Terceira matéria: perfil histórico-geográfico dos eventos da SBC

Terceira matéria: perfil histórico-geográfico dos eventos da SBC

Por Luiz Paulo Carvalho e Deógenes Silva Junior

Na matéria anterior, analisamos os simpósios da SBC individualmente em seu perfil histórico. Mas além disso, buscamos comportamentos coletivos e agregados de dados. Realizamos e apresentamos nesta matéria uma série de análises baseadas nas combinações dos simpósios nas regiões do Brasil e comparamos com outros dados da realidade brasileira.

Para a análise dos simpósios, utilizamos dados das tabelas presentes no final da matéria anterior. Aqui detalhamos a análise do perfil do itinerário.

Começamos com o perfil do itinerário dos eventos a partir de um exemplo simples e claro. Imagine um evento com doze edições, sendo três no RJ, três em MG e seis na BA. O perfil geográfico deste evento apresenta 50% de perfil NE (Nordeste); 50% SE (Sudeste); e 0% NO (Norte), CO (Centro-Oeste) e SU (Sul). À medida que o evento apresenta mais edições, a qualidade comportamental dos dados é melhor, diferentemente deste exemplo hipotético.

Dito isto, realizamos três análises, intervalo 2001 – 2019 (dezenove anos), 2001 – 2010 (dez anos) e 2010 – 2019 (dez anos). As análises são quantitativas combinatórias, em intervalos anuais específicos.

As análises de 2001 – 2010 e 2010 – 2019 foram realizadas para mostrar discrepâncias, caso haja um “antes” e “depois”. Por exemplo, um evento concentrado em uma região que depois ampliou para as demais; ou fenômeno inverso.

A análise gerou as informações sintetizadas na Tabela Perfis, logo abaixo, com o perfil geográfico da alocação de cada evento, considerando todas as suas edições entre 2001 – 2019. Consideramos dois extremos, com a formação condicionada numa escala de cores entre preto e azul, representando comportamentos extremos. Por exemplo, WebMedia nunca foi sediado na região CO (0%) e sua coloração é preta; 58% das edições do WSCAD foram realizadas no SE, com predominância do azul.

Tabela Perfis Geográficos dos Eventos da SBC de 2001 a 2019. 

 

Tabela Perfis Geográficos dos Eventos de 2001 a 2010.

 

Tabela Perfis Geográficos dos Eventos de 2010 a 2019.

Consideremos uma distribuição parcimoniosa e quase equitativa entre regiões. No intervalo 2001 – 2019 e para todos os eventos, valores entre 20% e 30% em cada célula são ideais, pois ocorreria uma quantidade igual de variação de apenas um evento entre regiões.

É fundamental estar atento ao número de edições do evento. Um evento com poucas edições pode ter menor diversidade nas localidades. O SBCM, por exemplo, possui apenas 10 edições, um número menor que os demais eventos.

Observando o intervalo 2001 – 2019, nós o categorizamos em níveis de distribuição e apresentamos a seguir os eventos por distribuição. Na distribuição 1, existe uma diferença menor que 25% entre o maior e o menor valor; na distribuição 2, 30%; na distribuição 3, 35%; e a distribuição 4 tem um valor de 0% ou um valor de 40% ou superior.

Quanto maior o nível de distribuição, maior a concentração de uma região ou a exclusão de outra(s):

  • Distribuição 1. SBRC e CSBC (2 eventos)
  • Distribuição 2. SBCAS, IHC, SBESC, SBQS (4 eventos)
  • Distribuição 3. SVR, SBES, CBIE (SBIE), SBSeg (4 eventos)
  • Distribuição 4. BRACIS/SBIA, ENIAC/ENIA, STIL, SBGames, SIBGRAPI, SBLP, SBCARS, SAST, SBAC-PAD, WSCAD, BSB, SBBD, SBCM, SBSI, WebMedia, SBMF, SBSC, SBCCI, SBR (19 eventos)

Isto é, a maioria dos simpósios brasileiros (19 eventos) apresentam forte concentração geolocalizada em determinada região. Adicionalmente, esta concentração ocorre nas regiões SE e NE, principalmente depois de 2010. Apenas dois eventos (SBRC e CSBC) (menos de 1%) têm a distribuição geográfica mais abrangente, ocorrendo de forma uniforme nas regiões do Brasil.

A observação desses dados pode gerar implicitamente diversos julgamentos de valor. Por exemplo, associar a não ocorrência em determinada região à discriminação ou uma “preguiça organizacional”; ou manter-se na mesma região ou em duas regiões próximas apenas por conforto ou bairrismo. Vários fatores envolvem o perfil geográfico de um evento, e esse julgamento de valor negativo, a priori, é emocionalmente sólido. Acima de tudo, esta questão deve ser analisada racionalmente, sem moral vazia ou justiça social de bom senso.

Outro aspecto organizacional e metacientífico está por trás desses resultados. De forma estruturada, organizada e reflexiva, os eventos têm plena consciência do seu itinerário completo? Existe uma iniciativa estratégica na escolha dos locais? Ou é uma corrida caótica para quem está disposto e capaz? Algo entre “faz cinco anos que não realizamos um evento na região norte, quem poderá nos receber e organizar lá desta vez?” e “pelo amor de Deus, alguém aceita sediar nosso simpósio em qualquer lugar, este ano pode ser o último!”.

Por um lado, olhar para a tabela e julgar negativamente o SBCCI porque nunca pisou na região NO, ou julgar positivamente o SBRC com base na sua elevada distribuição geográfica são ambas uma extrapolação interpretativa. É bastante sensato fazer juízos de valor sobre esta questão. Para isso, precisaríamos de pesquisas mais aprofundadas. Por exemplo, há um impacto ou consequência relacionado a este cenário? Se o SBCCI fosse sediado no Pará (região NO), por exemplo, ele fomentaria pesquisas e iniciativas associadas ao seu tema (chips e circuitos integrados) por lá?

Por outro lado, o problema da concentração e exclusão regional é válido e necessário para ser considerado de uma perspectiva crítica. Embora seja errado inferir um julgamento de valor apenas baseado nesses dados, eles já fornecem um ponto de partida para as investigações. Estas nem sequer precisam ser investigações morais. Pode-se investigar a possibilidade de expansão e melhor distribuição geográfica de seus eventos, fazendo crescer as comunidades em/para novos ambientes.

A comparação dos intervalos 2001-2010 e 2010-2019 pode expor mudanças nos perfis geográficos, tanto passados como atuais. Por exemplo, a distribuição geográfica do SIBGRAPI e do SBES diminuiu em 2010-2019 em comparação com 2001-2010. A distribuição do SBSI e do IHC melhorou de 2010-2019. Instintivamente podemos acreditar que “as tendências seguem uma continuidade temporal” e apresentamos esta comparação para mostrar que esta hipótese nem sempre é válida.

A Figura de Tendências, abaixo, ilustra o comportamento quantitativo por anos. No eixo X, há os anos a partir de 2001. No eixo Y, há a quantidade (ou frequência) de eventos na região. Uma análise de tendência, por regressão simples, indica uma previsão de crescimento significativo nas alocações no NE e uma diminuição significativa na SU. As demais regiões apresentaram comportamento de dados estáveis.

 

Figura – Tendências de Realização dos Eventos por Região

Complementamos esta análise separando a ocorrência total de eventos pelas regiões em um mapa coroplético na Figura Mapa Coroplético. Dividimos e espaçamos as regiões para melhor visualização dos dados, e os pontos pretos são localizações aproximadas das capitais.

 

Figura – Mapa Coroplético da ocorrência de eventos nos estados e regiões do Brasil

Com o mapa coroplético, conseguimos visualizar, por exemplo, que na região Norte, dos 20 eventos que ocorreram lá, 50% dos eventos ficaram distribuídos no Amazonas e 50% no Pará. Os demais estados da região norte não receberam eventos.

Apesar da maior quantidade de estados na região Nordeste (em comparação com a Região Norte), todos os estados do Nordeste receberam eventos. O estado do Maranhão e Piauí, entretanto, receberam apenas 1% dos eventos da região. O estado de Sergipe recebeu 3% dos eventos do Nordeste. Em comparação ao Brasil inteiro, e excluindo os estados que não receberam nenhum evento (0%), Maranhão, Piauí e Sergipe possuem a menor porcentagem no páis de recebimentos de eventos nesta década.

Apesar de todos os estados e o distrito federal tiverem recebido eventos na década, na região no Centro Oeste ocorre um fenômeno semelhante ao que ocorre na região Nordeste. Nos 10 anos de eventos na região Centro Oeste, mais da metade (55%) dos eventos ocorreu no Distrito Federal. Com exceção de Mato Grosso do Sul, os demais estados não receberam tantos eventos.

Na Tabela Dados Regionais, abaixo, temos a quantidade de eventos por estado e por região, e sua relação com a proporção regional e nacional. Por exemplo, PA e AM dividem a mesma quantidade de eventos da região Norte, só que no total nacional isso é algo próximo de 4% de todas as 490 edições de eventos realizados.

Aqui já podemos ver uma discrepância muito expressiva entre regiões e entre estados de uma região, como o MA sediando uma edição de evento e DF com mais de 50% da região CO. Mesmo que haja uma aparente percepção de que “quase tudo” se concentra na região SE, nela também há bastante diferença, com o ES com números baixos.

Notamos que a região NE tem uma quantidade significativa de eventos e seguiu aumentando a proporção, predominando a presença na BA, CE e RN.

 

Tabela com Dados Regionais dos Eventos

Por fim, com esta análise coletiva e dos eventos reunidos pelas suas regiões e estados, chega uma das dúvidas mais badaladas dos curiosos e investigadores: tá, mas o que leva um evento a ser realizado em algum lugar? Por que o evento X foi em lugar Y? Como escolhem locais de eventos? Pela população do estado? Pela renda? Pela quantidade de cursos de graduação em computação, em sentido amplo?

A próxima matéria traz um extenso estudo comparativo sobre isso. Por que tem aquela pulga atrás da orelha ao ver estes dados, MA é um lugar ruim pra fazer eventos? O ES tem algum problema? E os cinco estados do NO sem evento nenhum, o que aconteceu? Vamos tratar isso já, já…

A imagem de capa foi criada pelo NightCafe Creator usando o seguinte prompt: “A geographic map of Brazil with floating numbers and the map made of technology”. Foi utilizado o modelo SDXL 1.0 como engine da criação da imagem. 

Autores

Foto do autor Luiz Paulo CarvalhoLuiz Paulo Carvalho. Professor substituto no IC/UFRJ. Bacharel em Sistemas de Informação (SI) pela UNIRIO. Mestre em Informática, com ênfase em SI, pelo PPGI/UNIRIO. Doutorando em Informática pelo PPGI/UFRJ, integrante do Laboratório CORES. Bolsista e pesquisador CAPES. Tópicos de interesse são, não limitados a, Ética Computacional, Discriminação e opressão social em SI, Transparência de SI, Modelagem e qualidade de processos de negócios, Privacidade e proteção de dados, CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

Foto do autor deógenes juniorDeógenes Silva Junior. Bacharel em Ciência da Computação pela UFMT. Mestre em Informática pela UFPR. Doutorando em Ciência da Computação na UFPR, laboratório IHC-IE, colaborando com pesquisas em Interação Humano Computador, Design Socialmente Consciente, Jogos e Informática na Educação. Deógenes tem interesse em design de tecnologias de forma participativa e socialmente consciente, Computação Ubíqua e Socioenativa, Informática na Educação, Acessibilidade, Privacidade, Cultura e Valores em Sistemas de Informação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0758437549881898

Como citar este artigo

Carvalho, Luiz Paulo; Silva Junior, Deógenes Pereira da. Terceira Matéria: perfil histórico-geográfico dos eventos da SBC. SBC Horizontes, novembro. 2023. ISSN 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/. Acesso em: DD mês. AAAA.

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