Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Helen de Mattos Senefonte na Inteligência Artificial

Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Helen de Mattos Senefonte na Inteligência Artificial
Por Raquel de Oliveira
Revisão: Prof. Alane Marie de Lima (DAINF/UTFPR-CT) e Prof. Marco Aurélio Graciotto Silva (DACOM/UTFPR-CM)

Esse texto foi produzido no contexto do projeto “Emíli@s – bits de representatividade: participação feminina falante e atuante na Computação” da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Campo Mourão, em entrevista concedida pela pesquisadora em destaque nesta matéria.

 

Helen Cristina de Mattos Senefonte nasceu em Curitiba, mas aos 11 anos mudou-se com a mãe e a irmã para Cornélio Procópio, no interior do estado do Paraná. Apesar de ter crescido em um ambiente familiar, onde esperava-se que as mulheres da família fossem criadas para serem mães e donas de casa, a mãe de Helen sempre enfatizou a importância dos estudos para as filhas. Motivada pelo gosto pela matemática, Helen se interessou pelo curso técnico de Eletrotécnica oferecido pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), a atual Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Foi na universidade que a paixão pela computação começou: Helen encontrou no laboratório de computadores um novo universo a ser explorado. Sem nunca ter tido contato com um computador antes, ela rapidamente se destacou por saber utilizar os atalhos do teclado, visto que, na época, os computadores do laboratório não tinham mouse. Foi durante esse período também que Helen, aos 13 anos, começou a estagiar no Departamento de Ensino da UTFPR, onde ficou responsável pela digitalização de documentos e ajudar os professores em outras tarefas. Este estágio, apesar de simples, foi uma experiência muito agradável, onde Helen pôde passar mais tempo ao lado dos computadores e aprimorar as suas habilidades pessoais. Com a conclusão do ensino técnico, Helen teve que escolher entre o sonho de realizar uma graduação em Engenharia Eletrônica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) ou continuar na UTFPR e cursar Tecnologia em Informática, com ênfase em Sistemas de Informação, pela praticidade de estar perto de casa. Optou pela segunda opção, mas nunca desistiu da primeira. A escolha pelo curso também foi influenciada pelo conselho de que a área de tecnologia era promissora.

 

No curso técnico, a presença de mulheres na turma era grande, pois elas formavam praticamente metade da turma, mas na graduação em Tecnologia em Informática, a realidade era diferente. Das poucas meninas que começaram o curso junto com ela, apenas Helen se formou. Esse foi o primeiro contato dela com um ambiente predominantemente masculino. Apesar do apoio e respeito por parte dos colegas de turma, ela passou por várias situações dentro da universidade onde teve que lidar com professores o tempo todo duvidando de sua capacidade. Essa desconfiança por parte de alguns professores, embora não a tenha desmotivado, foi um desafio que a acompanhou durante toda a graduação. Durante esse período, Helen enfrentou diversos desafios e decepções, principalmente na área de hardware, que ela rapidamente percebeu não ser sua paixão. Em contraste, descobriu um interesse pela lógica e por como os algoritmos funcionavam. No entanto, a graduação em si não foi uma experiência tão enriquecedora para Helen. O curso era novo e os próprios professores ainda estavam se adaptando. Como uma aluna em desenvolvimento, teve pouca orientação profissional e oportunidades, como iniciações científicas. Alguns meses após iniciar a graduação, Helen foi selecionada para o programa federal Jovem Empreendedor, abrindo então a sua primeira empresa, a Brasil.com Informática, responsável por treinamentos em informática. Logo após se formar, foi chamada para dar aulas em uma faculdade da região, a Faculdade Cristo Rei, onde teve sua primeira experiência no ensino superior, aos 22 anos, ensinando programação, informática básica e engenharia de software.

 

Em 2004, com o fim da sua graduação e buscando fortalecer sua carreira empresarial na área de consultoria, Helen fez uma especialização em Engenharia de Software e Banco de Dados na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Durante a graduação na UTFPR, Helen chegou a trabalhar com desenvolvimento de software e por isso optou por continuar nesse caminho na especialização. Apesar da ótima qualidade do curso e dos professores, não encontrou paixão nas áreas estudadas, mas se encantou pela universidade. Quando surgiram vagas para professor temporário na UEL, ao final de sua especialização, ela tentou e foi aprovada, em primeiro lugar, o que confirmou a sua vontade de ser professora universitária. Helen deu aulas de programação e decidiu que precisava continuar com um mestrado e doutorado para consolidar sua carreira acadêmica. Com o término da sua especialização , Helen iniciou a sua segunda graduação, agora em Licenciatura em Matemática, novamente na UTFPR. A escolha de Helen pela graduação em Matemática foi influenciada por seu amor pelo ensino e pelas experiências positivas que teve com alguns professores durante a sua trajetória acadêmica (lembrando de sua professora de matemática, Elaine, e de física, Ivo). Essa foi uma oportunidade que Helen encontrou de aprimorar suas habilidades docentes e aproveitar a grande demanda por professores de matemática que existia na época. Além disso, a trajetória empresarial de Helen começava a mostrar-se insustentável financeiramente, o que a levou a buscar uma estratégia mais estável na licenciatura, alinhando-se com sua paixão pelo ensino e garantindo um futuro profissional mais seguro.

 

Helen teve dois momentos decisivos de paixão pela computação. O primeiro foi aos 13 anos, quando ajudava seus colegas de sala no laboratório do curso técnico. O segundo veio quando ingressou no mestrado no ITA. Helen havia sonhado com o ITA desde a época do curso técnico. No entanto, após sua experiência na graduação, decidiu manter a consistência na carreira e optou pela área de Computação. Após terminar a licenciatura em Matemática, ela se inscreveu em vários mestrados, incluindo o ITA, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foi aceita em todos, exceto na UEL para o mestrado em Matemática. Sua família preferia que Helen fosse para a UEM por ser a universidade na cidade mais próxima de Londrina, onde moravam na época, porém a decisão de estudar no ITA e realizar seu sonho, mesmo sendo financeiramente e logicamente mais desafiadora, prevaleceu. A rotina no ITA era cansativa. Helen viajava todo domingo à noite de Londrina, no Paraná, pegando um ônibus para São José dos Campos, no interior do estado de São Paulo. As aulas no ITA eram intensas e as disciplinas extremamente complexas. O ambiente acadêmico era rigoroso e ela teve que provar constantemente sua competência.

 

Foi no ITA onde Helen teve seu primeiro contato com a Inteligência Artificial (IA). Sem conhecimento prévio na área, ela viu na IA um grande desafio e essa dificuldade inicial foi a responsável pela sua paixão pela área na qual trabalha até os dias de hoje. Os desafios envolvidos na área por conta de sua complexidade a motivaram. Embora estivesse trabalhando num projeto de criptografia em parceria com a Receita Federal, durante o segundo semestre do mestrado, optou por se dedicar somente à sua dissertação na área de Aprendizado de Máquina (subárea de IA). A dissertação teve como tema “Aceleração do Aprendizado por Reforço em Sistemas com Múltiplos Objetivos” onde ela trabalhou com técnicas para tomada de decisão de agentes com múltiplos objetivos, unindo seu gosto por IA com aplicações práticas do tema.

 

Com o término do seu mestrado, Helen teve a sua primeira filha e decidiu focar na maternidade e na busca por um emprego estável, antes de iniciar o seu doutorado. Em 2011, a UEL abriu vagas para concurso de professor efetivo e Helen decidiu se candidatar a uma das vagas. Com a aprovação, ela começou a dar aulas de Inteligência Artificial na universidade, onde continua até os dias de hoje (atualmente como vice-coordenadora do curso de Ciência de Dados e Inteligência Artificial, além de responsável pelas disciplinas de IA e Aprendizado de Máquina). Após a fase de estágio probatório terminar, ela se licenciou para a realização do doutorado. Escolheu ir para a UTFPR – campus Curitiba pela possibilidade de continuar atuando na área de IA e pela logística otimizada. No seu doutorado, sua tese teve como tema “Predicting Mobility Patterns Based on Profiles of Social Media Users”, em que Helen trabalhou com algoritmos de aprendizado de máquina para identificação de perfis de usuários em redes sociais e para predição do comportamento desses usuários.

 

"Minha primogênita (Bella) que chegou durante o mestrado". (Helen)
“Minha primogênita (Bella) que chegou durante o mestrado”. (Helen)

 

Atualmente, a professora se dedica principalmente ao desenvolvimento de modelos preditivos utilizando Aprendizado de Máquina. Fascinada pela complexidade e pelo desafio de generalizar modelos para diferentes aplicações, ela também atua na área de IA Generativa. Seu trabalho envolve explorar técnicas de atualização desses modelos com dados externos, melhorando a eficiência da recuperação de informações. Helen também foca em métricas de avaliação para comparar e evoluir esses modelos. Além desse projeto principal, ela colabora no desenvolvimento de modelos computacionais em diversos projetos envolvendo outros departamentos e universidades, para citar alguns: construção de ferramenta para o auxílio de detecção do autismo, detecção de câncer de tireóide, classificação de possíveis pacientes com câncer de mama, técnicas para auxiliar a alocação de registradores, entre outros. Helen prevê que, no futuro próximo, a IA se tornará uma área ainda mais estabelecida, exigindo a incorporação de conhecimentos interdisciplinares, como biologia e química.

 

Lidar com a conciliação entre a vida pessoal e a profissional é um dos maiores desafios para quem escolhe essa jornada, especialmente para mulheres que decidem ser mães e esposas. Helen destaca que, embora não acredite que todas as mulheres devam casar ou ter filhos, para ela essas eram as suas prioridades. Administrar essas responsabilidades simultaneamente à vida profissional foi mais desafiador do que fazer o mestrado, doutorado ou qualquer outro desafio que teve na carreira, ela comenta. Helen enfatiza a importância de correr atrás dos próprios sonhos, mesmo quando as dificuldades fazem questionar se o esforço vale a pena. Ela ressalta que seu sucesso e felicidade são frutos de seu esforço em equilibrar família e carreira.

 

"Minha família incrível que me dá força e motivação para continuar batalhando". (Helen)
“Minha família incrível que me dá força e motivação para continuar batalhando”. (Helen)

 

Helen enfrentou desmotivação, até por parte de professores que duvidavam de sua capacidade de concluir o doutorado, mas seu foco e determinação a fizeram superar esses obstáculos. A parceria do seu esposo durante toda sua jornada profissional permitiu que ela alcançasse sucesso. Sua rede de apoio também contava com sua mãe e pessoas na academia, como a ajuda da Profª. Myriam Delgado, que foi essencial durante o doutorado. Além disso, foi no doutorado que ela pode vivenciar uma parceria produtiva, saudável e de sucesso com seus orientadores Prof. Thiago H. Silva e Prof. Ricardo Lüders.

 

"Meus orientadores (mentores incríveis que tive o privilégio de conhecer) e minha família (minha mãe estava com a câmera desligada), durante a defesa da minha qualificação". (Helen)
“Meus orientadores (mentores incríveis que tive o privilégio de conhecer) e minha família (minha mãe estava com a câmera desligada), durante a defesa da minha qualificação”. (Helen)

 

Ao refletir sobre a sua trajetória, principalmente o período onde se sentiu desmotivada durante a graduação, Helen deixa o seguinte conselho para aquelas que possam estar passando pela mesma situação:

Nossa trajetória profissional é composta de diversos desafios. O amor pela sua área nem sempre se tornará clara de maneira mágica. Você precisará construir esse sentimento, você precisa ser o protagonista da sua carreira. Você provavelmente se questionará várias vezes. Seja sincera consigo mesma e foque nos seus objetivos. Seja resiliente e lute pelo que acredita ao mesmo tempo em que abre sua mente para aprender. O sucesso duradouro normalmente vem com um longo período de esforço, tenha paciência e seja persistente.”


Sobre a autora

Raquel de Oliveira
Bacharelanda em Ciência da Computação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com interesse em Ciência de Dados e Inteligência Artificial.

 

 

 

Sobre o Projeto Emíli@s – bits de representatividade

Somos o projeto “Emíli@s- bits de representatividade : participação feminina falante e atuante em Computação”, um grupo de estudantes e professores do curso de Ciência da Computação da UTFPR, campus Campo Mourão.

Inspiradas em nossa irmã “Emíli@s: Armação em Bits” da UTFPR campus Curitiba, nascemos com o objetivo de promover a participação ativa e o incentivo a permanência de meninas e mulheres na área de tecnologia para promover a igualdade de oportunidades nesse setor.


Como citar este artigo

DE OLIVEIRA, Raquel. Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Helen de Mattos Senefonte na Inteligência Artificial. SBC Horizontes, setembro. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/09/pesquisadoras-brasileiras-a-trajetoria-de-helen-de-mattos-senefonte-na-inteligencia-artificial>. Acesso em: DD mês. AAAA.

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