Os Grandes Desafios para pesquisa em jogos e entretenimento digital no Brasil entre 2020 e 2030 (GranDGamesBR)

Os Grandes Desafios para pesquisa em jogos e entretenimento digital no Brasil entre 2020 e 2030 (GranDGamesBR)

Por Luiz Paulo Carvalho

Na capa, um dos maiores desafios em jogos computacionais e entretenimento digital da história da humanidade.

Atualização/errata: Na versão inicial deste texto faltaram os grandes desafios encaminhados em 2020, nesta versão (19/07/2022) já constam todos.

O maior evento acadêmico-científico dedicado a Jogos Digitais no Brasil é o SBGames: Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital, realizado pela SBC. 

Na sua décima nona edição houve a proposta e encaminhamento para que fossem estruturados e explicitados grandes desafios para esta área. Compondo os Grande Desafios em Pesquisa de Jogos e Entretenimento Digital no Brasil (GranDGamesBR), os artigos de posição foram submetidos, formalizados e publicados em 2020 e 2021, contemplando os desafios para a década de 2020 – 2030.

Sem muito mistério, este texto é justamente sobre os quatorze GranDGamesBR 2020 – 2030 publicados nos anais estendidos do SBGames 2020 e 2021, disponíveis nos endereços eletrônicos no final deste texto, nas referências. E se você estiver interessado apenas nisso, pode ir para a Seção 2. Agora, vamos falar um pouco sobre grandes desafios.

1. O que diabos é um “grande desafio”?

Eventualmente comunidades acadêmico-científicas com redes já bem estabelecidas percebem encaminhamentos específicos para a reflexão de dificuldades explícitas em suas áreas, e daí surgem grandes desafios. 

É bem louco pensar na ideia de um “grande desafio”, porque parece algo hercúleo, místico ou sobrenatural de certa forma. Até porque não é um “desafio” ou “probleminha”, é um grande desafio! Claro que a área de jogos e entretenimento digital tem muitos desafios, problemas, dificuldades, limitações, deficiências, dentre outros; só que neste momento parte da comunidade, em congregação e coletivamente, abriram uma chamada para que a própria comunidade encaminhe desafios relevantes através de seus membros, e que outros membros da própria comunidade apreciarão e avaliarão. Desafios voltados à pesquisa.

Isso é importante porque não é nada “natural” ou “místico”: são pessoas acadêmico-cientistas encaminhando interpretações próprias em determinado tempo e espaço sobre um domínio específico. Então talvez fuja da contemplação de grandes desafios de todos ou para todos, só que naquela oportunidade e relacionada àquele contexto e aquele período temporal, a comunidade endossou esta perspectiva.

No contexto brasileiro já tivemos alguns grandes desafios nas áreas de computação. Sendo o maior e primeiro com esta dimensão nacional os Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil, de 2006 – 2016, encaminhado pela própria SBC. Neste intervalo, surgiram outros para “subáreas da computação”, como Interação Humano-Computador (GranDIHC-BR, 2012 – 2022), Sistemas de Informação (GranDSI-BR, 2016 – 2026), Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (GranD-ReSD, 2013-2023) e este aqui tratado.

De acordo com a SBC, estes “grandes desafios” devem ser: facilitadores de avanços significativos à ciência; problemas visionários e ambiciosos, porém realistas; motivadores para a comunidade; multidisciplinares; claros e objetivos. Claro que há toda uma individualidade e subjetividade na avaliação destes valores, e a apreciação por diversos pares busca tanto uma convergência à objetividade quando conivência ampla da comunidade à proposta.

Só que há outro “grande desafio” por trás dos grandes desafios, agenciá-los. Por exemplo, no IHC de 2017 teve um painel dedicado para o GranDIHC-BR, com publicações próprias. E toda chamada de trabalhos há um apelo para que os autores situem (ou busquem situar) suas pesquisas em relação ao GranDIHC-BR. 

Caso os grandes desafios não surjam de maneira orgânica nas demais pesquisas da área, eles se tornam apenas publicações isoladas ou inserções impostas. Neste sentido, grandes desafios podem auxiliar outras pesquisas, seja como motivação, crítica do grande desafio, falar sobre como a comunidade está lidando com o grande desafio e analisar seu impacto, sobre o atravessamento da pesquisa com o grande desafio, dentre outros. E mesmo que este grande desafio não seja “solucionado”, a comunidade pôde dialogar com ele e avançar tópicos diretamente ou indiretamente encaminhados, ou paralelos. Isto é, encaminhar grandes desafios e apenas abandoná-los esperando que magicamente todo mundo os perceba ou se interesse é um tiro no pé.

Dito isto, vamos ao GranDGamesBR

2. GranDGamesBR 2020 – 2030 

Observações importantes: o foco aqui são os desafios, então outros dados como autores e similares estão ausentes (e podem ser encontrados nos locais adequados, nas referências); por enquanto foram lançados apenas os textos como artigos de posição, que tem 4 páginas.

Esses artigos passaram por uma revisão rigorosa por diversos especialistas da área (entre 7 e 13). E alguns destes desafios aqui propostos estão novamente sendo revisados por especialistas para composição de um livro com suas versões estendidas, completas. 

Claro que outras comunidades podem aproveitar desses desafios e dialogar com eles, porque há bastante interseção entre jogos e entretenimento digital e outras áreas, como os vários e vários casos de gamificação ou ludificação em quase tudo quanto é lugar por aí; alguns deles estão em inglês, então parte do conteúdo exposto aqui é tradução livre; um grande desafio não é unicamente para ser concordado ou aceito, há possibilidade de interação conflituosa com o mesmo.

E finalizando, este é um “resumo do resumo”, então aqui deixa um “gostinho”…, para melhor degustação, os artigos de posição estão disponíveis publicamente e, em breve, alguns deles terão as suas versões completas estendidas que comporão um livro de referência para a área.

Grandes desafios encaminhados no SBGames 2020:

D.1 Inteligência Artificial Colaborativa para Suportar o Desenvolvimento de Jogos

A estrela deste grande desafio é a, atualmente, tão famosa cereja do bolo computacional: Inteligência Artificial (IA). Há bastante ênfase no conceito de Geração de Conteúdo Procedural (Procedural Content Generation – PCG), automatizando algumas tarefas realizadas por pessoas no processo de desenvolvimento de jogos. Apesar do potencial para melhorias no contexto de jogos, este tema é pouco explorado na Academia.

Os autores discorrem extensivamente sobre o atual estado-da-arte deste tema, e seguem com os desafios propriamente ditos:

  1. Produção de jogos com suporte de IA colaborativa;
  2. Conduzir revisões sistemáticas da literatura sobre o tema;
  3. Aprofundamentos do processo criativo relacionado à mecânica e jogabilidade;
  4. Estudar como os usuários interagem com o jogo, em termos de hardware e controles dos jogos;
  5. Estudar a construção de história nos jogos, assim como seleção e elaboração de artes.

Após apresentados os desafios em aberto, os autores reiteram os desafios da interseção de IA e jogos e anunciam a necessidade do encontro de profissionais de diferentes perfis e áreas para avançar estes desafios. 

Interpreto que este desafio tem uma ênfase nos aspectos técnicos, principalmente relacionados à automação, automatização e IA. Parece que um dos desafios é, igualmente, utilizar o tema de IA com qualidade.

D.2 Avaliação de Fatores Humanos na Interação com Jogos Digitais 

O desafio anterior nos trouxe uma interseção com IA, neste temos com Interação Humano-Computador (IHC).

IHC tem diversas sub-ramificações, como a orientada a crianças ou a orientada a animais. Aqui temos uma ramificação orientada à outra área do conhecimento, os Jogos. Como as pessoas autoras anunciam, como abordar um processo de avaliação de jogos considerando fatores humanos ainda é um desafio, além da conceituação e desenvolvimento dos mesmos.

Há um forte apelo acadêmico, o que é interessante ao considerarmos que estes grandes desafios são orientados à pesquisa, onde as pessoas autoras citam e dialogam com comunicações e eventos acadêmicos a todo momento. Ao invés de encaminhar grandes desafios, irão apresentar necessidades:

  • Necessidade de promover a avaliação apropriada das características humanas em jogos;
  • Necessidade de clareza quanto ao que se entende, de modo geral, por experiência do jogador;
  • Necessidade de considerar as características humanas como um todo e como elas afetam umas às outras;
  • Fomentar a avaliação no contexto da indústria, a partir ´ das práticas desenvolvidas na academia.

Ao final são apresentadas ações específicas para promoção deste desafio, como incentivar a criação de materiais didáticos e práticas de ´ensino sobre o tema para apoiar professores da área; e buscar parcerias entre universidade e indústria para cooperação em projetos que permitam a troca de experiências e aperfeiçoamento mútuo

Interpreto este como um desafio bastante interdisciplinar, dada a sua ênfase em IHC, e com forte apelo finalístico acadêmico.

D.3 Desafios para o Design, Desenvolvimento e Avaliação de Jogos Acessíveis

Este grande desafio é direto, trata de Acessibilidade. Logo na introdução os desafios são indicados:

  1. Estabelecer boas práticas de design de jogos que possam tanto prover a acessibilidade necessária para incluir usuários com deficiência sem tornar o jogo pouco atrativo para outros jogadores;
  2. Revisitar os padrões de acessibilidades existentes para jogos que possam se adequar às novas plataformas (e.g, Realidade Virtual, Wearable);
  3. Ampliar a formação de profissionais da área de design e desenvolvimento de jogos para difundir os padrões/guidelines existentes e os novos que irão surgir;
  4. Propor métodos de avaliação de experiência do jogador que possam captar e analisar melhor a experiência de pessoas com deficiência;
  5. Propor e analisar ferramentas automáticas que possam avaliar os padrões/guidelines de acessibilidade.

Particularmente, eu mesmo simpatizo com este desafio porque sou daltônico e isso prejudica minha interação com muitos jogos computacionais, especialmente os que não tem recursos e funcionalidades específicos para esta deficiência. E até nos que têm às vezes é bem ruinzinho…

Sendo um desafio bem direcionado, objetivo e claro, acredito que nem se precise estender muito. Ao final as pessoas autoras indicam algumas diretrizes claras e consistentes para nortear o avanço dos desafios.

Interpreto este como um desafio objetivo, complexo, e negligenciado. Complexo porque tratar de acessibilidade em um campo tão plural quanto jogos, que também tem requisitos estéticos, é cheio de variáveis conflitantes. Trazendo novamente à tona o daltonismo, mudar as cores de um jogo pode “destruir” o projeto de arte por trás dele, só que torna a experiência da pessoa daltônica agradável (ou até possível dependendo do caso), essa troca é válida? Objetivo porque requisitos de acessibilidade são claramente perceptíveis, embora muitas vezes difíceis de desenvolver ou implementar. Negligenciados porque, se considerarmos o sistema econômico predatório e negligente com minorias, não é interessante pensar em acessibilidade, por exemplo: “será que pessoas idosas jogarão este jogo?”, se toda a orientação é direcionada para lucro, para a maioria dos potenciais consumidores, e para retorno comercial inescrupuloso, essa pergunta tem importância zero. Mesmo que idosos sejam um possível público para o jogo e tenham necessidades específicas de acessibilidade.

D.4 Da Falta de Engajamento à Motivação: Estratégias de Gamificação para Melhorar as Experiências de Aprendizado dos Usuários

Aqui a comunicação gira em torno de um dos fenômenos mais quentes (e polêmicos) do contexto de jogos da década de 2020, a gamificação. O desafio central é como melhorar o engajamento de estudantes no processo de aprendizado através do uso de pesquisas avançadas no design gamificado.

Já no início temos alguns encaminhamentos:

  • Fornecer ferramentas para apoiar os professores a projetar e implementar a gamificação de forma adequada (em ambientes virtuais ou desconectados);
  • Identificar e medir a motivação em tempo real (ou seja, através da identificação de estados de fluxo, sem métodos intrusivos (por exemplo, como pesquisas que podem afetar a experiência dos alunos);
  • Compreender, projetar e implementar formas de manter o aluno imerso no conteúdo com o auxílio dos elementos do jogo, onde sua experiência de usuário é de extrema importância.

Os direcionamentos e desafios propostos são expostos em texto corrido e misturados, e eu os condenso da seguinte forma:

  1. Alinhar os conceitos e propriedades do ensinar-aprender na Educação com a educação gamificada (por exemplo, através de taxonomias);
  2. Lidar com a fluidez e subjetividade de aprendizado dos estudantes, respeitando o perfil de jogador de cada um;
  3. Pensar além do usuário ou público-alvo, pensar no conteúdo do aprendizado e no contexto;
  4. Lidar com a complexidade de avaliação do nível de engajamento dos estudantes.

As pessoas autoras sumarizam estes desafios e são encaminhados ao nível de design, ajustes e avaliação. Alguns princípios para trabalhos futuros relacionados a este grande desafio também são encaminhados.

Interpreto este como um grande desafio que trata de Educação em um dos tópicos emergentes bem controversos, educação gamificada. É um grande desafio essencial e polêmico.

D.5 Jogos como Plataformas Mediadoras em um Mundo Aberto e Digital

Este grande desafio basicamente rompe com as fronteiras estruturalistas clássicas e trata do algo mais alinhado com o paradigma contemporâneo de reflexão filosófica, o mundo aberto (e nele, o mundo digital). [Observação particular minha: é muito curioso ler “mundo aberto” quando não se trata da dinâmica de mundo aberto no jogo e sim mundo aberto fora dele, porque jogos também podem ser plataformas mediadoras em universos ciberespaciais de mundo aberto]

Como as pessoas autoras brilhantemente resumem, jogos vêm sendo subutilizados como ferramentas para mudanças sociais e comportamentais. E, diversas vezes, associados a transgressões nocivas de comportamento social. Logo, como mudar isso? Como ultrapassar esse estigma cultural de que jogos são banais, triviais ou basicamente simples brincadeiras inofensivas?

Logo após segue uma seção para esclarecer a relevância deste grande desafio, onde é citado do GranDSI-BR, com um grande desafio similar orientado ao mundo aberto e transparência de informações.

Segue o grande desafio, que é: como analisar, modelar e projetar jogos de forma a ampliar o entendimento mútuo entre atores (cidadãos jogadores e instituições), sobretudo o entendimento de contextos organizacionais ou sociais complexos, o acesso a informação, a interação e inovação em um mundo cada vez mais aberto e conectado.

As pessoas autoras apresentam três sub desafios, com detalhamento próprio:

  1. Jogos Digitais Para Interação com o Cidadão;
  2. Jogos Digitais Como Plataformas de Inovação Social;
  3. Jogos Digitais, Dados Abertos e Fiscalização.

Minha interpretação deste desafio é controversa, porque ele é tão abrangente que parece um desafio que extrapola o intervalo de tempo, a proposta em si e o contexto. Ao ponto que pode atravessar um nível filosófico altamente especulativo até o físico, puramente técnico. É categoricamente um desafio perceptivelmente crítico, ao mesmo tempo que difícil de lidar pela sua amplitude.

D.6 Modelagem de Negócio para Estúdios Independentes nos Ecossistemas de Software de Jogos Digitais

Diretamente da Engenharia de Software, agora vamos para Ecossistemas de Software (ECOS), especificamente para Jogos. De início já temos uma exposição da relevância de ECOS para o cenário de software da década de 2020, e inclusos os jogos digitais. Há bastante ênfase no contexto organizacional e procedimental, tratando de negócios.

Duas são as abordagens principais do grande desafio: (1) adoção da perspectiva e conceitos de ECOS pelo setor de jogos digitais e (2) elaboração de modelos de negócio para o contexto nacional.

Os desafios são:

  1. Interoperabilidade e integração de soluções;
  2. Engenharia de software para jogos;
  3. Modelagem e análise de ecossistemas;
  4. Gestão do conhecimento e complexidade;
  5. Sustentabilidade da rede de produção;
  6. Modelagem e análise de ecossistemas e a gestão do conhecimento e complexidade.

Interpreto este desafio com forte vínculo em Sistemas de Informação e Engenharia de Software, com um viés sociotécnico forte. Pode ser beneficiado de uma multidisciplinaridade com especialistas das áreas de ciências sociais aplicadas com ênfase em organizações, como Administração, Engenharia de Produção, Economia, dentre outros.

Grandes desafios encaminhados no SBGames 2021:

D.7 Equilibrando Pedagogia, Emoções e Design de Jogos no Desenvolvimento de Jogos Sérios

Os dois elementos centrais deste desafio são jogos sérios e aprendizado baseado em jogos.

Jogos sérios são aqueles onde o objetivo, foco ou intenção primários estão além do entretenimento, diversão ou lazer (particularmente, eu tenho muitas ressalvas a esta definição essencialmente estruturalista). E o aprendizado baseado em jogos é bem intuitivo, desde a ideia de jogos onde explícita, direta e objetivamente a intenção é educar, instruir ou formar, até jogos onde essa intenção está meio que “escondida”, como aprender história jogando Assassin’s Creed ou aprender como manusear armas de fogo utilizando jogos de tiro em primeira pessoa.

Os autores apresentam duas questões como exemplos que guiam este desafio: qual gênero de jogo é mais adequado para promover uma habilidade específica? Quais mecânicas (saltar, atirar, coletar etc.) um designer deve implementar para maximizar a retenção de conteúdo educativo? Este desafio é bem mais do que isso, estas questões trazem inquietações e provocações fortuitas.

Este grande desafio é dividido em três grandes categorias: 

  1. Mapeamento de elementos de jogo com teorias pedagógicas; 
  2. Entendimento a relação entre afeto, cognição, motivação e fundamentações socioculturais, como influenciam tanto a experiência de jogo quanto aprendizado; 
  3. Criação de um arcabouço intuitivo e eficaz para projetar e avaliar jogos sérios e aprendizado baseado em jogos, com base em práticas empíricas/padrões da indústria em design de jogos e pesquisa acadêmica, podendo ser usada por educadores e designers de jogos de formações diversas.

Interpreto que este desafio tem um forte apelo à interdisciplinaridade entre educação e jogos, com possibilidade de sinergia entre especialistas de ambas as áreas.

D.8 Desafios para realidade estendida em jogos

Como os autores anunciam de início: “A plataforma de Realidade Estendida (XR) pode ser considerada como um incremento da Realidade Virtual em relação aos aspectos de imersão e interação. Enquanto as plataformas de Realidade Virtual são principalmente dedicadas a questões visuais e a Realidade Aumentada usa cenas reais como palco principal, XR inclui mais elementos e sentidos externos, como movimentos, tátil, háptico e o uso do ambiente real como palco de aplicação”.

São diversas as ramificações deste desafio. De início, “ciberenjoo”. Ele vem do famoso enjoo de movimento, só que aplicado ao contexto cibernético. Por exemplo, quando pessoas utilizam óculos de realidade virtual e sentem dor de cabeça ou náusea. Lidar com este desafio pode ajudar a desenvolver melhores soluções de realidade estendida, melhorar a experiência de usuário e reter usuários em exposições mais longas.

Os que seguem são, experiência de usuário; exibição e renderização foveada/foveal (display, foveated rendering); qualidade de imagem e renderização; movimento e redirecionamento de caminhada (movements and redirect walking); rastreamento corporal; informação do mundo externo.

Interpreto que este desafio tem um forte apelo aos aspectos técnicos.

D.9 De volta ao parquinho: A busca da diversão no jogo digital

Como os autores sintetizam, este grande desafio se trata de entender como promover a diversão nos jogos digitais (tanto do ponto de vista prático quanto do científico). O desafio é separado em quatro dimensões, que são divididas em médio prazo (5 anos) e longo prazo (10 anos): conceitual, projetual, científica e desfechos.

Na dimensão conceitual, o(s) entendimento(s) do que é diversão. Na dimensão projetual: “Entender como usar esses construtos a fim de otimizar e melhorar os resultados com o   público-alvo é um dos problemas. Saber quais elementos usar e quando os usar, quais não usar é de extrema importância para um bom resultado em um projeto de jogo.”. Na dimensão científica, estruturar, formalizar e analisar a diversão nos jogos. Na dimensão de desfecho, a conexão entre os achados das demais dimensões.

Interpreto que este desafio tem um forte apelo aos aspectos filosóficos (o que é diversão?) e da mente humana, aproximando a Psicologia e estudos da mente humana. Isto em nível específico de “diversão” enquanto objeto central.

D.10 Ética e Jogos, jogo ético e ética em jogo

Este desafio traz um elemento pouco abordado nas pesquisas, projetos e produtos envolvendo jogos e entretenimento digital, a ética. Embora pareça puramente filosófico de início, há bastante espaço além de uma perspectiva especulativa, na ciência do comportamento moral. E nesse desafio específico o foco são as práticas relacionadas aos jogos, e os valores acerca destes.

De início há uma cobertura breve de ética, e depois diversas deixas e possibilidades de interseção entre ética e jogos. Por exemplo, quando um jogo permite mods, esses mods são responsabilidade do desenvolvedor dele ou da empresa que gerencia o jogo? E se esse mod apresentar conflitos de propriedade intelectual? E se for contra os próprios valores centrais do jogo? E se apresentar discurso de ódio? Limitar mods é ir contra a liberdade de expressão?

Neste sentido, os autores dividem o grande desafio em categorias, que podem relacionar-se entre si: 

  1. Uma ética para jogos;
  2. Compartimentalização da complexidade;
  3. Ética e estética;
  4. Sustentabilidade social;
  5. Valores morais, suas influências e impacto;
  6. Anti-colonialismo e soberania político-cultural;
  7. Gamificação de/para tudo.

Interpreto que este desafio tem um forte apelo aos aspectos filosóficos (filosofia moral), do comportamento humano, da axiologia. De certa forma, bastante distante do aspecto técnico, dialogando sobre ele, não com ele.

D.11 GranDGamesBR: Análise Perceptiva de Personagens de Computação Gráfica em Entretenimento Digital

Grande parte do texto deste grande desafio envolve a sua introdução e trabalhos relacionados, de forma que fui incapaz de extrair muito encaminhamento objetivo dele. A seção de discussão, de fato, indica os apontamentos deste grande desafio. E é deste conteúdo que vou falar agora, dos 3 sub-desafios.

  1. O primeiro é a avaliação de dados perceptivos humanos, obter a validar a percepção humana relacionada com o objeto central do grande desafio; 
  2. Segundo, criar experimentos onde os personagens de computação gráfica são controláveis; 
  3. Terceiro, estudar estética computacional relacionada com o objeto central do grande desafio.

D.12. Jogos Digitais como Mediadores da Estimulação das Funções Executivas no Contexto Escolar

Retornamos ao domínio educacional que já tratamos no D.1, só que dessa vez com outra abordagem, tratando das funções executivas.

São três as funções executivas apresentadas, memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Todo o foco inicial é voltado a enfatizar a importância das funções executivas, principalmente em crianças. Há bastante diálogo com a neuropsicologia.

Os desafios são:

  1. Desenvolvimento de Jogos Digitais para Avaliação e Estimulação Cognitiva em Crianças e Adolescentes; 
  2. Desenho dos estudos com uso de Jogos Digitais; 
  3. Aplicações no Contexto Escolar e Âmbito Nacional; 
  4. Uso de Curvas de Dificuldade em Jogos Digitais; 
  5. Estimulação Cognitiva no Contexto Escolar após Isolamento Social pela COVID-19.

A interação com a realidade concreta, ao lidar com a pandemia de COVID-19, é um diferencial bastante positivo neste grande desafio.

Interpreto que este desafio lida, com os próprios autores apontam, com neuropsicologia, educação, e com uma vertente científica mais tradicional e estruturalista.

D.13 Oportunidades e desafios em entretenimento imersivo

“Usaremos o termo ‘entretenimento imersivo’ para incluir qualquer aplicativo de entretenimento projetado para sistemas imersivos, por exemplo, jogos, experiências narrativas e trabalhos de desempenho. Embora possa haver uma sobreposição considerável com aplicações de trabalho, terapêuticas, treinamento ou educacionais, nossa preocupação aqui é principalmente entretenimento.”

Então, de início, parece que este grande desafio e o D.8 são colegas.

As diferenças conceituais de “entretenimento imersivo” e outras coisas vão surgindo conforme leitura. Já no início do primeiro desafio proposto o autor já esclarece que “O que distingue os sistemas imersivos de outras tecnologias é a realidade da experiência, também conhecida como presença.”. Já facilita a nossa vida. O que é “presença”? Fica aí a deixar para você mesmo ir lá e ler mais sobre esse tópico. 😛

Os desafios propostos são: 

  1. Entendendo presença e experiência do usuário; 
  2. Criando personagens críveis e contação de história (storytelling) engajadora; 
  3. Design de técnicas de interação inovadoras; 
  4. Melhorando renderização, rastreamento e entendimento de espaço; 
  5. Explorando usos para sensoreamento fisiológico e respostas biológicas (biofeedback); (vi) Criando experiências sociais melhores; 
  6. Salvaguardando usuários e promovendo design responsável; 
  7. Melhorando a democratizando a geração de conteúdo.

Interpreto que este desafio é bem próximo do D.2, só que com mais riqueza de multidisciplinaridade

D.14 Promoção da Autonomia dos Atores no Processo de Criação de Jogos Digitais Educacionais

Novamente retornamos à Educação com o último grande desafio.

Logo no início da segunda seção os autores deixam bem claro que o desafio é: “criar mecanismos arquiteturais e de projetos que permitam que stakeholders do contexto educacional possam participar com mais autonomia do processo criativo e construção de jogos digitais educacionais a serem publicados em repositórios, além de fornecer subsídios para acompanhamento e monitoramento do processo de aprendizagem, de forma a promover sua escalabilidade sem a necessidade do envolvimento constante de uma equipe técnica de programadores para viabilizar a criação de novos jogos com o mesmo Game Design.”.

Esse é um problema antigo na computação em geral, agora especificado e posicionado com propriedade em jogos. Habilitar o uso de funcionalidades, operacionalizações e mecanismos computacionais através de soluções técnicas, sem necessidade de especialização técnica avançada.

Orbitando a preocupação central deste desafio temos o apelo à transparência (gratuidade, acesso aberto, facilidade de acesso etc.), também fomentado por lei específicas.

O desafio tem os seguintes direcionamentos: 

  1. Professores como especialistas de domínio; 
  2. Estudantes como construtores ativos do seu próprio conhecimento; 
  3. Supervisores/gestores como facilitadores da construção colaborativa.

Como os autores indicam nas considerações finais, a equipe técnica muda de papel. Ao invés de projetar soluções “fechadas”, foca na autonomia dos demais atores deste cenário.

Interpreto este desafio de forma similar aos outros orientados à Educação, só que ele traz essa perspectiva de autonomia bastante interessante.

3. Considerações finais

Notamos uma boa variedade de temas e propostas, onde específica e explicitamente educação aparece majoritariamente. Alguns outros desafios, paralelamente, também trazem educação por uma perspectiva menos estruturalista, como na reflexão ética do D.10 quando tratamos de aspectos éticos no uso de jogos como abordagem pedagógica ou na reflexão de mundo aberto do D.5. Por exemplo, se a classificação indicativa do jogo é 18 anos, o professor pode utilizar esse jogo para uma turma de alunos de 15 anos de idade, com uma abordagem controlada e didática planejada para isso?

Pensei em fazer uma categorização generalizada dentre os quatorze grandes desafios, mas isso poderia mais prejudicar do que ajudar.

Caso a sua pesquisa tenha interseção com algum destes tópicos tratados nos desafios, cá estão eles como motivação para sua investigação acadêmico-científica.

Lembre-se, são grandes desafios para pesquisa brasileira e que também podem refletir o cenário internacional; relacionados a jogos, mas não restritos a comunicações ou publicações neste domínio; mesmo que você perceba outros “grandes desafios”, estes foram os encaminhados na ocasião de chamada ampla da comunidade; os grandes desafios podem ser estendidos, complementados, criticados, discutidos ou usados como base para diálogo acadêmico-científico construtivo.

E que venham mais grandes desafios das outras áreas. \o/

Referências

Todos os endereços eletrônicos aqui presentes foram acessados em 15/07/2022

Todos os desafios disponíveis abertamente (WORKSHOP GRANDGAMESBR):

https://www.sbgames.org/sbgames2020/pt/proceedings/

https://sol.sbc.org.br/index.php/sbgames_estendido/issue/view/910

Outros grandes desafios em atividade em 2022:

GranDIHC-BR, 2012-2022: https://www.researchgate.net/publication/262181928_I_GranDIHC-BR_-_Grandes_Desafios_de_Pesquisa_em_Interacao_Humano-Computador_no_Brasil

GranDSI-BR, 2016 – 2026:

https://www.researchgate.net/publication/314856566_I_GranDSI-BR_-_Grandes_Desafios_de_Pesquisa_em_Sistemas_de_Informacao_no_Brasil_2016_a_2026

GranD-ReSD, 2013-2023:

http://ce-resd.facom.ufms.br/?page_id=485

Sobre as pessoas autoras

Luiz Paulo Carvalho

Bacharel em Sistemas de Informação (SI) pela UNIRIO. Mestre em Informática, com ênfase em SI, pelo PPGI/UNIRIO. Doutorando em Informática pelo PPGI/UFRJ, integrante do Laboratório CORES. Bolsista e pesquisador CAPES. Tópicos de interesse são, não limitados a, Ética Computacional, Discriminação e opressão social em SI, Transparência de SI, Modelagem e qualidade de processos de negócios, Privacidade e proteção de dados, CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

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