Perdidos no ciberespaço
Entrelaçamento quântico é um fenômeno que descreve o elo entre dois ou mais objetos. Mas esse emaranhamento é tão intenso de forma que um objeto não pode ser descrito sem o outro, mesmo que estejam espacialmente separados. É mecânica quântica. Nada fácil para não iniciados. Navegando na Wikipédia, descobri que Albert Einstein chamou isso de uma ação fantasmagórica à distância. Acho que vivenciei algo parecido na pandemia.
Era dezesseis de março de 2020 quando aconteceu o deslocamento do mundo. As coisas mudaram de lugar. Tudo aquilo que sempre fizemos de um jeito, começamos a fazer de outro. Foi um deslocamento coletivo envolvendo as pessoas e as coisas que elas faziam. Naquele dia, sentei na cadeira da sala de jantar e entrei no ciberespaço sem data para voltar.
Treze e trinta, no auditório do Teams. Quinze horas, Google Meet. Dezesseis horas – vou tirar as notificações do WhatsApp. Dezessete horas, uma passadinha no Discord, para depois responder e-mails. Dezenove e trinta começa a aula no Blackboard. Play no Spotify. Cage the Elephant para receber o pessoal. Como fantasmas, sinto a presença, mas não vejo ninguém.
Compartilho a tela. Todo o cuidado é pouco nessa hora. Outlook. Gmail. Padlet. Jamboard. Minha agenda. São muitas abas simultâneas e não vejo mais nada. Mas todo mundo me vê.
– Vocês me escutam? Estão vendo a tela?
Vinte horas. Com um clique, impulsiono os pequenos círculos com letras coloridas no escuro do ciberespaço. Vejo que chegaram ao destino. Deu certo.
Deixo recado na sala principal antes de flutuar pela rede. Flutuar? Parece inadequado. Eu sumi de um lugar e apareci em outro. Descorporizar seria mais conveniente. É como viajar para outra dimensão, ou atravessar paredes. Eu também seria um fantasma? Preciso tomar água. Será que alguém vai precisar de mim justo agora?
Vinte e trinta e ninguém voltou ainda. Vinte e quarenta, sigo sozinha. Vinte e uma horas. Cadê todo mundo?
– Tem alguém aqui?
Sinto presenças, mas não escuto ninguém. Só o eco da minha voz. Eu, aqui. Eles, lá. Ninguém entra, mas ninguém sai. Conectados e desconectados e espacialmente separados, como espíritos perdidos vagando no tempo e no espaço. Um só existe porque existe o outro. Einstein chamou isso de uma ação fantasmagórica à distância. Parece bem adequado.
Arte: Niki (@ jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal
Texto produzido durante o módulo Circuito Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).
Como citar esse artigo:
BASSANI, Patrícia Scherer. Perdidos no ciberespaço. SBC Horizontes, 13 mai. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: < http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/05/perdidos-no-ciberespaco/>. Acesso em: DD mês. AAAA
Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.