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A responsabilidade civil dos influenciadores digitais

A responsabilidade civil dos influenciadores digitais

Por Anna Emanuella Rocha e Louise Serrano

(Especial GEDI)

Por volta de 1997, os blogueiros ganharam notoriedade por vincularem-se a um assunto específico de seu interesse e o discutirem em seus blogs (KARHAWI, 2017, p. 59). Logo após, em 2005, despontou o YouTube, a partir do qual os vlogueiros transformaram os seus escritos em vídeos, maximizando a conexão com os espectadores (KARHAWI, 2017, p. 51). Entretanto, haja vista o acentuado desenvolvimento tecnológico, houve a necessidade de expandir a atuação dos formadores de opinião para abranger diversas plataformas sociais, de modo que estes profissionais passaram a serem reconhecidos como influenciadores digitais (KARHAWI, 2017, p. 53-54).

Isto posto, atualmente, os influenciadores são tidos como agentes cuja atividade engaja e envolve aqueles que os acompanham nas redes sociais, a ponto de impactar no comportamento e no consumo destes indivíduos (GOMES; GOMES, 2017, p. 08). Sendo assim, ao compartilharem sua rotina, os influenciadores transmitem representatividade e autenticidade ao público, construindo uma relação mais próxima com os seus seguidores (FELIX, 2017, p. 24).

De maneira complementar, em seus trabalhos, Karhawi (2017, p. 57-59) caracteriza a figura do influenciador com base nas ideias de crédito (de Charaudeau), de capital (de Bourdieu) e de reputação. Nesse sentido, segundo Charaudeau, a informação é construída, consistindo em uma troca entre um sujeito que possui um saber e aquele que não o detém (KARHAWI, 2017, p. 57). Já conforme Bourdieu (1997, p. 47-51), o capital divide-se em três: cultural, econômico e social.

De acordo com Pedroni (2015), o capital cultural seria, por exemplo, a educação (formal e autodidata) dos influenciadores, ao passo que o econômico seria a possibilidade de sustento a partir da profissão exercida com o uso das mídias sociais e o social seriam as redes de relacionamento destes indivíduos. Por fim, a reputação consiste na construção de uma imagem, de um posicionamento ou da identidade perante o público (KARHAWI, 2017, p. 60).

Somado a isso, Campanella (2014, p. 721-741) atribui a estes profissionais os capitais solidário e de visibilidade. O primeiro diz respeito ao papel de conscientização humanitária, social ou ambiental que este profissional pode exercer, enquanto o segundo versa sobre o valor agregado à celebridade em decorrência da superexposição de sua imagem ou ao destaque da marca dentro de um nicho específico.

Trazendo tais conceitos para uma aplicação mais prática, os doutrinadores majoritários têm defendido que a pressão social é insuficiente para reprimir ou prevenir danos ocasionados pela atividade econômica dos influenciadores. Para tanto, levando em conta o seu alcance social e a potencialidade de gerar prejuízos à coletividade, para a responsabilização dos influenciadores, recomenda-se o emprego do instituto da responsabilidade civil objetiva (HENRIQUE, 2020, p. 11-12). 

Face ao exposto, de modo a compreender as implicações decorrentes da relação entre seguidor e influenciador, é fundamental evocar alguns ensinamentos da doutrina jurídica majoritária no tocante à teoria do risco e à responsabilidade civil objetiva. Tomando como base os ensinamentos de Tartuce (2020, p. 702), tem-se que a responsabilidade civil deriva do descumprimento de uma obrigação, da desobediência de regra constante em um contrato ou da inobservância a um preceito normativo destinado a regular a vida.

No Brasil, a responsabilidade civil objetiva tem suas bases na teoria do risco e adota os seguintes elementos essenciais: i. a conduta humana; ii. o nexo de causalidade; e iii. o dano (TARTUCE, 2020, p. 722-806). A conduta humana é fruto de uma ação ou de uma omissão, realizada de forma voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia. Já o nexo de causalidade é a relação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano gerado por ela. Por fim, o dano seria um prejuízo causado a outrem (TARTUCE, 2020, p. 724-806).

Essa teoria do risco, por sua vez, apresenta diversas facetas, sendo aplicável aos influenciadores digitais a teoria do risco da atividade (quando a atividade normalmente desempenhada resulta em riscos a terceiros) (TARTUCE, 2020, p. 808 e 809). Nesse ínterim, Gasparatto, Freitas e Efing (2019, p. 79) destacam que quando o influenciador indica um produto ou serviço em suas mídias sociais, ele também exerce um poder persuasivo sob o comportamento de seus seguidores. Porém, quando as qualidades reais do produto não coincidem com aquelas divulgadas, o influenciador acaba por prejudicar o consumidor e, paralelamente, por violar os princípios da boa-fé e da confiança.

Por isso, com base na teoria do risco, o Direito consumerista defende a aplicação da responsabilidade civil objetiva para os agentes causadores de danos.

Nesse rumo, a partir da teoria do risco profissional (ou da atividade), cabe ao fornecedor arcar com a falha na informação transmitida, pelo inadimplemento de um contrato ou pelo ilícito resultante desta falha (MARQUES, 1999, p. 629-630).

Contudo, nesse contexto, tem-se reconhecido também a figura do “fornecedor por equiparação”, o qual, embora intermediário ou ajudante da relação principal, atuou frente a um único consumidor ou a um grupo de consumidores como se fosse o próprio fornecedor.

Desse modo, tem-se atribuído responsabilidade solidária ao agente que veiculou e se aproveitou do anúncio, qual seja, o influenciador digital (MARQUES et al., 2007, p. 83).

Dessa maneira, a doutrina tem entendido que quando a celebridade (seja ela tradicional, seja ela digital) extrair algum benefício do anúncio (cachê, percentual sob as vendas ou doação à instituição apadrinhada), deverá suportar os danos resultantes das informações veiculadas em sua atividade (GUIMARÃES, 2001, p. 166).

No caso Catarina Cirino contra a influenciadora Virgínia Fonseca e a plataforma Instagram/Facebook, ponderou-se que o Instagram não exerce um controle direto acurado quanto às suas postagens e, em decorrência disso, apenas a influenciadora Virgínia foi condenada a indenizar a Sra. Catarina. Finalmente, haja vista a incipiente abordagem da presente temática, faz-se o adendo quanto à necessidade de acompanhar também decisões futuras relativas ao tema, antes de se estabelecer uma linha de pensamento dedutivo.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. The forms of capital. In: HALSEY, A.H. et al. Education, Culture, Economy, and Society. New York: Oxford University Press, 1997.

CAMPANELLA, Bruno. Celebridade, engajamento humanitário e a formação do capital solidário. Revista FAMECO mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 721-741, maio-agosto, 2014.

FELIX, Eloisa Costa. O papel das influenciadoras digitais no processo de decisão de compra. 2017. 91f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração), Departamento de Ciências Administrativas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. Disponível em: <https://monografias.ufrn.br/jspui/handle/123456789/6333#:~:text=Com%20base%20nos%20resultados%20encontrados,decis%C3%A3o%20de%20compra%20das%20entrevistadas>. Acesso em: 19 fev. 2021.

GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais. Revista Jurídica Cesumar, 2019, v. 19, n. 1, p. 65-87.

GOMES, Erika; GOMES, Evandro. O papel dos Influenciadores Digitais no relacionamento entre Marcas e Millennials na Era Pós-Digital. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Fortaleza: Centro Universitário Estácio do Ceará, 2017.

PEDRONI, M. “Stumbling on the heels of my blog”: Career, forms of capital, and strategies in the (Sub)Field of Fashion Blogging. Fashion Theory, v. 19, n. 2, 179-199, 2015.

Sobre as autoras

ANNA EMANUELLA NELSON DOS SANTOS CAVALCANTI DA ROCHA: Professora adjunta do departamento de direito privado. Doutoranda em direito Constitucional nas relações privadas pela Unifor. Membro do grupo Grupo de Estudos de Direito Público da Internet e das Inovações Tecnológicas (GEDI). http://lattes.cnpq.br/1016466262066334

LOUISE SERRANO BEZERRA: Técnica em Informática para Internet, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro do Grupo de Estudos de Direito Público da Internet e das Inovações Tecnológicas (GEDI). http://lattes.cnpq.br/3766895497868055

COMO CITAR ESSA MATÉRIA

ROCHA, A. E. N. S. C.; BEZERRA, L. S. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais. SBC Horizontes, SBC Horizontes, Junho 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/05/a-responsabilidade-civil-dos-influenciadores-digitais/>. Acesso em:

 

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