ChatGPT substituirá professoras e professores?

ChatGPT substituirá professoras e professores?

Autores:  Mariano Pimentel; Viviane Azevedo; Felipe Carvalho (10/03/2023)
Revisão: Alvanisio Damasceno
Ilustração da capa: Mariano Pimentel e MidJourney

  

O recém-lançado ChatGPT, divulgado no Fantástico em 29/01/2023 (“Nova inteligência artificial troca ideia, escreve redação e até compõe música”), tem despertando curiosidade,  deslumbramento e estranhamento em algumas/uns docentes. A reportagem levantou questões importantes: “Se a inteligência artificial faz até trabalho de escola, como é que fica a Educação? Vai trazer mais benefícios ou vai trazer mais problemas? Vai ser para o bem ou para o mal?” Acrescentamos, ainda, o questionamento que nos assombra há várias décadas: será que nós, professoras e professores, agora seremos substituídas/os pelo ChatGPT? A resposta para essa questão não é única, depende de como entendemos o papel do/a professor/a e a finalidade da Educação, depende se a instituição de ensino impõe ou impede o uso dessa e outras tecnologias e técnicas didático-computacionais, também depende das políticas públicas, que incentivam ou dificultam o uso de tecnologias digitais nas escolas e universidades. Queremos aqui apresentar nossas reflexões sobre essas questões, que precisam ser discutidas por todas e todos nós que lecionamos em qualquer nível, da educação infantil à pós-graduação, porque o nosso mundo segue mudando e precisamos repensar os novos contornos que a Educação deve assumir em tempos de Inteligência Artificial Criativa. A revolução que as tecnologias digitais em rede estão promovendo em nossa sociedade está apenas no começo e seguirá em aceleração sem qualquer possibilidade de ser freada.

Para nós, docentes, a resposta pessimista é SIM, mas não no futuro e sim no presente contínuo: estamos sendo substituídas/os. A substituição da docência humana não ocorrerá de maneira abrupta, é um processo que já vem sendo construído há mais de um século, desde que começamos a produzir as primeiras máquinas de ensinar [ver o artigo Cibertecnicismo (PIMENTEL; CARVALHO, 2022) e a postagem Instrução (re)programada, máquinas (digitais em rede) de ensinar e a pedagogia (ciber)tecnicista (PIMENTEL; CARVALHO, 2021)]. Nessa perspectiva, não há uma grande novidade, o ChatGPT representa mais um passo dado na direção da automação de tudo. Antes mesmo do ChatGPT, os chatbots (BICHARRA; SALGADO; PINTO, 2023) já eram utilizados principalmente em cursos a distância. Sobre essa modalidade educacional em nosso país, é importante destacar alguns dados levantados pelo Inep (BRASIL, 2022):

  • desde 2000, a quantidade de estudantes matriculadas/os em cursos de nível superior a distância vem crescendo rapidamente;
  • desde 2016, vem diminuindo a quantidade de matrículas nos cursos de nível superior ofertados na modalidade presencial;
  • desde 2020, mais estudantes ingressam em cursos de graduação a distância do que em cursos de graduação presencial;
  • atualmente, de acordo com a projeção dos dados do Censo da Educação Superior de 2021, a maioria das/os estudantes universitárias/os estão matriculadas/os em cursos a distância, que se tornou a modalidade hegemônica de nosso sistema educacional superior brasileiro.

Para compreender o processo de substituição de professoras e professores universitárias/os, é preciso considerar que as instituições privadas têm 77% do total de matrículas de graduação e, dessas instituições, alguns grandes grupos educacionais com fins lucrativos e sem um real compromisso com a qualidade do ensino estão diminuindo a quantidade de professoras/es do processo visando a obter mais lucro. A redução do número de docentes por estudantes vem sendo efetivada em conjunto com a adoção de técnicas e tecnologias didático-computacionais e com a simplificação da educação ao ponto de transformá-la em apenas conteúdos, exercícios e provas simplórios. Feitas as simplificações e automações, contratam um/a tutor/a para supervisionar centenas de estudantes, substituindo o trabalho que antes era feito por várias/os docentes — é dessa forma que professoras e professores, ao menos as/os universitárias/os, vêm sendo gradualmente dispensados do ensino superior. Profissionais da educação são substituíveis quando se acredita que Educação é sinônimo de instrução, que o papel da/o docente se reduz a apresentar conteúdos, explicar os passos para se resolver um problema e corrigir provas, quando se tem uma perspectiva instrucionista que valoriza a assimilação de informações e de técnicas por parte das/os estudantes.

Você já testou o ChatGPT <https://chat.openai.com/chat>? Peça para ele realizar algumas das atividades de sua disciplina. Nós, que atuamos no ensino de Computação (nós, autora e um dos autores desta postagem), pedimos ao ChatGPT que resolvesse alguns exercícios típicos de disciplinas importantes de nossa área. Pedimos que ele resolvesse um exercício clássico de Programação — “Escreva um programa que liste os 100 primeiros termos da sequência de Fibonacci” — e o ChatGPT nos surpreendeu escrevendo um código correto em Python e apresentando uma explicação relevante sobre o código que ele havia elaborado. Também testamos o chatbot com uma questão de lógica: “Obtenha a tabela-verdade para a seguinte fórmula do cálculo proposicional clássico (CPC): ¬((¬(¬A→B)→(¬A∧¬B))→C)”. O ChatGPT enunciou os passos que precisariam ser seguidos, montou a tabela-verdade e discutiu o resultado, embora tenha cometido um erro em um dos passos; quando testamos fórmulas mais simples, ele produziu respostas corretas. Por fim, pedimos que ele analisasse um código e o ChatGPT calculou corretamente a complexidade do algoritmo e explicou o raciocínio utilizado.

Você também pode se surpreender com as respostas que o ChatGPT produz para as provas e trabalhos que você passa para suas/seus estudantes. Testaram o ChatGPT em relação à prova do Enem (“Colocamos Inteligência artificial pra fazer ENEM: Olha no que deu!”) e ele obteve uma nota de 630, o que é acima da média obtida pelas pessoas que fazem essa prova. Quanto à redação, pedimos para o ChatGPT escrevesse uma postagem sobre os impactos do ChatGPT na Educação, discutindo tanto os benefícios quanto os problemas do seu uso e refletindo sobre os novos papéis que professores e alunos devem assumir. Ele produziu um texto em formato de redação dissertativa bastante razoável de acordo com o que havíamos solicitado.

Se antes as/os docentes já reclamavam que a internet havia disseminado o copiar-e-colar, agora podem se descabelar: aumentou a dificuldade para descobrir se um trabalho foi produzido por um pessoa ou pela inteligência artificial, pois o ChatGPT produz textos originais e as/os estudantes nem precisam perder tempo reescrevendo/parafraseando para parecer autoral. Para quem acredita que as/os docentes são substituíveis, essa certeza vai aumentar porque o ChatGPT ainda por cima explica o raciocínio que deve ser utilizado para a solução de um problema e mostra o passo a passo da resolução.

Para algumas/uns docentes, é preciso impedir o uso das tecnologias digitais e fazer atividades e avaliações na sala de aula sem o uso de computadores e da internet, entre outras ações tecnofóbicas. Mas todos nós, de crianças a idosos, de estudantes a docentes, estamos aprendendo cotidianamente com os conteúdos online, sejam postagens nas redes sociais, páginas da Wikipédia, lives-palestras, artigos de revistas científicas eletrônicas, entre tantas outras fontes de informação. São tantas e tão extensas que, para lidar com o universo informacional à nossa disposição no ciberespaço, precisamos utilizar mecanismos de busca como o Google, o Google Acadêmico e agora também o ChatGPT, nosso mais novo oráculo. Mais que uma lista de referências recomendadas, esse sistema contextualiza as informações, sintetiza, explica, resolve problemas, cria textos originais, elabora roteiros, exercícios etc. — mas cuidado, pois o ChatGPT nem sempre produz informações corretas ou resolve corretamente um problema. Apesar das limitações, o ChatGPT é mais uma das tecnologias da inteligência (LÉVY, 1992 [1990]) que nos possibilitam fazer trabalhos intelectuais que não conseguiríamos fazer sem elas. Nós nos acostumamos a utilizá-las a tal ponto que se tornam extensões de nossas mentes (MCLUHAN, 1964), nos hibridizamos a elas transformando a maneira como aprendemos e pensamos, modificando o nosso perfil cognitivo humano (SANTAELLA, 2004).

Seria impensável para nós, autora e autores desta postagem, escrever este texto sem utilizar essas tecnologias. Se as vemos como aliadas de nossas práticas de aprendizagem e de produção acadêmica, não queremos vê-las como ameaças a nossas práticas pedagógicas. É claro que “estamos longe de saber lidar com a inteligência artificial”, como afirmou Santaella, mas precisamos enfrentar os “desafios postos pela era da IA — entre eles, a onipresença dos algoritmos, a hiperconectividade e a emergência do modelo de linguagem do ChatGPT, que pode demolir os sistemas tradicionais de avaliação educacional” (COSTA, 2023, n.p.). Educar sem considerar essas tecnologias é negar o espírito de nosso tempo, as novas possibilidades, os valores, os conhecimentos, o cenário social e (ciber)cultural do nosso século.

Cuidado Escola!

Fonte: (HAPNER et al., 1980, p.42)

“[…] supunham o futuro em tudo semelhante ao passado, que passa a ser usado como o alimento educativo de uma sociedade em que a regra, e não a exceção, é mudar. […] Acima de tudo, [o educador] deve saber como utilizar as condições físicas e sociais do ambiente para delas extrair tudo que possa contribuir para um corpo de experiências saudáveis e válidas. A educação tradicional não tinha que encarar tal problema; podia sistematicamente ignorar essa responsabilidade. O ambiente escolar de carteiras, quadro-negro e um pequeno pátio devia bastar. Não se exigia que o professor se familiarizasse intimamente com as condições físicas, históricas, econômicas, ocupacionais etc. da comunidade local, para poder utilizá-las como recursos educativos. Um sistema de educação baseado na conexão necessária de educação com experiência deve, pelo contrário, para ser fiel aos seus princípios, ter constantemente em vista tais elementos. […] Vivemos sempre no tempo em que estamos e não em um outro tempo, e só quando extraímos em cada ocasião, de cada presente experiência, todo o seu sentido, é que nos preparamos para fazer o mesmo no futuro. Esta é a única preparação que, ao longo da vida, realmente conta (DEWEY, 2011 [1938], p.6, 32, 44).

Queremos aqui esboçar uma resposta mais otimista ao questionamento que intitula esta postagem: acreditamos que professoras e professores não serão substituídas/os por tecnologias como o ChatGPT, mas precisamos fazer o nosso dever de casa: compreender tais tecnologias, suas potencialidades e limitações, para transformar a educação e nossos papéis como professoras/es e estudantes em tempos de cibercultura. A pandemia já nos deu uma dura lição sobre não sabermos utilizar as tecnologias digitais em rede no exercício cotidiano da docência; não podemos seguir praticando o seu negacionismo.

Em vez de alardearmos que o/a professor/a será substituído/a pelo ChatGPT, preferimos nos questionar que atividades podemos elaborar com o uso do ChatGPT para apoiar a aprendizagem-ensino, uma vez que as/os estudantes têm acesso a essa tecnologia que pode ser vista como uma espécie de professor-monitor ou assistente-inteligente à disposição 24/7 para conversar durante o processo individual de estudo para: obter informações, tirar dúvidas, pedir explicações, ver como se resolve um problema, pedir soluções alternativas etc. Por exemplo, na disciplina de Programação, podemos pedir que a/o estudante desenvolva junto com o ChatGPT um programa que a/o própria/o estudante gostaria de escrever e, sobre essa experiência interativa, pedir para que a/o estudante compreenda o código escrito pelo ChatGPT, que relate o que aprendeu com aquela atividade e o que não conseguiu ainda implementar com a ajuda do ChatGPT, que destaque os trechos de código que não foi capaz de compreender e os discuta com a turma, que critique o código escrito pelo sistema, que mude trechos do código, que liste as dúvidas que passou a ter, entre outras atividades que possibilitem estabelecer novos processos de estudo, façam emergir novas formas de aprender-ensinar pela interação entre professor/a, estudante e ChatGPT. Há potencial para transformar a maneira como aprendemos-ensinamos a programar, mas não necessariamente substituindo as/os professoras/es dessa área.

Algumas/uns docentes já estão divulgando atividades com o uso do ChatGPT no contexto educacional, como as 30 atividades apresentadas no infográfico a seguir, entre outros conteúdos que já recebemos de nossas/os colegas. 

30 formas de utilizar o ChaGPT em aula

Fonte: https://view.genial.ly/63d9bbc140e03c0017ca1603
Criado por Fabi Raulino e Reinaldo Ramos, inspirado no infográfico de Matt Miller em DitchThatTextbook.com 

Na década de 1980, quando no Brasil foram criadas as primeiras políticas públicas de informática na educação, já havia o receio das/dos professoras/es serem substituídas/os por computadores. Por outro lado, algumas/uns pesquisadoras/es apostavam no potencial da Computação em transformar a Educação por meio da formação de professoras/es:

O programa brasileiro de informática na educação é bastante peculiar comparado com o que foi proposto em outros países. No nosso programa, o papel do computador é o de provocar mudanças pedagógicas profundas, em vez de “automatizar o ensino” ou preparar o aluno para ser capaz de trabalhar com a informática (VALENTE, 1999, p.8).

A resposta ao questionamento se nós, professoras e professores, seremos substituídas/os pelo ChatGPT depende de como nos relacionamos com essa tecnologia. Não se trata de uma coisa OU outra, mas sim de uma coisa E outra: a computação vem sendo usada para promover situações didáticas inovadoras, entendendo o ChatGPT como mais uma tecnologia para apoiar as práticas pedagógicas de docentes; e, também, a computação vem sendo usada para efetivar “a arte de ensinar sem professores”, entendendo o ChatGPT como mais uma tecnologia que contribui para a diminuição de “gastos” com professoras/es, recursos didáticos e espaço físico. A resposta não é única, trata-se de uma questão política que implica em sim e não, imposição e proibição, indução e desencorajamento, adoção e resistência, formação e negação, tecnofilia e tecnofobia, e outras possibilidades entre essas (o)posições extremadas, a depender de seus interesses, perspectivas teóricas, conhecimento das tecnologias, valores e crenças didático-pedagógicas.

E você, como pensa o uso do ChatGPT na educação? Como responde aos questionamentos apresentados nesta postagem? Que atividades planeja realizar (ou já está realizando) com o uso do ChatGPT no contexto das disciplinas que leciona? 

 


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Leia também as outras matérias desta série sobre ChatGPT & Educação:

Veja esta live, realizada para a Sociedade Brasileira de Computação, em que discutimos o ChatGPT e seus usos na educação:

https://www.youtube.com/watch?v=tqGQfFb0OhA

 

 


Referências

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).  Censo da Educação Superior 2021: notas estatísticas. Brasília, DF: Inep, 2022.

BICHARRA, Ana Cristina Garcia; SALGADO, Luciana; PINTO, Fernando. Tem alguém aí? Reflexões sobre a interação humano-chatbot. SBC Horizontes, fev. 2023.

COSTA, Luís. Estamos longe de saber lidar com a inteligência artificial. Entrevista com Lucia Santaella. Revista Cult, 23 fev. 2023.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. 1. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1992 [1990].

MCLUHAN, Herbert Marshall. Understanding media: the extensions of man (Os meios de comunicação como extensões do homem). New York: McGraw Hill, 1964.

PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Instrução (re)programada, máquinas (digitais em rede) de ensinar e a pedagogia (ciber)tecnicista. SBC Horizontes, jul. 2021.

PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Cibertecnicismo. Revista de Educação Pública, [S. l.], v. 31,  p.1-22, jan./dez., 2022.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

VALENTE, José Armando. Informática na Educação no Brasil: análise e contextualização histórica. In: VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas, SP: Nied/Unicamp, 1999, p. 1-13.

  

Como citar este artigo:

PIMENTEL, Mariano; AZEVEDO, Viviane; CARVALHO, Felipe. ChatGPT substituirá professoras e professores? SBC Horizontes, 10 mar. 2023. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2023/03/chatgpt-substituira-professoras-e-professores>. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Mariano Pimentel

Mariano Pimentel é doutor em Informática, professor da UNIRIO, organizador/coautor dos livros Sistemas Colaborativos (Prêmio Jabuti, 2011), Do email ao Facebook (2014), Metodologia de Informática na Educação (2021) e Informática na Educação (2021). Realiza pesquisas em Sistemas de Informação, Informática na Educação e Sistemas Colaborativos.
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Viviane Azevedo

Viviane Azevedo é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Informática (PPGI/UNIRIO), colaboradora do Grupo de Pesquisa ComunicaTEC (UNIRIO) e Gerente dos cursos de Educação Executiva da Fundação Getulio Vargas (FGV).
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Felipe Carvalho

Felipe Carvalho é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação ProPEd/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC) e do Grupo de Estudos de Gênero e Sexualidade em Interseccionalidades na Educação e na Saúde (GENI).
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