Agricultura 4.0 e o desenvolvimento de pesquisas de computação aplicada às ciências agrárias
Por Laura Santana e Josenalde Oliveira
As denominadas ‘tecnologias habilitadoras 4.0’ tem sua base na área da computação e no processo de transformação digital e datificação crescente do setor produtivo. Inicialmente associadas à indústria [1], passam rapidamente a ser incorporadas na saúde, cidades e agricultura. Termos como Big Data e Analytics, Computação em Nuvem, Realidade Virtual e Inteligência Artificial possibilitam o avanço de processos de manufatura aditiva, integração de sistemas ciber-físicos e biologia sintética, tudo isto no contexto da Internet das Coisas, onde a variedade e velocidade das fontes de dados são determinantes. Neste contexto, a Agricultura 4.0, portanto, trata da aplicação destas tecnologias ao setor agrário em uma referência ao termo Indústria 4.0.
Assim como na Indústria 4.0, na Agricultura 4.0 vemos o uso de sensores gerando dados e sistemas com tecnologia para analisar esses dados, automatizando e/ou auxiliando o processo de tomada de decisão.
Em todo o mundo, a chamada agricultura de precisão, cujo princípio está na definição de estratégias de manejo mais eficientes, considerando a variabilidade espacial e temporal da unidade produtiva, tem permitido o uso adequado dos insumos a fim de evitar desperdícios. Para isso são utilizados sensores em campo, drones e imagens de satélite, cujos dados capturados são processados por softwares de gestão agrícola e para construção de mapas de produtividade [2].
A fim de permitir a constante evolução do país nessa área, buscando garantir maior produtividade e melhor uso dos recursos ambientais, é importante o desenvolvimento de ciência e tecnologia aplicada para este fim. Nesse contexto, o Brasil possui como referência a unidade Embrapa Informática Agropecuária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além dessa referência, o país possui alguns programas de pós-graduação stricto sensu em tecnologias computacionais para a agricultura, a saber: na Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) [3]. Como forma de divulgação das pesquisas de computação aplicada às ciências agrárias, a Associação Brasileira de Agroinformática (SBIAgro), sociedade sem fins lucrativos com representação em comissão do Ministério da Agricultura, desenvolve alguns eventos, sendo o Congresso Brasileiro de Agroinformática o principal evento científico da área no país.
A adoção de tecnologias computacionais no setor agrário tem demonstrado ser o diferencial na otimização dos processos, tomada de decisões mais assertivas e agregação de valor aos produtos.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tornou-se pioneira no nordeste brasileiro na oferta de curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas que estimula a ênfase nos sistemas agrários, motivando o aluno a visualizar e desenvolver soluções computacionais para esta área de conhecimento. O curso é ofertado na Escola Agrícola de Jundiaí, Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias, que tem como um de seus objetivos tornar-se centro de excelência em ciências agrárias. Alguns dos projetos desenvolvidos pelo grupo de professores pesquisadores do curso podem ser vistos no site do laboratório TAPIOCA (Tecnologias Aplicadas às Ciências Agrárias), como por exemplo, o projeto PalmaS em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (Emparn) que desenvolve um sistema computacional de apoio à decisão para o gerenciamento integrado das Cochonilhas do Carmin e de Escama em Palma Forrageira (cacto). Esse sistema especialista em um aplicativo móvel tem por objetivo ajudar o agricultor no gerenciamento das pragas e aplicação adequada dos produtos de proteção de acordo com a fase de infestação e o ciclo de desenvolvimento da praga. Outro projeto do grupo, desenvolve um processo automatizado para análise da qualidade de sementes de soja utilizando técnicas de deep learning. Nesse projeto, redes neurais convolucionais são usadas para analisar imagens de um lote de sementes de soja e informar o percentual de sementes viáveis, auxiliando o produtor na avaliação para comercialização das sementes.
O grupo tem ainda projetos em parceria com o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Pesquisa e Desenvolvimento do Brasil (INESC P&D Brasil), uma Instituição Científica e Tecnológica (ICT) não-governamental, constituída como uma associação privada sem fins lucrativos com o objetivo de, em conjunto com universidades públicas brasileiras e o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores Tecnologia e Ciência de Portugal (INESC TEC), coordenar uma rede de cooperação em pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia no Brasil. Dentre esses projetos estão o Agrinupes e o AvIoT, o primeiro tem como objetivo o monitoramento e controle integrado de água, nutrientes e produtos fitofarmacêuticos para otimizar as necessidades das plantas, minimizando os impactos ambientais. Já o AvIoT busca a implantação de solução para monitoramento constante da produção e aplicação de técnicas de Inteligência Artificial e aprendizagem de máquina para que se obtenha os melhores parâmetros para produção de aves de corte e que deverão proporcionar melhorias constantes na qualidade e rentabilidade do produtor.
O papel de desenvolvedor de tecnologias computacionais e de automação para a Agricultura 4.0, passa pelo estímulo e fomento em todo ecossistema de inovação.
De modo a ampliar e fortalecer a imagem do país como líder agrícola mundial, o papel de desenvolvedor de tecnologias computacionais e de automação para o setor, passa pelo estímulo e fomento em todo ecossistema de inovação, desde o produtor, passando pelas startups (agritechs), institutos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e academia, contribuindo esta desde a base, com formação de mão de obra qualificada [4] e como um hub de conhecimento e pesquisa para aplicação de relevância no contexto agrícola. Há todo um potencial por explorar.
Esse é um caminho necessário para o Brasil como importante fornecedor de produtos agropecuários tanto para o mercado interno como externo, formar profissionais capacitados para desenvolver e lidar com tecnologia no setor agrário, produzindo mais com menos, cuidando do meio ambiente e dos recursos disponíveis.
Referências
[1] LU, Y. Industry 4.0: A survey on technologies, applications and open research issues. Journal of Industrial Information Integration, v. 6, p. 1-10, 2017. https://doi.org/10.1016/j.jii.2017.04.005
[2] GEBBERS, R.; ADAMCHUK, V. I. Precision agriculture and food security. Science, v. 327, n. 5967, p. 828-831, 2010. https://science.sciencemag.org/content/327/5967/828
[3] CAMARGO, A. M. Entrevista com Maria Fernanda Moura. TECCOGS – Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, n. 20, jul./dez. 2019. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/teccogs>
[4] OLIVEIRA, J. B. O ensino de informática nos cursos de engenharia das áreas agrárias e ambientais. Revista de Ensino de Engenharia, v. 32, n. 1, p. 9-18, 2013. http://revista.educacao.ws/revista/index.php/abenge/article/view/137
Sobre os autores
Laura Emmanuella A. dos S. Santana. Professora Adjunta da UFRN. Doutora em Ciência da Computação na área de Inteligência Computacional. Seus trabalhos envolvem o desenvolvimento de sistemas inteligentes aplicados às Ciências Agrárias.
Josenalde B. de Oliveira. Professor Titular da UFRN e coordenador do Agroalimentar e Floresta no INESC P&D Brasil. Eng. de Computação com doutorado em Engenharia Elétrica, área Automação e Sistemas. Tem se dedicado à integração da computação e automação com as ciências agrárias.
Como citar esse artigo
Santana, Laura; Oliveira, Josenalde. Agricultura 4.0 e o desenvolvimento de pesquisas de computação aplicada às ciências agrárias. SBC Horizontes, marco. 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/03/Agricultura-4-0-e-o-desenvolvimento-de-pesquisas-de-computacao-aplicada-as-ciencias-agrarias/. Acesso em: DD mês. AAAA.