Dose única
Vi um beija-flor. Li em algum lugar que suas asas batem mais rápido do que um avião caça. Mais uma daquelas conexões improváveis que me levou pra bem longe. Lembrei do efeito borboleta – uma mudança aqui, gera uma mudança lá. Fui em busca de mais detalhes.
– O que é efeito borboleta? – perguntei para o Copilot, que agora habita meu WhatsApp.
“O efeito borboleta é um conceito dentro da Teoria do Caos que sugere que pequenas mudanças ou eventos podem ter enormes impactos a longo prazo.”
– O que é a Teoria do Caos? – insisti na conversa.
“A Teoria do Caos é o estudo de sistemas dinâmicos que são altamente sensíveis às condições iniciais, um fenômeno popularmente conhecido como efeito borboleta.”
Da borboleta para o caos e vice-versa. Beleza e desordem. Mais uma conexão improvável?
Assisti ao filme A Substância. Um longa dirigido pela francesa Coralie Fargeat, que estreou no Brasil em setembro de 2024. É uma mistura de ficção científica com body horror e muito drama. É tenso. Um tanto bizarro. Diferente. Venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes.
Demi Moore incorpora Elisabeth Sparkle, uma atriz que viveu seus dias de glória em Hollywood. Agora, ficou velha demais para a TV. “Aos 50…bem…para”, fala Harvey, o dono da emissora, interpretado por Dennis Quaid. “Você foi incrível”, diz o cartão que acompanha as flores.
A substância promete uma versão melhor de si mesma. Mais jovem. Mais bela. Mais perfeita. Por que não testar? Uma única dose resolve tudo.
Elisabeth literalmente cria um clone – Sue, interpretada por Margaret Qualley. Sue é a emergência da juventude. É tudo que Elisabeth não é mais. Iguais e diferentes. As duas são uma só. Duas vidas conectadas por fluidos corporais. Uma semana para cada uma. Sete dias, sem exceção. As regras são simples e claras. Dois corpos, mas uma só. Um ativado e outro desativado. É preciso seguir as regras. Sem exceção. “Você não pode fugir de si mesma”, sempre lembra a misteriosa voz ao telefone.
Ah, mas como julgar os impulsos da juventude? Só mais um pouco de festa. Só mais um pouco de fama. Só mais um dia de diversão. Só mais um pouquinho. Mais um. E mais um. O que pode dar errado? Uma semana é pouco pra tanta vida. A juventude não tem tempo a perder. Bate asas rápido demais. Como um beija-flor.
Arte: Niki (@ jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal
Texto produzido durante o módulo Mosaico Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).
Como citar esse artigo:
BASSANI, Patrícia Scherer. Playlist a lápis. SBC Horizontes, 3 fev. 2025. ISSN 2175-9235. Disponível em: < https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/02/dose-unica/gt;. Acesso em: DD mês. AAAA
Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.