Conheça o Guia do Pensamento Computacional para a Família – Entrevista com Soraya Roberta
O Pensamento Computacional pode ser definido como um conjunto de técnicas da Ciência da Computação que podem ser aplicadas à resolução de problemas nas diversas áreas do conhecimento. O Programa Meninas Digitais e diversos dos seus projetos parceiros empregam o Pensamento Computacional de muitas formas diferentes nas suas ações com crianças e adolescentes e, recentemente, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) lançou o Guia do Pensamento Computacional para a Família, uma iniciativa do Programa de Pós-graduação em Inovação em Tecnologias Educacionais (PPgITE-IMD) e do Laboratório de Tecnologias Educacionais (LTE-Centro de Educação).
O material do Guia é voltado para a família aprender mais sobre o Pensamento Computacional a fim de aplicá-lo em casa com as crianças da faixa-etária de 6 aos 11 anos de idade. Todas as sete atividades disponibilizadas no Guia são contextualizadas na realidade das crianças e não requerem que familiares e responsáveis possuam conhecimentos específicos da área da Educação ou da Computação.
O Guia é o resultado de anos de pesquisa sobre Pensamento Computacional aplicado à Educação Básica e está ancorado nas Competências Gerais e nas habilidades descritas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O material aborda os pilares do Pensamento Computacional – decomposição, abstração, reconhecimento de padrões e algoritmos, estimulando o raciocínio lógico, o senso crítico e a criatividade frente à resolução de problemas.
A Técnica em Informática (IFRN), Bacharel em Sistemas de Informação (UFRN) e Mestranda no Programa de Pós-graduação em Inovação em Tecnologias Educacionais (PPgITE/IMD/UFRN) Soraya Roberta dos Santos Medeiros é autora do conteúdo do Guida do Pensamento Computacional para a Família e conversa mais com a SBC Horizontes sobre esta iniciativa e sua visão sobre os impactos do Pensamento Computacional na atualidade.
Karen (SBC Horizontes): Há quanto tempo você trabalha com pensamento Computacional?
Soraya: Eu comecei a pesquisar sobre Pensamento Computacional assim que entrei para a graduação, em 2016. Mas o primeiro artigo só veio sair em 2018, pois eu precisei entender os conceitos até mesmo para como começar a implementar, primeiro, em minha vida pessoal, para depois relacioná-lo com o Poesia Compilada, um projeto que desenvolvi na UFRN que trata no ensino de algoritmos com poemas. Então, o primeiro contato acadêmico foi executando o Poesia Compilada.
Karen (SBC Horizontes): Como você desenvolveu seu interesse pela área Informática na Educação?
Soraya: Eu comecei a Pesquisar em Informática na Educação em meu Ensino Médio, quando fazia o Técnico em Informática pelo IFRN-campus Caicó. Lá, a gente pesquisava sobre jogos digitais educacionais e suas correlações com o processo de ensino e aprendizagem dos componentes curriculares propedêuticos. Mas o interesse por atuar na área precede o IF, pois desde minha infância, quando minha tia começou a me presentear com textos de Paulo Freire eu sentia que um dia, eu poderia utilizar os seus ensinamentos e teorias para ajudar minha cidade Jardim do Seridó, RN. Eu não sabia que seria com a Computação, na realidade o Letramento digital não era presença em minha vida, só fui saber de fato como usar aos 16 anos, quando entrei para o IFRN. Por consequência, a Computação só foi entendida nessa mesma época. Daí por diante não hesitei : fiz e faço de tudo para que o meu passado longe de tudo isso não se reproduza na vida de outras crianças e adolescentes pelo interior do Brasil.
Karen (SBC Horizontes): Como surgiu a ideia de elaborar o Guia? A ideia já existia antes da pandemia?
Soraya: Eu estava vendo muitos relatos de pessoas da minha família e de colegas pelas redes sociais que têm filhos e não estavam sabendo como levar um conteúdo educacional integrando com a realidade do momento para as crianças. Então, comecei a olhar para o que eu pesquiso: Pensamento Computacional e vi que precisava adaptar o conteúdo para os pais. Foi quando apresentei para minha orientadora Cibelle e para o prof Charles um protótipo do Guia. Eles amaram a ideia e toparam me orientar na produção, chamamos também a Carol Dietrich para nos ajudar a fazer a diagramação. A ideia surgiu exatamente por causa da Pandemia. Nós também elaboramos um questionário sobre o conteúdo, a fim de que quem for aplicar possa nos dar um feedback para melhorarmos o material.
Karen (SBC Horizontes): Qual a importância de envolver a família em atividades de Pensamento Computacional? É necessário ter algum tipo de conhecimento teórico ou técnico sobre Computação para fazer atividades de Pensamento Computacional com as crianças?
Soraya: Os pais/responsáveis precisam entender o que é este conceito e porque as crianças necessitam das competências e habilidades que o Pensamento Computacional pode gerar para a vida. Pensamento Computacional, segundo a Jeannette Wing, quem trouxe à tona em 2006 a conceituação da temática que Seymour Papert já argumentava em 1980, é tão importante quanto saber ler, escrever e efetuar cálculos matemáticos. Você não aprende a efetuar cálculos ou a ler e escrever apenas porque será um professor de matemática ou de linguagens, você aprende porque precisa se comunicar, do mesmo modo é o Pensamento Computacional, você precisa saber expressar melhor suas ideias, resolver problemas sem tanto sofrimento ou até proporcionando novas e criativas soluções através dele. Quando levamos o Pensamento Computacional para dentro das casas nós acentuamos uma nova reflexão sobre o que é Letramento Digital e quais as diferenças dele para o Pensamento Computacional. Desconstruímos para construirmos conceitos que de fato importam e impactam as pessoas.
Deste modo, a família não precisam ter conhecimento em computação, ela só precisa entender como começar a olhar para os problemas e isso é possível por meio da aplicação das técnicas que abordamos no Guia.
“Quando levamos o Pensamento Computacional para dentro das casas nós acentuamos uma nova reflexão sobre o que é Letramento Digital e quais as diferenças dele para o Pensamento Computacional. Desconstruímos para construirmos conceitos que de fato importam e impactam as pessoas.” – Soraya Roberta
Karen (SBC Horizontes): Você acredita que o ensino de Pensamento Computacional pode contribuir na redução de desigualdades sociais?
Soraya: Quando você aprende sobre Pensamento Computacional todas as suas ações são impactadas. O motivo? A forma como você as realiza já não é mais a mesma, pois o Pensamento Computacional lida com a esquematização do pensamento humano para realizar tarefas. Assim, você terá pessoas que conseguem resolver problemas com mais facilidade, não porque os problemas mudaram, mas porque a forma como eles são resolvidos agora é diferente. Você pode abstrair, decompor, reconhecer padrões, criar uma sequência de passos lógicos, os algoritmos. Deste modo, é possível que você tenha pessoas olhando para o seu cotidiano com maior criticidade, questionando seu modo de trabalho e as aplicações de investimentos em determinadas áreas da sociedade em detrimento de outras. Por causa disso, você começará a perceber mais pessoas se empoderando e buscando estudar sobre a área e em consequência poderão começar a mudar a sua realidade e impactar quem está ao seu redor. É um processo que demora, porque estamos lidando antes de tudo, com a Educação, e Educação e Computação precisam conversar mais, não para fazer com que uma se sobressaia mais do que a outra mas para que ideias conseguiam ser melhor explicadas por meio de um software ou que o software possa atender as necessidades dos usuários (pensemos aqui sob a ótica da Interação Humano-Computador), porque implementou uma abordagem pedagógica.
A princípio, o objetivo do Guia era este: adaptar a linguagem acadêmica para o contexto familiar. Entretanto, eu já comecei a receber relatos de pessoas dizendo que o material está permitindo que a criança realize atividades que eles, enquanto pais, em um momento tão crítico em que cada centavo tem que ser economizado porque 600,00 não duram muitos dias, não teriam como pagar, porque as escolas que atuam com a temática Pensamento Computacional estão sendo inviáveis para quem não tem nem o que comer. Isto já é um impacto social que pode contribuir e deve para reduzir desigualdades. Dizemos que todos ou a maioria das pessoas já têm acesso a tecnologias digitais, mas isso ainda não se reflete em minha cidade. Minhas primas já possuem letramento digital, mas elas não conseguem entender como essas ferramentas são construídas, e aqui temos uma série de fatores, tais como a formação docente e o currículo, só para destacar alguns desafios para aplicar Pensamento Computacional na Educação Básica, consoante José Armando Valente aponta em um artigo escrito em 2016. Enfim, esta é uma pergunta que abre possibilidades de pesquisa.
“O material está permitindo que a criança realize atividades que eles, enquanto pais, em um momento tão crítico em que cada centavo tem que ser economizado porque 600,00 não duram muitos dias, não teriam como pagar, porque as escolas que atuam com a temática Pensamento Computacional estão sendo inviáveis para quem não tem nem o que comer. Isto já é um impacto social que pode contribuir e deve para reduzir desigualdades.” – Soraya Roberta
Karen (SBC Horizontes): Quais são os desafios para a popularização do pensamento computacional hoje?
Soraya: Como dito anteriormente, a Formação Docente e o Currículo são hoje uma das maiores problemáticas, mas eu acrescentaria uma outra: a questão política. Nós estamos vivendo um verdadeiro caos, tudo que não podíamos pensar em 31 de Dezembro de 2019 está acontecendo agora. Com isso, se já estava complicado pressionar os governantes para implementar novas políticas públicas que visem disseminar o Pensamento Computacional pelo Brasil, pautado por estudos sérios (temos vários realizados pela própria SBC e cito também o CIEB), agora, com a pandemia, piorou. Sim, eu sei que já está em pauta o PL 2342/19 que inclui, entre os objetivos dos institutos federais de educação, o apoio à oferta de capacitação em programação computacional para professores da rede pública, mas isso vai mais além, requer investimento em bolsas de pesquisas para nós desenvolvermos mais estudos, conseguirmos pagar os artigos nas revistas, participarmos de congressos… Eu passei boa parte da minha graduação sem financiamento para os meus projetos, e, para me sustentar, eu tive que entrar em outros projetos. Não tinha o que fazer. É cansativo, desgastante. A realidade se repete em meu Mestrado.
Para efetuar o download gratuito do Guia do Pensamento Computacional para a Família, acesse: https://drive.google.com/file/d/1TWX4KHu1B29D8z3v9u6dLcJbXcAsuGyT/view
O Guia do Pensamento Computacional para a Família utiliza a licença Creative Commons 4.0 , que permite o compartilhamento e reprodução desde que sejam mantidos os créditos originais. Conteúdo:
Soraya Roberta dos Santos Medeiros, Diagramação: Carolina Dietrich, Revisão: Cibelle Amorim Martins e Charles Andrye Galvão Madeira, Desenvolvido por: Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Programa de Pós-graduação em Inovação em Tecnologias Educacionais (PPgITE-IMD) e Laboratório de Tecnologias Educacionais (LTE-Centro de Educação).
Para entrar em contato com a Soraya Roberta, acesse:
- Portifólio de projetos: sorayaroberta.github.io
- Instagram: @soraya_rbrt
- E-mail: soraya_rb@ufrn.edu.br
Como citar esse artigo:
RIBEIRO, K. S. F. M.; MEDEIROS, S. R. S. 2020. Conheça o Guia do Pensamento Computacional para a Família – Entrevista com Soraya Roberta. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/06/01/conheca-o-guia-do-pensamento-computacional-para-a-familia/