipos principais de ‘notícias falsas’ descritas segundo Ireton e Posetti [7]:
- ‘Misinformation’: Informações falsas, mas não criadas com a intenção de causar danos (por exemplo, alguém postando um artigo contendo informações desatualizadas agora, mas sem percebê-las).
- ‘Disinformation’: Informações falsas e deliberadamente criadas para prejudicar uma pessoa, grupo social, organização ou país (por exemplo, um concorrente postando propositadamente estatísticas falsas sobre sua organização com a intenção de desacreditá-lo).
- ‘Mal-information‘: Informações baseadas na realidade, usadas para infligir danos a uma pessoa, organização ou país (por exemplo, alguém que usa a foto de uma criança morta refugiada, sem contexto, em um esforço para inflamar o ódio de um grupo étnico específico contra o qual se opõe.
Dessa forma, as ‘fake news’ podem ser direcionadas para os mais diversos aspectos, incluindo novos medicamentos milagrosos, dieta que o protegerá do vírus, referência a equipamento que pode influenciar nos níveis de contaminação da doença e até questionar a existência do vírus ou a severidade da pandemia com a intenção de direcionar a opinião pública.
Desafios para a Computação
Algumas das técnicas que vêm sendo usadas para detectar as notícias falsas automaticamente incluem, mas não são limitadas, ao processamento da linguagem natural, verificando características específicas do texto como a gramática ou argumentação, identificação de metadados que sugerem características específicas desse tipo de postagem, como publicação de origem questionável, e o uso de algoritmos de aprendizado de máquina que podem investigar e executar predições. Essas predições podem sugerir usuários de mídias sociais criados para propagar ‘fake news’ e algums conteúdos suspeitos.
Ferramentas baseadas nesses métodos podem ser usadas pelos sistemas de saúde ou por outras organizações públicas a fim de criar uma maneira automatizada de promover maior segurança e confiabilidade na identificação de informações erradas relacionadas ao COVID-19 nas redes sociais.
Técnicas computacionais baseadas em Inteligência Artificial e aprendizado de máquina são o caminho natural para lidar com esse tipo de problema, tendo em vista a pressão da sociedade para que as grande empresas ligadas às redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram, tratem com celeridade e precisão os casos de disseminação de ‘fake news’ em suas respectivas plataformas.
Os aceleração nessa área de ciência forense pode fornecer novas técnicas que sejam mais eficazes de detecção e prevenção de crimes [3].
Grande parte da responsabilidade de desmistificar as ‘fake news’ pode ser associada à pesquisa, inclusive na área da Computação. Brasil afora, Universidades, Centros de Pesquisa e Órgãos Governamentais com algum nível de independência, estão continuamente investigando, dentre outras coisas, quais técnicas podem ser usadas para detectar rápida e efetivamente as notícias falsas disseminadas nas mídias sociais e entender melhor seu comportamento [4]. Mas não tem receita mágica! Diferentes contextos sócio-culturais podem demandar soluções específicas. Fique atento às ações de popularização da ciência para conhecer mais a fundo a credibilidade dessas pesquisas no Brasil e no exterior.
E como você pode prevenir a divulgação de notícias falsas
Enquanto a computação avança para aprimorar a detecção automática, essa recente publicação da Revista Nature dá algumas dicas importantes de como você pode identificar ‘fake news’:
- Verificação de fatos. Vá além das manchetes e leia uma história até o fim. Se parecer dúbio, pesquise sites de verificação de fatos (fact-checking) para ver se ele já foi desmascarado. Aqui no Brasil, uma maneira fácil de checar fatos é consultar sites como o Aos Fatos, o Projeto Comprova ou o Lupa.
- Fonte suspeita. Fontes vagas e não rastreáveis, como “médico amigo de um amigo” ou “um cientista” sem mencionar o nome ou instituição que ele está afiliado, devem tocar o alarme.
- Má linguagem. A maioria das fontes confiáveis são comunicadores regulares, portanto, ortografia, gramática ou pontuação inadequadas são motivo de suspeita.
- Contágio emocional. Se algo o deixa com raiva ou muito feliz, fique atento. ‘Fake news’ são criadas para desencadear emoções fortes.
- Notícias publicada em um único lugar? Se as informações forem relatadas por apenas uma fonte, tenha cuidado.
- Conta falsa. O uso de contas falsas de mídia social que parecem ser legítimos, como @BBCNewsTonight se passando pela rede britânica BBC, é um truque clássico. Procure também imagens enganosas e endereços da web falsos.
- Oversharing. Se alguém pede que você compartilhe as notícias, ele pode querer apenas uma parte da receita resultante da publicidade.
Fique atento(a) e faça a sua parte!
Referências
[1] World Health Organisation (2020) Managing the 2019-nCoV ‘infodemic
[2] Casero-Ripollés, Andreu (2020) Impact of Covid-19 on the media system. Communicative and democratic consequences of news consumption during the outbreak. El profesional de la información, v. 29, n. 2, e290223.
[3] Downing, Joseph, Ahmed, Wasim, Vidal-Alaball, Josep and Lopez Seguí, Francesc (2020) Battling fake news and (in)security during COVID-19. E-International Relations.
Hatmaker, Taylor (2020) The pandemic is already reshaping tech’s misinformation crisis.
[5] Patel, Keshav and Binjola, Himani (2020) Fake News Swamping Interpersonal Communication in the Times of Corona Virus
[6] Fleming, Nic (2020) Coronavirus misinformation, and how scientists can help to fight it”. CAREER FEATURE. Nature. 17 June 2020
[7] Ireton, E.C., Posetti, J. (2018) Journalism, ‘Fake News’ & Disinformation Handbook for Journalism Education and Training. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO.
Sobre a autora
Marjory Da Costa-Abreu (PhD, MPhill, BSc, SFHEA) é Professora Associada em Artificial Inteligência na Sheffield Hallam University (Reino Unido). Ela trabalhou como Docente em Inteligência Artificial da UFRN de 2012 até 2019. Sua principal área de pesquisa é inteligência artificial aplicada, com mais de 15 anos de experiência. Ela é editora associada da IET Biometrics e membro do Conselho Especial de Segurança da Informação da Sociedade Brasileira de Computação. Ela ganhou o prêmio Newton Research Collaboration Program e trabalhou com divulgação científica na equipe da Pint of Science Natal. Ela é feminista e ativista das mulheres nas ciências/STEM (https://bit.ly/2kBcId5, http://tiny.cc/d9eqcz ).
Como citar esse artigo:
Da Costa-Abreu, M., 2020. O Papel das ‘Fake News’ no surto de COVID-19. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/06/25/o-papel-das-‘fake-news’-no-surto-de-covid-19/