O pinguim, a mãe e o guarda-roupa
Vinte e três de março de dois mil e dezessete. O dia em que a galera do Club Penguim foi parar dentro do armário. Quatro pinguins. Cópias tangíveis do mundo virtual arquivadas no mundo secreto de Nárnia. Universo paralelo que existe, mas também não existe. Fui surpreendida, confesso, mas fingi naturalidade. Registrei no instagram meu dia de Toy Story. Assim como o Andy, ele cresceu. Woody e Buzz Lightyear não puderam fazer nada pra evitar.
Uns dizem que mundo virtual não existe. Mas a ilha dos pinguins parecia bem real. Ele descobriu o caminho sozinho. Fui junto algumas vezes e, confesso, também fui sozinha pra explorar. O Centro era um dos lugares mais movimentados. Cheio de pinguins de todas as cores, roupas, acessórios e perucas. Cada um na sua moda. De lá era fácil chegar no Dance Club. Do virtual para o real era só pressionar on no Wii e dançar na sala. Também no Dance Club tinha uma passagem secreta para a mina, no subterrâneo da ilha. Quantos segredos guarda um mundo virtual? Mania estranha de achar que virtual e real são opostos, não?
Como em um mundo invertido, a ilha trocava brincadeira por moedas. Quanto mais diversão, mais moedinhas para o pinguim. A sorte no jogo estava diretamente relacionada com o saldo no banco. Mas o contrário também poderia acontecer. Dinheiro Real virava código secreto que virava moedinha pra curtir a ilha. Do Real para o virtual ou do virtual para o real. Não é tudo a mesma coisa? O dinheiro de faz-de-conta comprava tudo. Dava até pra adotar um puffle, um pet diferente que só existia por lá – um bichinho peludo, colorido e fofinho. Cada cor uma sentença – bonzinho, tímido, curioso ou ainda meio enjoadinho pra comer. Era só escolher, levar para o iglu e cuidar com carinho. Abro a porta do guarda-roupa e encontro os puffles por lá. Tem vermelho, verde e preto. Todos ali, calmamente esperando um pouco de atenção.
A ilha desapareceu alguns anos atrás. Acho que desmaterializou quando ele foi para a universidade. Ele atravessou o mundo. Foi morar perto do Polo Norte. Os pinguins? Seguem no armário do escritório e os puffles no guarda-roupa.
Ele cresceu e ninguém conseguiu fazer nada pra evitar. Nem Woody, nem Buzz Lightyear, muito menos eu.
Arte: Niki (@ jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal
Texto produzido durante o módulo Circuito Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).
Como citar esse artigo:
BASSANI, Patrícia Scherer. O pinguim, a mãe e o guarda-roupa. SBC Horizontes, 05 ago. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: < https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/08/o-pinguim-a-mae-e-o-guarda-roupa/>. Acesso em: DD mês. AAAA
Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.