Promovendo a Extensão na Área de Computação: a experiência da trilha do SBSC 2024

Pablo Vieira Florentino, Melise Maria Veiga de Paula, Bárbara Pimenta Caetano.
O contexto das atividades extensionistas nas instituições de ensino superior (IES) tem passado por transformações significativas nos últimos anos, especialmente após a implementação da resolução n.º 7 do CNE/MEC de 2018, que tornou obrigatória a curricularização da extensão nos cursos de graduação. Não é exagero afirmar que a extensão, frequentemente, ocupa uma posição periférica no universo acadêmico, sendo por muitas vezes tratada como uma atividade secundária em relação ao ensino e à pesquisa. Embora esteja em curso uma mudança nesse cenário, muitos professores ainda seguem uma trajetória acadêmica focada na pesquisa e ensino, enquanto poucos outros buscam formas de ampliar o diálogo com a sociedade, promovendo trocas de saberes, contribuindo para o desenvolvimento social e auxiliando parcelas mais vulneráveis da população.
Na área tecnológica, o desafio de integrar a extensão ao ambiente acadêmico tem sido particularmente perceptível, com iniciativas extensionistas recebendo menor atenção, historicamente, em comparação às outras atividades. Contudo, projetos bem-sucedidos têm demonstrado o potencial transformador da extensão universitária ao promover trocas de saberes e serviços relevantes à sociedade, especialmente junto aos grupos em situação de maior vulnerabilidade social. Essas experiências, frequentemente construídas com base em diálogos colaborativos e interdisciplinares, geram desdobramentos positivos tanto para as comunidades envolvidas quanto para as instituições acadêmicas.
É com base nessas experiências que compreendemos a extensão universitária, nos dias atuais, como uma grande oportunidade para que as IES modifiquem a relação com a sociedade, escalando a ampliação de sua abrangência para um novo patamar, passando por grupos e/ou comunidades socialmente fragilizadas, coletivos sociais, cooperativas, organizações sem fins lucrativos, chegando até assessorias para instituições ou empresas com demandas tecnológicas específicas.
Embora a extensão universitária seja terreno fértil e estratégico para o desenvolvimento de serviços e tecnologias voltadas para a sociedade (DAGNINO, 2010), nos eventos da área de computação, até onde nossas observações e pesquisas alcançaram, percebemos uma lacuna de espaços sistemáticos de discussões específicas e mais aprofundadas sobre práticas extensionistas. Embora a extensão desempenhe um papel essencial na articulação entre a academia e a sociedade, os espaços dedicados a essa temática ainda são limitados, especialmente quando comparados ao enfoque predominante em ensino e pesquisa, o que nos causa inquietação. Mesmo que alguns trabalhos extensionistas consigam ser aceitos em eventos da área de pesquisa, essa lacuna persiste e reforça a necessidade de ampliar as oportunidades de diálogo e reflexão sobre iniciativas extensionistas no campo tecnológico, valorizando seu impacto social e educativo. Com o processo de curricularização nos cursos de graduação, a extensão ganha centralidade no currículo das IES, promovendo uma transversalidade entre ensino, pesquisa e práticas sociais. Nesse contexto, eventos acadêmicos têm a oportunidade de desempenhar um papel essencial ao fomentar discussões específicas sobre práticas extensionistas.
Essa constatação motivou uma iniciativa coletiva de organizar uma trilha específica para trabalhos extensionistas no Simpósio Brasileiro de Sistemas Colaborativos (SBSC), impulsionada pelo desejo de abrir novos horizontes para atividades dessa natureza. O objetivo foi criar um espaço para discutir os desafios da colaboração nas práticas extensionistas, considerando tanto a adoção de sistemas colaborativos quanto os aspectos colaborativos intrínsecos às ações de extensão.
Os desafios começaram na definição do escopo dos trabalhos extensionistas, com a decisão de acolher relatos de experiências relacionadas aos sistemas colaborativos, sem limitar essas práticas exclusivamente à área de computação. O convite foi feito às pessoas extensionistas, incluindo docentes e discentes, e estendido aos profissionais de diversos setores — público, privado, terceiro setor e empreendedores sociais. O objetivo foi reunir trabalhos que abordassem os desafios da colaboração na extensão universitária, explorando temas como o uso de sistemas colaborativos nas ações extensionistas, a avaliação de experiências de usuários e a aplicação de conceitos e métodos da área de sistemas colaborativos. Além disso, não houve restrição aos projetos que diretamente utilizaram ou desenvolveram sistemas colaborativos; os desafios de colaboração enfrentados durante a execução dos projetos também foram considerados uma contribuição importante para a trilha.
Para este processo, foram definidas algumas perguntas norteadoras, mas não limitantes, para as discussões esperadas:
- Quais foram os principais desafios no que se refere à comunicação entre os atores envolvidos nas ações extensionistas que realizei?
- Nos trabalhos realizados de forma conjunta, como ocorreu a colaboração?
- Na minha prática extensionista, foi possível ou necessário usar alguma ferramenta para apoiar a colaboração?
- A colaboração foi um desafio na prática extensionista?
- Quais foram as lições aprendidas no que tange à colaboração durante a execução da minha ação extensionista?
Para a submissão dos trabalhos, as pessoas autoras foram orientadas a usar as diretrizes da Política Nacional de Extensão Universitária, descritas em um artigo provocador publicado na revista SBC Horizontes intitulado “Curricularização da Extensão Universitária: o que a comunidade brasileira de Computação tem a ver com isso?” (MELO et al., 2023). Inspirados por essa perspectiva, buscamos estruturar a trilha de maneira a fomentar as discussões, o que exigiu adaptações nos formatos de submissão e critérios de avaliação.
Utilizamos como base os modelos de artigos da SBC, ajustando-os para contemplar as especificidades das atividades extensionistas. Embora reconheçamos a complexidade de descrever de forma textual e detalhada as práticas extensionistas, o formato de submissão por artigos curtos, com ocultação de autoria e filiação, mostrou-se eficaz para capturar tanto a essência quanto os impactos dessas ações.
A avaliação das submissões contou com a colaboração de 16 professores de diversas instituições e estados, cuja participação foi essencial para refinar e aprimorar os trabalhos apresentados. Cada submissão foi analisada por pelo menos dois avaliadores, considerando critérios como aderência à temática da trilha, qualidade do texto, fundamentação teórico-metodológica, clareza na apresentação da experiência, profundidade nas discussões e conformidade com a formatação exigida. Essas contribuições enriqueceram o processo, garantindo a qualidade e relevância das discussões.
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Esse ciclo culminou na apresentação presencial dos trabalhos aprovados durante o Simpósio Brasileiro de Sistemas Colaborativos, realizado entre abril e maio de 2024, em Salvador. As apresentações combinaram o formato tradicional, no qual um dos autores expôs verbalmente os detalhes das submissões, com a utilização de painéis físicos dispostos na sala. Esses painéis possibilitaram que os participantes do evento contribuíssem presencialmente, registrando observações e sugestões manuscritas, que eram fixadas diretamente nos painéis. Esse formato interativo permitiu que os autores ampliassem as discussões em torno de seus trabalhos, promovendo uma aproximação entre os participantes e os autores, além de fomentar o diálogo e colaboração durante o evento.
Durante esse processo, evidenciou-se a complementaridade entre extensão e pesquisa no fazer acadêmico. Essa interação cria um ciclo virtuoso: a extensão se beneficia do conhecimento gerado pela pesquisa aplicada, enquanto a prática extensionista contribui com dados e contexto que aprimoram os métodos científicos. Dessa forma, extensão e pesquisa retroalimentam-se, consolidando-se como uma via de mão dupla que fortalece o papel da academia na sociedade.
É necessário enfatizar a transversalidade e o diálogo interdisciplinar promovidos pela área de sistemas colaborativos nos trabalhos aceitos, que abordaram temas provenientes de diversas áreas, como Oceanografia, Agroecologia, Assistência a pessoas com deficiência, Cidadania, Geografia e Desenvolvimento de Sistemas. Essa diversidade evidencia o papel central da computação como uma ferramenta essencial no suporte às ações extensionistas realizadas pelas IES.
Ao longo do evento, foi possível estabelecer diálogos entre as pessoas autoras de diferentes áreas do conhecimento científico. Essas interações ampliaram os horizontes do SBSC, fomentando debates sobre as demandas específicas e os processos colaborativos intrínsecos a cada área. Essa troca interdisciplinar não apenas enriqueceu os diálogos, mas também reforçou a importância dos sistemas colaborativos como um meio eficaz de atender às complexas necessidades da sociedade.
Além disso, a trilha destacou a importância de criar espaços dedicados à extensão em eventos acadêmicos. Esses espaços não apenas valorizam o impacto social das ações extensionistas, mas também ampliam o diálogo interdisciplinar, essencial para enfrentar os desafios contemporâneos. A inclusão dos trabalhos na série de anais estendidos do SBSC reforçou o compromisso da organização em promover a extensão como parte integrante da comunidade de computação.
Em um momento em que a extensão passa a ocupar 10% da carga horária dos cursos de graduação no Brasil, iniciativas como a trilha de projetos extensionistas no SBSC são fundamentais para fortalecer as práticas extensionistas. A integração entre computação e extensão tem o potencial de promover mudanças significativas, desenvolvendo tecnologias sociais e formando profissionais mais conscientes das demandas reais da sociedade.
Reforçamos a necessidade de ampliar os espaços para discussões extensionistas em eventos acadêmicos, reconhecendo a extensão como um caminho para uma formação humanística e técnica integrada. Por fim, registramos nossos agradecimentos à organização geral e à coordenação de programa do SBSC 2024, que tornaram essa iniciativa possível, contribuindo para aproximar a computação da sociedade e ampliar os horizontes do diálogo interdisciplinar.
Anais estendidos do SBSC, Trilha de Extensão e Colaboração
Referências
DAGNINO, R. Tecnologia Social: Ferramenta para construir outra sociedade. Campinas, SP: Komedi, 2010.
MELO, Amanda Meincke; MATOS, Ecivaldo; MELLO, A. V.; Oliveira, J. Curricularização da Extensão Universitária: o que a comunidade brasileira de Computação tem a ver com isso? SBC Horizontes. ISSN 2175-9235. agosto de 2023. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/
Autoria
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Pablo Vieira Florentino. Professor Associado II do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Campus Salvador, onde exerce a docência desde 2006, e integrante do Núcleo Salvador do Observatório das Metrópoles. Também integra os grupos de Pesquisa GPEC e GSort no IFBA. Possui graduação em C. da Computação pela UFBA, mestrado em Banco de Dados pela Coppe/UFRJ e doutorado em Urbanismo pela UFBA, onde trabalhou com Análise de Redes Sociais e Dados Urbanos. Alia as atividades de pesquisa às atividades extensionistas envolvendo o fomento ao uso de dados abertos e recuperação, abertura e visualização de dados urbanos, especialmente mapeamento de equipamentos culturais (GPec) e de mobilidade (Observatório da Mobilidade de Salvador). Participou e/ou orientou os projetos Mapeamento Cultural Campus SSA, Auditoria Cicloviária de Salvador, Mobidata Salvador, entre outros trabalhos voltados a questões culturais e urbanas. Participou do projeto “Salvador: Visões de Futuro” . Colabora com o Mestrado Profissional em Engenharia de Sistemas e Produtos (IFBA), focando nas áreas de Banco de Dados e Sistemas de Informação e Colaboração. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7522094241285957 |
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Melise Maria Veiga de Paula. Possui graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997), mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) e doutorado em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professora associada na Universidade Federal de Itajubá. Atua no Mestrado em Ciência e Tecnologia da Computação. Coordenou projetos de extensão em parceria com prefeituras na elaboração de planos diretores e outros processos participativos. Tem experiência na área de Ciência da Computação e Sistemas de Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: governo eletrônico, análise visual de dados e sistemas colaborativos. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/4124608748192543 |
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Bárbara Pimenta Caetano. Possui graduação (2015) em Sistemas de Informação pela Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI, mestrado (2018) e doutorado (2024) em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atuou em projetos de pesquisa e extensão na UNIFEI e UFRJ, como o VISPUBLICA, além de parcerias com empresas como Lemobs, Prontlife e Irricontrol. Atualmente é professora na Universidade Federal de Itajubá. Tem experiência em participação eletrônica, sistemas colaborativos, análise de dados e no desenvolvimento de soluções web para business intelligence em diversos cenários. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/4235406030629983 |
Como citar esta matéria:
FLORENTINO, Pablo Vieira; PAULA, Melise Veiga de Paula; CAETANO, Bárbara Pimenta. Promovendo a Extensão na Área de Computação: a experiência da trilha do SBSC 2024. SBC Horizontes. ISSN 2175-9235. março de 2025. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/03/promovendo-a-extensao-na-area-de-computacao-a-experiencia-da-trilha-do-sbsc-2024. Acesso em: dd mês aaaa.