Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Lin Tzy Li na Inteligência Artificial

Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Lin Tzy Li na Inteligência Artificial
Por Raquel de Oliveira
Revisão: Prof. Alane Marie de Lima (DAINF/UTFPR-CT) e Prof. Marco Aurélio Graciotto Silva (DACOM/UTFPR-CM)

Esse texto foi produzido no contexto do projeto “Emíli@s – bits de representatividade: participação feminina falante e atuante na Computação” da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Campo Mourão, em entrevista concedida pela pesquisadora em destaque nesta matéria.

Nascida em São Paulo, descendente de chineses, Lin Tzy Li cresceu em uma família conservadora que esperava que o primogênito fosse um homem. Seu nome, que significa “fonte de força da floresta”, carrega um simbolismo forte, muitas vezes reservado a meninos em sua cultura. Desde cedo, ela entendeu que tinha responsabilidades familiares e se dedicou aos estudos com seriedade. Ainda na adolescência, sua professora a incentivou a seguir para a área da Computação, um campo que ela nem conhecia na época. Essa orientação a levou a ingressar na Escola Técnica Federal de São Paulo, a ETFSP, em 1989, onde estudou Processamento de Dados por 4 anos. Foi lá onde Lin teve seu primeiro contato com um computador.

Ao terminar o ensino técnico, enfrentou uma decisão difícil: estudar Administração na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), como muitos de seus colegas da escola técnica optaram por fazer, ou Ciência da Computação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde poderia se dedicar à pesquisa, algo que sempre despertou sua curiosidade. O desejo de fazer pesquisa falou mais alto e, contra a vontade da família, que desejava que Lin não saísse de casa tão jovem, optou por se mudar para Campinas, em 1994. Em uma turma predominantemente masculina, encontrou apenas sete outras meninas entre 30 alunos. Desde o primeiro ano da faculdade, buscou oportunidades e conquistou um estágio como desenvolvedora, garantindo sua independência financeira. Posteriormente, largou o estágio para se dedicar à iniciação científica, mergulhando de vez no mundo da pesquisa. Durante a graduação, Lin não tinha um plano definido de área de atuação, mas sua escolha foi influenciada pelo ambiente de pesquisa e pelas oportunidades de aprendizado. Foi assim que se interessou pelos desafios da Biologia Computacional e decidiu seguir nessa direção.

Com o término da graduação, em 1998, ela ingressou no mestrado, ainda na UNICAMP, aos 23 anos, dando continuidade aos estudos na área. Sua tese, intitulada Montagem de Fragmentos de DNA pelo Método ‘Ordered Shotgun Sequencing’ (OSS), focou na montagem de fragmentos de DNA. Seu primeiro grande projeto acadêmico aconteceu durante essa fase, em um período em que a Biologia Computacional ainda era pouco explorada no Brasil. Lin participou do primeiro projeto Genoma, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), contribuindo para a montagem do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, que afetava os laranjais. Esse feito foi um marco para a pesquisa genômica nacional e colocou o Brasil em evidência no cenário científico internacional.

Iniciado em 1997 pela FAPESP, com apoio do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), e com término em 1999, o projeto Genoma fez do país um dos poucos no mundo a completar o sequenciamento de um genoma microbiano. Além de revelar novos talentos científicos, o trabalho fortaleceu a bioinformática no Brasil e abriu caminho para avanços na citricultura e no controle de pragas agrícolas. O grupo de pesquisadores envolvidos recebeu a Medalha Paulista do Mérito Científico e Tecnológico pelo governador Mário Covas, prêmio que foi criado como consequência desse trabalho. Essa experiência consolidou a paixão de Lin pela pesquisa, mas sua curiosidade não se limitava a essa área.

Após o mestrado, Lin não foi diretamente para o doutorado. Com o fim do projeto Genoma, no qual havia trabalhado, envolveu-se em novos projetos, incluindo um estudo sobre a cana-de-açúcar, o projeto Genoma de EST (etiqueta de sequências expressas, i.e. sequências curtas de DNA) da cana-de-açúcar, e um serviço de análise de mutações do genoma do câncer, o projeto Genoma de Anotação do Câncer Humano. Em seguida, em 2002, aceitou uma proposta para trabalhar no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), integrando o time de inovação. Lá, atuou com sistemas de informação geográfica e inteligência geoespacial. Em 2005, Lin foi selecionada para o programa de Lideranças do Futuro, onde fez um MBA em Gestão Empresarial na Escola Superior de Administração Marketing e Comunicação (ESAMC).

Em 2008, aos 42 anos, deu início ao doutorado, também na UNICAMP. Sua pesquisa de doutorado combinou recuperação de imagem baseada em conteúdo, devido à expertise de seu orientador, com inteligência geoespacial, alinhada ao trabalho que desenvolvia no CPQD. O foco de sua tese foi o desenvolvimento de um framework para geocodificação multimodal de objetos digitais. O objetivo era permitir que, a partir de uma imagem, fosse possível identificar sua localização geográfica, habilitando consultas espaciais sobre esses objetos. Esse sistema expandia as possibilidades de busca ao integrar informações geográficas com o conteúdo dos documentos. Dessa forma, além de pesquisas tradicionais baseadas em palavras-chave, seria possível realizar consultas espaciais mais sofisticadas, como, por exemplo, solicitar informações sobre todas as cidades ao redor de um determinado local e obter automaticamente dados sobre elas. Essa abordagem ampliava o potencial de análise e recuperação de informação, tornando mais intuitiva e eficaz a navegação por grandes volumes de dados georreferenciados.

Durante o doutorado, Lin também teve a oportunidade de estudar por um período na Virginia Tech, nos Estados Unidos. Essa experiência permitiu que ela comparasse os modelos de pesquisa do Brasil e dos Estados Unidos, percebendo a importância dos investimentos privados e das colaborações com a indústria. Nos EUA, as universidades contam com mais recursos, financiados não apenas pelo governo, mas também por iniciativas privadas e fundos de ex-alunos. Estes modelos de financiamento não eram tão comuns no Brasil na época, mas ganharam força nos últimos anos. Empresas têm estabelecido convênios com universidades brasileiras, como o caso da Samsung e seu centro de pesquisa aplicada em Inteligência Artificial (IA) para saúde e bem-estar. Além disso, foram criados fundos patrimoniais formados por doações de ex-alunos para fomentar os projetos e iniciativas de algumas universidades brasileiras, como o LUMINA, Fundo Patrimonial da Unicamp.

Após 13 anos no CPQD, em 2015, passou dois anos em pós-doutorado, na UNICAMP, aprofundando-se em aprendizado de máquina e inteligência artificial. Em 2017, Lin recebeu um convite para integrar o time da Samsung, que estava estruturando sua equipe de IA no Brasil. Sua trajetória na empresa foi marcada por um crescimento rápido e consistente: em pouco tempo, passou de pesquisadora a líder de projetos, depois gerenciando laboratórios e, por fim, assumiu a liderança do Health Sensor AI Lab. Hoje, Lin trabalha com soluções de IA aplicadas à saúde e bem-estar, como monitoramento do sono e detecção de apneia via dispositivos da marca. O impacto de seu trabalho vai muito além do acadêmico.

Participar do desenvolvimento de tecnologias que chegam ao consumidor final é uma de suas maiores satisfações.

“É incrível ver algo em que trabalhei sendo usado por milhões de pessoas ao redor do mundo”, afirma.

No entanto, a inovação nessa área apresenta desafios constantes. A velocidade com que a tecnologia evolui exige uma atualização contínua, especialmente na pesquisa e desenvolvimento de soluções para a saúde.

“Precisamos estar sempre à frente, acompanhando as novas tecnologias para garantir que estamos trazendo o que há de mais moderno para as pessoas”, explica.

Além disso, a dinâmica da empresa exige a condução simultânea de diversos projetos, tornando essencial equilibrar pesquisa, aplicação e inovação de maneira eficaz. Outro desafio está na gestão de pessoas. Como líder, ela trabalha com talentos de diferentes formações e níveis de experiência, desde recém-graduados até doutores, promovendo um ambiente de aprendizado mútuo.

“Estamos sempre ensinando e aprendendo juntos. É desafiador, mas também muito gratificante”, comenta.

Além da atuação técnica, há também um forte envolvimento com a comunidade. Lin e sua equipe participam de eventos como o Innovation Camp, inspirando jovens, especialmente mulheres, a ingressarem na área de tecnologia. A empresa também promove iniciativas de mentoria, reforçando o impacto social do trabalho desenvolvido.

Ao longo de sua trajetória, Lin acompanhou de perto a evolução da computação e sua crescente integração ao cotidiano. No início de sua formação, a programação exigia o uso de supercomputadores, com linguagens como COBOL e processos burocráticos que envolviam escrita manual e compilação em laboratórios específicos. A chegada dos computadores pessoais revolucionou esse cenário, permitindo que estudantes programassem em casa e tivessem acesso a máquinas com maior capacidade de memória. Durante seu período na UNICAMP, vivenciou momentos marcantes, como a chegada da internet e do e-mail, que transformaram a comunicação. Para ela, um dos avanços mais impressionantes foi a migração de tecnologias antes restritas à pesquisa acadêmica para aplicações práticas na indústria e no dia a dia das pessoas – desde inteligência artificial em celulares até sistemas automatizados em eletrodomésticos.

Apesar das conquistas, sua trajetória foi marcada por desafios relacionados ao gênero. Em um ambiente predominantemente masculino, precisou provar constantemente sua competência. Desde os tempos de faculdade, sentia o prejulgamento de que teria mais dificuldade por ser mulher. Mas isso não a impediu de se destacar e se tornar uma das melhores alunas de sua turma. Hoje, como líder, busca inspirar e apoiar outras mulheres a ingressarem na área da tecnologia. Sobre o futuro da inteligência artificial, é otimista. Vê a evolução acelerada da tecnologia e seu impacto crescente no cotidiano.

“A IA já está presente na nossa vida de forma invisível, mas nos próximos anos veremos assistentes cada vez mais avançados e personalizados, tornando nossas vidas mais fáceis e eficientes.”

Para aquelas que desejam entrar na área, Lin deixa o seguinte conselho:

“Aproveitem ao máximo os recursos disponíveis. Hoje em dia, temos muito material acessível, especialmente na área de IA, incluindo diversos cursos gratuitos. Mas não basta apenas consumir o conteúdo, é essencial praticar. Façam exercícios, construam um portfólio com problemas que resolveram, testem se realmente estão aprendendo.”

Ela também enfatiza a importância de se manter atualizado e explorar diferentes fontes de conhecimento. Dentro da universidade, Lin sugere ir além da sala de aula:

“Participem de projetos, façam iniciação científica, envolvam-se com comunidades e aprendam a trabalhar em equipe.”

Segundo ela, o mercado exige mais do que apenas conhecimento técnico.

“No trabalho, ninguém faz nada sozinho. Saber colaborar e se comunicar bem é fundamental para enfrentar desafios e desenvolver boas soluções.”


Sobre a autora

Raquel de Oliveira
Bacharelanda em Ciência da Computação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com interesse em Ciência de Dados e Inteligência Artificial.

 

 

 

Sobre o Projeto Emíli@s – bits de representatividade

Somos o projeto “Emíli@s- bits de representatividade : participação feminina falante e atuante em Computação”, um grupo de estudantes e professores do curso de Ciência da Computação da UTFPR, campus Campo Mourão.

Inspiradas em nossa irmã “Emíli@s: Armação em Bits” da UTFPR campus Curitiba, nascemos com o objetivo de promover a participação ativa e o incentivo a permanência de meninas e mulheres na área de tecnologia para promover a igualdade de oportunidades nesse setor.


Como citar este artigo

DE OLIVEIRA, Raquel. Pesquisadoras Brasileiras: a trajetória de Helen de Mattos Senefonte na Inteligência Artificial. SBC Horizontes, março. 2025. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/03/pesquisadoras-brasileiras-a-trajetoria-de-lin-tzy-li-na-inteligencia-artificial>. Acesso em: DD mês. AAAA.

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