Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Silvana Bahia
Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz
Este texto traz histórias e memórias de Silvana Bahia, que destaca-se pelo protagonismo e ativismo voltados à transformação digital e inclusiva do país, particularmente no que concerne à atuação e à visibilidade de mulheres negras e indígenas na tecnologia. Nesse texto são abordadas informações sobre sua família de origem, família constituída, formação escolar (desde a educação básica até a pós-graduação) e mercado de trabalho. Este texto faz parte do e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz histórias de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações.
Silvana Bahia, ou simplesmente Sil Bahia, nasceu no ano de 1985, no Rio de Janeiro (RJ), onde mora até hoje. Foi criada no centro, perto dos arcos da Lapa, em uma época em que o local, segundo ela própria, não era tão badalado e gentrificado. É filha de mãe paraense que foi para o Rio de Janeiro para ser empregada doméstica. Seu pai era músico e faleceu de câncer quando ela tinha 13 anos. Tem um irmão um ano mais novo.
Sil sempre gostou de estudar. Era uma aluna esforçada, dedicada, mas nunca foi considerada uma menina brilhante. Gostava bastante de estudar Português e tinha dificuldades com a Matemática. No segundo ano do ensino médio, passou a achar a escola um ambiente hostil e chegou a ser uma adolescente problemática. Entretanto, como sua mãe é uma apaixonada pela educação e grande incentivadora, Sil concluiu seus estudos. Durante a fase escolar, não percebia diferenças entre meninos e meninas, o que acredita ser reflexo da sua leitura de mundo na época. Hoje percebe que as mulheres são pouco encorajadas a experimentar a Cultura Maker, que para ela se aproxima muito da pedagogia da autonomia de Paulo Freire: a autonomia de fazer.
Filha, neta e bisneta de empregadas domésticas, é a primeira mulher de sua família a quebrar esse ciclo. Com 13 anos, começou a trabalhar como babá porque desejava ter poder de compra. Depois trabalhou como atendente em uma petshop, como manicure e como digitadora em uma empresa multinacional. Até essa época, ela não pensava na universidade como uma possibilidade. Entretanto, essa empresa multinacional custeava 50% de determinados cursos na universidade. Embora tivesse um emprego de carteira assinada e o valorizasse, ela percebeu que precisava fazer uma graduação porque não dava para ficar ganhando o mesmo pelo resto da vida. Portanto, com 23 anos, ela escolheu um dos cursos que eram custeados, o curso de Comunicação com ênfase em Jornalismo. Assim, ela foi a primeira pessoa de sua família, materna, a ingressar em uma universidade.
Durante a graduação, a comunicação foi bastante impactada pelas tecnologias digitais que passaram a interferir na forma de usar e consumir informação. Nessa época, ela sonhava em trabalhar em uma grande empresa de comunicação sendo jornalista, muito porque romantizava a profissão. Quando foi para o mercado de trabalho, percebeu que não era aquilo que desejava. Então, foi trabalhar como estagiária em uma organização social que se chama Observatório de Favelas, onde realizou pesquisas sobre o direito à comunicação, justiça racial e mídias alternativas. Nesse período, fez o mestrado em Cultura e Territorialidades em que pesquisou sobre a ocupação de coletivos de arte e cultura no espaço urbano – algo não relacionado a sua profissão atual, mas acredita que todo o conhecimento agrega, ajuda a ver novas perspectivas de mundo e outras formas de olhar.
Em 2014, ela foi convidada por Gabriela Agustini, fundadora do Olabi, um espaço social dedicado à aprendizagem de tecnologia na cidade do Rio de Janeiro, para produzir uma Rodada Hacker, oficina exclusiva para mulheres aprenderem a programar. Na ocasião, produziu e participou do evento, o que considera que foi um marco em sua vida. Durante o evento, percebeu-se capaz e foi incentivada por sua mentora, Stefania Paola, a prosseguir seus estudos. No ano seguinte, juntou-se à equipe do Olabi e passou um ano tentando entender o que era Cultura Maker, inovação, e aprendendo novas tecnologias digitais. Circulou o Brasil inteiro participando de eventos sobre Cultura Maker e inovação. Também foi para Colômbia, ministrar a oficina Tecnologias da Libertação para mulheres no interior do país. Como tem costume de realizar o teste do pescoço (que busca identificar quantas mulheres têm no lugar e quais seus cargos, quantas pessoas negras têm no lugar e quais suas ocupações, quantas pessoas LGBTQIA+ têm e quais seus cargos), ela percebeu que, na grande maioria das vezes, era a única mulher negra.
Sil decidiu que queria falar de mulheres negras e tecnologias. Então, em 2017, dentro do Olabi, criou o PretaLab: um projeto-causa para incluir mulheres negras na área da Tecnologia. A primeira ação do projeto foi gerar dados sobre mulheres negras na área da Tecnologia e inovação, resultando no mapeamento de 600 mulheres e a produção de vídeos sobre algumas delas, que estão disponíveis no site do projeto, em https://www.pretalab.com/. No início, era um laboratório de ideias e muitas ações foram realizadas, como a oficina WordPretas que ensinava WordPress para que mulheres negras empreendedoras criassem seus websites. O projeto também foi contratado por empresas para apoiar no processo de recrutamento de mulheres negras, quando foi constatado que as empresas não estão preparadas para a diversidade.
Hoje o PretaLab possui três eixos: 1) Uma plataforma que inclui mais de 700 mulheres que atuam na área da Tecnologia, conectando essas mulheres entre si e ao mercado de trabalho; 2) Formação em tecnologia para mulheres negras e indígenas para que elas progridam em suas carreiras; e 3) conexão entre mercado de trabalho e mulheres que querem fazer parte desse universo. Sil Bahia trabalha para a redução do número de mulheres negras desempregadas e deseja que o PretaLab seja um caminho para pensar em um futuro mais inclusivo, não só no campo da Tecnologia hard, mas em todas as profissões, afinal todas elas são atravessadas pela tecnologia. Ela quer que o PretaLab seja uma mola que estimule uma relação mais qualificada com a tecnologia, principalmente para mulheres negras, mas também para todas as mulheres. Quer também que o projeto sirva de inspiração para outros projetos.
Considera-se uma grande contadora de histórias na comunicação, na tecnologia ou na arte. Dirigiu o documentário Quadro Negro (2020), que conta sobre a trajetória de estudantes negros na universidade, muitas vezes os primeiros de suas famílias. Acredita que o estudo é a grande chave de transformação social, especialmente para as mulheres negras, que enfrentam dois grandes problemas: a falta de oportunidades e a falta de referências. Portanto, reforça que existe uma camada objetiva: é necessária a oferta de bolsas e a criação de oportunidades, mas há também uma camada subjetiva, que é ter boas referências de mulheres negras.
Sil Bahia se define como uma ativista dos sonhos que nunca senta em uma cadeira sem trazer toda a sua ancestralidade, todas as mulheres de sua família, que ela descreve como fortes, guerreiras e grandes influências em sua trajetória. Considera-se uma pessoa curiosa e essa curiosidade a levou a lugares que ela nem mesmo imaginava chegar. Por fim, aconselha a todas as mulheres serem independentes, procurarem por programas e projetos fortalecedores de mulheres, terem uma mentora, colocarem a máscara de oxigênio primeiro nelas e depois nas outras pessoas. Enfatiza que as mulheres não devem desistir de seus sonhos e, principalmente, não devem desistir de si mesmas.
Para mais informações, acesse:
Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567 | |
Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Pretas, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/live/UM_MSZ4S8e8 | |
Acesse a página “PretaLab”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/pretalab/ |
Autoria:
Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698 | |
Aline Vieira de Mello. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169 | |
Acesse a página “PretaLabAmanda Meincke Melo. Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635 | |
Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011 |
Como citar este artigo
FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Silvana Bahia. SBC Horizontes, março de 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/06/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-silvana-bahia/. Acesso em: DD mês AAAA.