O papel essencial da Universidade Pública no combate à Covid-19
Por Ticianne Darin
Estamos vivendo um momento que marcará para sempre a forma como cada um de nós vive. São inúmeras as manchetes sobre como a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) tem afetado não somente as grandes esferas da sociedade como Saúde, Economia e Educação, mas também nossos hábitos, valores e relacionamentos interpessoais.
Temos enfrentado de formas diferentes esse desafio que nos foi imposto, de acordo com contexto no qual estamos inseridos, o que tem levantado questionamentos sobre o que é realmente importante para cada um, o que nos une e o que nos distingue enquanto seres humanos. Mas, até que ponto essas reflexões nos farão sair diferentes desta crise? Será que, após a pandemia, nossa visão de mundo mudará de alguma forma?
Em um nível comunitário, como essa visão de mundo pode afetar a Universidade, para aqueles de nós que estão inseridos no contexto acadêmico? É possível que a sociedade veja a Universidade de forma diferente quando a pandemia passar?
Elaborando em cima de questões como essas, neste artigo abordo como a missão da universidade de servir à sociedade e gerar conhecimento tem sido cumprida no contexto da pandemia, respondendo às demandas sociais e tecnológicas emergentes. Discutimos aqui as frentes em que a Universidade tem atuado no combate à pandemia e exemplos que mostram que nossas universidades públicas são indispensáveis para vencermos essa batalha e atenuarmos suas consequências. O objetivo deste artigo é trazer uma modesta contribuição para a transformação do pensamento da sociedade que há de emergir pós-pandemia, no que diz respeito à importância da Universidade Pública no Brasil.
Para os apressados:
In a nutshell, este artigo discute:
- Como a pandemia afeta a História e muda nossa visão de mundo
- Como a missão da Universidade se relaciona com a pandemia
- Como as universidades públicas brasileiras tem servido à sociedade em crise com iniciativas inovadoras relacionadas a informações, desenvolvimento científico e tecnológico e apoio à comunidade.
Grandes crises precedem grandes mudanças
Certamente, nem eu, nem você, nem a sociedade poderá ser a mesma depois que a sombra da pandemia passar. Ao nível global, as previsões são de que mudanças comportamentais que levariam décadas para serem adotadas, ocorrerão em apenas meses (MELO, 2020). Com a mudança forçada dos nossos hábitos, passaremos a repensar atividades que antes eram rotineiras – comer, trabalhar, estudar, se relacionar com o outro, por exemplo -, o que nos levará a adotar novos hábitos, objetivos e prioridades enquanto indivíduos e comunidade (KWON, 2020; GORMLEY, 2020). Toda essa transformação nos fará reconsiderar ideias que antes tínhamos por certas, consequentemente, alterando nossa visão de mundo.
Não é, no entanto, a primeira vez que isso acontece. Na História, cada novo ciclo começa com a crise do último. Isso é explicado pela teoria de gerações de Strauss-Howe (2009), que descreve padrões específicos de comportamento entre gerações, que mudam a cada 20 anos e estão marcados por eventos geracionais específicos. De acordo com essa teoria, cada ciclo de 80 anos é crucial, já que representa a virada de cada quatro gerações. Cada “virada” está associada a uma crise que impacta a geração atual e cria uma nova ordem social (o que inclui mudanças de hábitos, objetivos, mentalidade, etc).
Isso quer dizer que o declínio da ordem atual também representa um novo começo, assim como aconteceu, por exemplo, na Crise de 1929. Episódios de crise começam sempre com um evento catalisador que ameaça o colapso social e que tem o poder de alterar o humor geral e impulsionar a ordem social vigente ao seu máximo. À medida que o medo se transforma em unidade, são criadas novas instituições de emergência e, após isso, surge uma nova geração para estabelecer uma ordem cívica nova.
Na crise deste ciclo geracional – a pandemia do novo coronavírus – as rápidas mudanças de hábitos e comportamento, bem como as profundas alterações geopolíticas têm o potencial de acarretar mudanças tão profundas na sociedade, que se fala de um Renascimento Digital comparável ao Renascimento europeu do século XIV (ARAYA, 2020). Existem evidências científicas de que essas mudanças podem ter consequências sociais bastante positivas, como o estudo que mostra que, após a pandemia, muitos indivíduos estarão dispostos a agir e pensar de maneira contrária aos seus interesses pessoais em favor do bem maior (LUNN et. al., 2020).
Porém, essas mudanças não significam automaticamente uma sociedade melhor. É preciso refletir ativamente sobre nossa cosmovisão, ações e suas consequências tanto para nós mesmos, quanto para a comunidade que nos cerca. Para que as mudanças tragam um impacto sistematicamente positivo para a sociedade pós-pandemia é necessária uma transformação epistemológica, cultural e ideológica, que será a base para as almejadas mudanças políticas, econômicas e sociais (SANTOS, 2020).
Onde entra a Universidade nessa história?
Ora, uma das implicações de tamanha mudança nas bases sociais é a criação de um novo senso comum, nas diferentes esferas, baseado em nossas premissas transformadas pela crise. É aí que entra a forma como enxergamos a Universidade Pública. Recentemente, houve lamentáveis episódios de pronunciamentos oficiais que trouxeram questionamentos à sociedade brasileira sobre o valor e a seriedade do trabalho desenvolvido nas universidades públicas do nosso país, enviesando o senso comum a este respeito.
É reconfortante ver, porém, o quanto a Universidade Pública brasileira tem tido as prioridades corretas nesta época de crise. Longe de estarem com “atividades suspensas”, professores-pesquisadores, técnicos administrativos e, em muitos casos, alunos estão engajados em atender de diferentes maneiras às necessidades emergentes do contexto atual. Apesar de a maioria das universidades ter suspendido as atividades presenciais para promover o isolamento social, o trabalho administrativo, bem como a pesquisa e extensão não só continuam, mas têm proposto inúmeras iniciativas em novos formatos para auxiliar o país no enfrentamento à pandemia.
Assim, a missão da Universidade de gerar conhecimento e servir à sociedade se mantém – apesar dos muitos desafios do trabalho remoto – e se manifesta de diversas formas. A multiplicidade de atividades e recursos que todos os dias têm sido disponibilizados por universidades em todo o Brasil mostra que temos cumprido o grande objetivo das universidades no mundo contemporâneo (SCOTT, 2006):
“A alta tecnologia e a rápida globalização estão alterando o trabalho, o lazer e as estruturas formais de educação. No coração desta nova sociedade da informação, as instituições acadêmicas são organizações fundamentais. No entanto, elas devem permanecer flexíveis o suficiente para responder às demandas sociais emergentes, mudanças tecnológicas e realinhamentos econômicos”.
Por isso, convido você a repensar sua visão sobre a Universidade Pública brasileira.
Pense nisso enquanto lê o restante deste artigo e vê como nossas universidades têm respondido às distintas demandas sociais emergentes do cenário da pandemia do novo coronavirus. A seguir, trago uma amostra das iniciativas de diferentes universidades que têm atendido às multifacetadas necessidades da sociedade brasileira em três principais frentes: provendo informações confiáveis, promovendo inovação científica e tecnológica e no apoio à comunidade.
Minha expectativa é que os exemplos aqui mostrados – sendo somente uma pequena parcela do que a Universidade Pública brasileira tem feito – ajudem na construção de um novo senso comum sobre nossas universidades.
1. Provendo informação confiável
Informações confiáveis são essenciais, especialmente, em tempos de crise. A falta de informação e a difusão de fake news causam efeitos negativos que tendem a aumentar a gravidade da situação. Isso porque agitam a população, causam medo, interferem na comunicação pública e diminuem as contramedidas para o surto (SHIMIZU, 2020). Evidências científicas vinculam também a comunicação em momentos de crise à mudança de comportamento nas pessoas. Informações rápidas, honestas e com empatia e credibilidade tornam a comunicação eficaz e promovem ações e decisões individuais úteis (LUNN et al, 2020).
Por isso, é essencial o papel que as universidades públicas no Brasil têm assumido de fornecer informações corretas e criar compreensão entre os cidadãos sobre a pandemia, seus efeitos e contingenciamento. Nesse intuito, a maioria das universidades do Brasil tem mantido páginas Web exclusivas para veicular atualizações e notícias sobre o impacto do novo coronavírus nas atividades da universidade, além de propagar pesquisas e avanços científicos e divulgar ações de suporte à comunidade.
Além disso, para evitar a disseminação de fake news, têm surgido ainda plataformas como a Covid Verificado, desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP). O site tem a proposta de fazer checagem científica de informações relacionadas à Covid-19, além de responder às principais dúvidas a respeito do novo coronavírus.
Iniciativas relacionadas a prover informação confiável têm partido não somente da administração superior, mas também de professores e seus grupos de pesquisa. Estes tem focado em dois tipos de objetivos: tornar a informação acessível e monitorar o avanço da pandemia da Covid-19.
Vejamos primeiramente algumas iniciativas dedicadas a tornar informações científicas acessíveis e compreensíveis à população geral. Na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a infectologista e professora do curso de Medicina, Maria dos Remédios Branco, criou um site dedicado a veicular vídeos curtos no qual explica, em linguagem simples, os principais resultados de pesquisas científicas recentes sobre o novo coronavírus. Os vídeos são ainda acompanhados de um breve texto informativo e do link para as publicações originais.
Focando na comunicação com a comunidade indígena na região da Grande Dourados (MS), onde moram 16 mil indígenas, um grupo de professores da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD) elaborou uma cartilha em guarani sobre a Covid-19 com 20 páginas, colorida e ilustrada, intitulada “Koronavíru”. A cartilha aborda orientações sanitárias aliadas a aspectos ritualísticos tradicionais.
Também visando alcançar uma comunidade específica, a série de vídeos informativos sobre o Coronavírus em Libras, produzida e disponibilizada pela Coordenação Geral do Curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Piauí (UFPI), torna a informação acessível à comunidade surda de todo o país. Uma iniciativa semelhante tem sido conduzida pelos bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões de Saberes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os quais tem divulgado vídeos informativos em Libras utilizando redes sociais, por meio do Instagram do Projeto Citrus.
Além dos sites institucionais e projetos destinados a tornar informações acessíveis, outra frente informacional das universidades tem sido o desenvolvimento de plataformas para o monitoramento da pandemia em diferentes localidades. Esse é o caso, por exemplo, da plataforma Web Covid Goiás, desenvolvida por uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Goiás (UFG) e dos Painéis de Acompanhamento da Covid-19, desenvolvidos por pesquisadores do Departamento de Estatística e Informática Aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC).
No mesmo sentido, há o sistema georreferenciado para o acompanhamento on-line da evolução da pandemia, desenvolvido por pesquisadores do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (Pesc) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e ainda a ferramenta Coronavírus RN, desenvolvida pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LAIS/UFRN), dentre muitas outras em diferentes estados.
Os dados minerados, analisados e apresentados por plataformas como estas, além de informar a população, tem auxiliado o governo e gestores de saúde na tomada de decisões estratégicas relativas ao combate à Covid-19. Estes dados são utilizados, ainda, para estudos e análises dos modelos de difusão e controle da virose e em múltiplas pesquisas científicas com implicações em áreas diversas, como computação, economia, estatística, geografia e saúde.
2. Impulsionando o desenvolvimento científico e tecnológico
As universidades são, em grande parte, viabilizadoras do desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil (OLIVEIRA, 2015). Em países com economia desenvolvida a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico acontecem principalmente em empresas privadas e institutos de pesquisa governamentais. No Brasil, no entanto, a maior parte da pesquisa, inovação e desenvolvimento tecnológico acontece no âmbito da universidade pública (ROCZANSKI, 2016).
Isso significa que universidades americanas e europeias, em geral, têm como função formar e qualificar pesquisadores para trabalhar com inovação científica em empresas e institutos de pesquisa. Mas, no Brasil, não é bem assim. Nossa realidade traz para a universidade pública a responsabilidade de formar e qualificar profissionais e pesquisadores e, além disso, também demanda dos professores o desenvolvimento de pesquisa e inovação. Esse cenário intensifica o trabalho do professor e acentua o processo de precarização das relações de trabalho na instituição universitária (SILVA JUNIOR, FERREIRA E KATO, 2013) – mas isso é assunto para outra matéria :).
O fato é que, em meio à pandemia, apesar do acúmulo de atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração, os professores-pesquisadores de universidades públicas brasileiras têm colaborado fortemente com o desenvolvimento e inovação tecnológica e científica. Isso tem ocorrido tanto em aspectos técnicos e imediatos – como a produção de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) -, quanto em aspectos científicos de impacto a médio e longo prazo, como a rápida codificação do genoma do novo coronavírus do primeiro caso diagnosticado em São Paulo.
Atendendo às demandas mais imediatas causadas pela dificuldade na compra de equipamentos de proteção individual muitos grupos de universidades públicas tem promovido campanhas de arrecadação de materiais e produção de face shields utilizando impressoras 3D. Esse é o caso, por exemplo, da ação coordenada pela UFC Inova em parceria com pesquisadores do Grupo de Redes de Computadores, Engenharia de Software e Sistemas (GREat), que tem feito um abrangente levantamento de insumos disponíveis nos laboratórios na universidade e na comunidade, que possam ser utilizados para a produção de vários tipos de EPIs.
Ações como estas, visando o abastecimento do sistema de saúde estadual, estão presentes em universidades de todo o país, como ilustram os exemplos a seguir:
- A Universidade Federal do Acre (UFAC) tem fabricado diariamente 100 clipes de óculos de proteção para profissionais da área de saúde, por intermédio de alunos voluntários do curso de Medicina;
- Na Universidade Federal do Piauí (UFPI), a coordenação do curso de Moda, Design e Estilismo tem produzido mais de 10 mil máscaras e aventais para o Hospital Universitário (HU-UFPI);
- A Frente de Impressão 3D criada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), além da impressão da base de protetores faciais, desenvolveu um molde para injeção de plástico da haste, que permite a fabricação de 4800 protetores faciais por dia;
- No Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadores produziram um desinfetante para as mãos, substituto do álcool em gel, destinado ao Hospital das Clínicas da UFG e à Vigilância Sanitária do Estado de Goiás;
- O Instituto de Física da USP de São Carlos (ISFC/USP) desenvolveu uma câmara de ozônio para desinfetar materiais hospitalares e tornar possível a reutilização de cerca de 3 mil máscaras por dia.
Ainda motivados pelas demandas e necessidades locais, neste caso, a demora no resultado dos exames e a pouca quantidade de testes que levam à subnotificação de casos, os professores Leandro Alvim e Filipe Braida, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) desenvolveram XRayCovid-19, uma ferramenta que utiliza um modelo de Inteligência Artificial para diagnosticar Covid-19 a partir dos padrões de imagens de radiografia.
Chamam a atenção, ainda, ideias inovadoras e criativas envolvendo a reutilização de materiais para produção de itens essenciais mais acessíveis. Este é o caso, por exemplo, da produção de álcool 70, promovida pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a partir de bebidas contrabandeadas e apreendidas pela Receita Federal. Outra iniciativa criativa é a do professor e pesquisador Clemilson Santos (UFC) que desenvolveu, em casa, uma técnica de baixo custo para produção de face shields a partir de canos de PVC, que dispensa o uso de impressoras 3D. A técnica desenvolvida pelo professor permite a produção de mais peças por dia e é mais econômica, quando comparada à impressão 3D.
Inovação em diversas áreas tem ocorrido como resultados de pesquisa, colaboração e visando atender às demandas específicas de cada região. Nesse sentido, diversos tipos de equipamentos tem sido projetados, como o capacete de respiração assistida desenvolvido em ação multi-institucional envolvendo a UFC, a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC); o ventilador pulmonar com monitoramento via celular e tablet desenvolvido por pesquisadores da UFPB; e o ventilador pulmonar de baixo custo desenvolvido por pesquisadores da UFRGS.
À esquerda, protótipo do ELMO, o capacete que provê apoio respiratório não-invasivo aos pacientes, mantendo a segurança das equipes de saúde (fonte: UFC Notícias). À direita, respirador com controle wireless, trazendo maior segurança para as equipes de saúde ao monitorar pacientes na UTI com COVID-19 (fonte: UFPB Notícias)
Porém, estas são apenas algumas dentre as inúmeras ações de pesquisa e desenvolvimento tecnológico para combate a Covid-19 conduzidas por universidades públicas no Brasil. Em todas as regiões do país, há cada vez mais notícias sobre universidades desenvolvendo, por exemplo, novos exames para diagnóstico de Covid-19, simuladores e algoritmos para o monitoramento epidemiológico, novos tratamentos e vacinas candidatas e estratégias para unir economia e saúde no contexto atual.
Estas e as demais linhas de atuação das universidades públicas brasileiras no combate à pandemia – como impacto da disseminação do vírus na economia e investigações comportamentais e populacionais – a longo prazo, trarão incalculáveis benefícios para o desenvolvimento técnico e científico do nosso país.
3. Iniciativas relacionadas ao suporte à comunidade
Cada universidade provoca diferentes tipos de impacto na comunidade na qual está inserida. Além do impacto científico-tecnológico, as universidades públicas causam ainda impacto na imagem e cultura da região e impacto socioeconômico (CURI, 2018). As universidades se inserem na comunidade local, principalmente, por meio de projetos de extensão e projetos de pesquisa cujos objetivos estão ligados diretamente à comunidade das cidades em que se localizam.
As ações de extensão de professores e alunos tem contribuído de diversas formas com a sociedade. Uma delas é em atenuar as consequências econômicas da crise nas comunidades locais. Este tipo de ação pode ser exemplificado pela atuação da empresa júnior vinculada à Escola de Administração da UFRGS, que está oferecendo serviços de consultoria gratuitos para pequenas e médias empresas locais afetadas pela pandemia. Além disso, professores de diversas universidades públicas, como USP, Unifesp, UFCSPA, UTFPR e UFSM tem ofertado cursos à distância gratuitos em diversas áreas, que abrangem desde interesses pessoais à aplicação prática na economia da comunidade, incluindo Marketing Digital, Empreendedorismo e Inovação e Negócios.
Muitas universidades têm atuado, ainda, em ações que atentam para as necessidades de comunidades específicas. Nesse sentido, podemos mencionar a iniciativa Cuidaidoso, conduzida por profissionais da saúde e professores/pesquisadores da Escola de Farmácia, do Núcleo de Pesquisa em Ciências Biológicas (NUPEB) e do Laboratório de Realidade Estendida para o Bem (XR4Good) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O projeto tem por objetivo desenvolver uma plataforma o para monitoramento físico e orientações para idosos, cuidadores e profissionais. Além disso, o grupo tem também reunido voluntários com disponibilidade de doar seu tempo para um idoso. A ideia é ter profissionais de todas as áreas para ajudar a preencher o tempo dos idosos e seus cuidadores com ações que fazem a diferença, como ler um livro ou tocar uma música.
A criação de cartilhas direcionadas a públicos específicos tem sido outro um meio utilizado por muitas universidades para difundir informação para auxiliar, de diferentes formas, à comunidade. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por exemplo, professores e alunos de diversos departamentos tem produzido e disponibilizado cartilhas destinadas a ajudar diferentes públicos a enfrentar as mudanças trazidas pela pandemia, em seus contextos específicos. Esse é o caso de pesquisadores do Direito que elaboraram uma cartilha para trabalhadores de baixa renda, para auxiliá-los na compreensão de seus direitos neste momento de crise e fornecer informações didáticas aos destinatários do auxílio emergencial. Já docentes da Enfermagem produziram uma cartilha com instruções específicas para o enfretamento ao vírus no dia-a-dia de entregadores de mercadorias.
Visando ainda o bem-estar da população em geral, o grupo coordenado pela professora Gisella Queluci da Escola de Enfermagem da UNIRIO, criou uma cartilha para o equilíbrio da saúde mental e física, que reúne sugestões de cursos a distância, atividades lúdicas, de relaxamento e condicionamento físico para melhor aproveitamento do tempo disponível durante o isolamento social.
Além disso, reconhecendo a necessidade de atentar às angústias e ansiedades causadas pelo cenário da pandemia, diversas universidades tem proposto projetos visando o bem estar psicológico de seus alunos e da comunidade. Por exemplo, professoras do Departamento de Artes e Comunicação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), criaram o projeto Notas de Saúde, em que uma abordagem musicoterapêutica é utilizada como auxílio no enfrentamento da situação de isolamento social experimentada no momento atual.
Focando na comunidade interna da universidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF) tem prestado apoio psicológico online para os servidores que estão em isolamento social, ou para aqueles que estão trabalhando neste momento de pandemia. O objetivo do projeto é oferecer apoio que trará alívio de estresse, tensão, angústia, além de passar orientações de saúde mental.
Vale a pena, ainda, mencionar projetos que tem mantido encontros remotos para ajudar as pessoas a lidarem com as situações decorrentes do contexto atual. Nesse sentido, o Programa de Ensino Tutorial (PET) da Psicologia da UFC criou um projeto chamado Abrindo a Caixa que foi adaptado para o meio virtual e realiza lives no Instagram abertas ao público. Focando em como a vida e relações têm sido afetadas pela quarentena e pandemia, trazem convidados regularmente para discutir e tirar dúvidas sobre temas relacionados à saúde mental.
Em uma iniciativa conjunta, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade de São Paulo (USP) e as universidades federais de São Paulo (Unifesp), do Amapá (Unifap), do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Mato Grosso (UFMT), do Mato Grosso do Sul (UFMS), do Pará (UFPA), de Alagoas (Ufal) e da Bahia (UFBA) tem investigado aspectos da saúde mental dos profissionais de Enfermagem no contexto da pandemia Covid-19. O objetivo do projeto é propor intervenções para proteger e promover a saúde mental desses profissionais e evitar danos.
Apesar dos obstáculos decorrentes dos recentes cortes orçamentários, as universidades tem persistido em servir à comunidade e à sociedade de diferentes formas, desenvolvendo ações com os mais diversos objetivos.
Trocando em miúdos…
Não sabemos como será o mundo após a pandemia. As perspectivas das implicações geopolíticas e econômicas no tecido social são complexas. Não temos controle sobre a maioria dessas implicações. Mas uma coisa podemos fazer: pensar em como a nossa visão de mundo será mudada por toda esta situação.
Especificamente quanto às nossas universidades, que este momento sirva para todos pensarmos melhor antes de emitir opiniões pouco informadas sobre elas. Nossas universidades têm claramente se envolvido com as necessidades da sociedade e dedicado toda a sua atividade a fomentar ações que ajudem o país a passar por este momento.
Que este momento sirva para valorizarmos as muitas coisas boas que temos, apesar de não serem perfeitas. Uma delas, em nível comunitário, é sem dúvidas a universidade. A Universidade existe para a comunidade, como sempre existiu. Tempos difíceis como estes evidenciam este fato. Cuidemos das nossas Universidades e tenhamos orgulho de ser parte delas.
Referências:
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KWON, Diana. Near Real-Time Studies Look for Behavioral Measures Vital to Stopping Coronavirus. Scientific American. 19 de mar. de 2020. Disponível em: https://www.scientificamerican.com/article/near-real-time-studies-look-for-behavioral-measures-vital-to-stopping-coronavirus/. Acesso em: 08 de maio de 2020
GORMLEY, Michael. After the virus: More working at home, fewer but better friends. Newsday. 06 de abr. de 2020. Disponível em: https://www.newsday.com/news/health/coronavirus/coronavirus-future-changes-futurists-1.43635849?utm_source=tw_nd. Acesso em: 08 de maio de 2020
STRAUSS, William; HOWE, Neil. The fourth turning: What the cycles of history tell us about America’s next rendezvous with destiny. Three Rivers Press, 2009.
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Como citar esse artigo:
Darin, T., 2020. O papel essencial da Universidade Pública no combate a Covid-19. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/05/08/o-papel-essencial-da-universidade-publica-no-combate-ao-covid-19
Sobre a autora:
Ticianne Darin é professora adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde ministra disciplinas e realiza pesquisas nas áreas de Interação Humano-Computador e Design e Jogos Digitais. Seus atuais interesses de pesquisa envolvem: experiência do usuário e do jogador, avaliação da qualidade de uso de sistemas interativos (por exemplo, usabilidade e acessibilidade) em diferentes domínios, design de interação e interação jogador-jogo, com foco em engajamento, motivação e bem-estar. Ticianne é idealizadora da Célula de Design e Multimídia, no curso de Sistemas e Mídias Digitais (UFC), que desenvolve pesquisas nessas áreas. Atualmente, é membro do Programa de Mestrado e Doutorado em Computação (MDCC-UFC) e pesquisadora do GREat (Grupo de Redes de Computadores, Engenharia de Software e Sistemas, onde desenvolve projetos de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) em parcerias entre Indústria e Universidade.