O que as eleições municipais de 2020 têm a nos dizer sobre a violência cibernética de gênero?
por Milena Márcia de Almeida Alves e Jasmine Lira Alheiros Dias
(Especial GEDI)
De forma geral, a entrada das mulheres no espaço público contou com um histórico de bastante resistência. Quando o assunto é liderança política, de acordo com o Mapa Global de Mulheres na Política, realizado pela Organização das Nações Unidas e divulgado em 2020, atualmente, menos de um décimo dos países do mundo são liderados por mulheres. Nesse ranking, o Brasil encontra-se na posição 140, estando situado na terceira pior posição da América Latina (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2020).
Esse número pode ser, dentre outras situações, justificado pela taxa exorbitante de hostilidades sofridas pelas mulheres, que temem ingressar em um campo tão estranho à presença feminina.
A ilustração acima faz referência ao segundo evento virtual da #ViolênciaNão – Pelos Direitos Políticos das Mulheres, mobilização nacional de prevenção à violência contra as mulheres em contextos eleitorais, lançada em parceria com a União Europeia (ONU Mulheres, 2020).
É nesse ponto que violência de gênero e internet passam a se conectar.
A imagem não foi escolhida por acaso: ela é capaz de simbolizar o estudo de caso que conduzimos, que teve as eleições ocorridas no Brasil no ano passado como centro. As eleições de 2020 ficaram marcadas por uma onda de violência sem precedentes, e foi tomando esse marco como pano de fundo que analisamos de que maneira a internet, embora com todos os seus incontáveis benefícios, também funciona como um entrave à participação política feminina.
A resposta se dá por meio das chamadas violências política e eleitoral de gênero ocorridas na rede.
A violência eleitoral de gênero faz parte de uma categoria maior, denominada “violência política de gênero”. Enquanto a violência política traduz as “ações dirigidas contra as mulheres candidatas, ativistas e eleitoras durante o processo eleitoral (…), tanto durante as campanhas eleitorais como depois, quando as mulheres assumem posições políticas” (KROOK; SANÍN, 2016); a espécie “eleitoral”, como o nome já sugere, é a ocorrida especificamente em um contexto de campanha eleitoral, sendo, assim, mais específica.
Trata-se, então, de uma relação de gênero-espécie em que a violência eleitoral figura como espécie da violência política. Acontece que, embora denunciados pelas mulheres nas redes sociais, ambos os tipos de violência comungam da problemática da falta de monitoramento e de dados oficiais.
Talvez pelo esforço que demanda mapear e colocar em palavras as situações violentas quando verificadas na internet, ao menos no ano de 2020, a tarefa ficou basicamente a cargo da mídia independente. Por isso, a nossa forma de obtenção de dados adveio, majoritariamente, dos veículos jornalísticos que fogem à ideia de “mídia tradicional”.
Por meio do projeto MonitorA, iniciativa do INTERNETLAB com a revista feminista AzMina, foram monitoradas candidatas ao pleito municipal – de espectros políticos, idades e estados diferentes – e, assim, coletados e analisados tweets que citavam suas contas na rede social Twitter. A fim de captar eventuais agressões, uma linguista elaborou um filtro de termos de cunho misógino, racista e ofensivo que deu como resposta que, no primeiro mês de campanha (entre 27 de setembro e 27 de outubro de 2020), 11% dos tweets possuíam algum teor agressivo (INSTITUTO AZMINA, 2020).
Embora o Twitter não esteja sequer elencado entre as dez mídias sociais mais utilizadas no Brasil, a rede possui marcante influência na opinião popular. Sintomático, portanto, o dado que aponta que, dos tweets que possuíam algum tipo de engajamento (like e/ou retweet), 1.261 representavam xingamentos direcionados diretamente às candidatas (DATA REPORTAL, 2021). Os termos mais utilizados para ofender as candidatas estão dispostos abaixo.
É bem verdade que, apenas olhando os dados acima, pouco pode ser dito sobre a violência eleitoral de gênero. No entanto, o trabalho louvável da mídia independente se encarregou de rastrear a “gramática da violência”, tendo uma ideia de como ela se deu em 2020. Como consequência desses ataques, temos o reforço do já existente abismo de gênero na política brasileira.
Nesta especial oportunidade de escrever para profissionais da Computação, aproveitamos o espaço para torná-los cúmplices de um dos problemas que nos afetaram ao pesquisar a temática da violência cibernética de gênero em um contexto político: a dificuldade no encontro de dados que consigam expressar a violência em toda sua dimensão. Em outras redes sociais, que não o Twitter, por exemplo.
Fica a provocação acadêmica para futuros trabalhos!
Referências
DATA REPORTAL. Digital 2021: Brazil. Brazil, [S. l.], 11 fev. 2021. Disponível em: <https://datareportal.com/reports/digital-2021-brazil>. Acesso em: 14 fev. 2021.
INSTITUTO AZMINA. Ataques a candidatas se estendem a apoiadoras no 2° turno das eleições. Política, [S. l.], 27 nov. 2020. Disponível em: <https://azmina.com.br/reportagens/ataques-a-candidatas-se-estendem-a-apoiadoras-no-2-turno-das-eleicoes/>. Acesso em: 14 jan. 2021.
KROOK, Mona Lena; SANÍN, Juliana Restrepo. “Gender and political violence in Latin America”. Política y gobierno, v. 23, n. 1, p. 125-157, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/pdf/pyg/v23n1/1665-2037-pyg-23-01-00127-en.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2021.
ONU Mulheres, Câmara dos Deputados e TSE discutem violência política contra as mulheres, 04 dez. 2020. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/103737-onu-mulheres-camara-dos-deputados-e-tse-discutem-violencia-politica-contra-mulheres>. Acesso em 20 maio 2021.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Mujeres en la política: 2020: situación al 1° de enero de 2020. [S. l.], Março 2020. Disponível em: <https://www.unwomen.org/-/media/headquarters/attachments/sections/library/publications/2020/women-in-politics-map-2020-es.pdf?la=en&vs=828>. Acesso em: 11 maio 2021.
Sobre as autoras
Milena Márcia de Almeida Alves é advogada formada pela UFPE, pós-graduanda em Lei Geral de Proteção de Dados e integrante do Grupo de Estudos em Direito Público da OAB/Olinda.
Jasmine Lira Alheiros Dias é formada em Direito pela UFPE e integrante da LACC/UFAL (Liga Acadêmica de Ciências Criminais da Universidade Federal de Alagoas).
COMO CITAR ESSA MATÉRIA
ALVES, M.A.A.; DIAS, J.A.D. O que as eleições municipais de 2020 têm a nos dizer sobre a violência cibernética de gênero?. SBC Horizontes, SBC Horizontes, Junho 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em<http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/05/o-que-as-eleicoes-municipais-de-2020-tem-a-nos-dizer-sobre-a-violencia-cibernetica-de-genero/>. Acesso em: