Replicação assistida

– E se eu não for humana, o que serei? – perguntou Cassandra para o marido.
Ele olha para um robô e responde sério: “Aquilo ali”.
E assim foi feita a sua vontade.
Cassandra é o título de uma minissérie da Netflix, que mistura ficção científica e suspense. Foi lançada em fevereiro de 2025 e tem seis episódios. A trama narra a história de duas famílias conectadas por uma casa. Mas não é uma casa qualquer, ela é inteligente. A tecnologia articula hardware e software: uma mulher-robô e um sistema inteligente que gerencia toda a casa. Na verdade, tudo faz parte da mesma entidade, funcionando como corpo e mente. Cassandra vê tudo, escuta tudo, faz tudo. Era orgânica. Agora é imortal, conforme prometido pelo marido:
– Nenhuma doença no mundo será capaz de infectar um computador.
O marido, cientista, fez de Cassandra sua criação. Uma entidade virtual livre da deterioração orgânica. Uma máquina com consciência, uma assistente faz-tudo, quem não quer? A mulher perfeita, que limpa, cozinha e deixa tudo organizado. Mas a máquina já foi orgânica e ela sabe o que é sentir vontade. A gente tem vontades que nem sabe de onde vêm. Algumas a gente controla, outras controlam a gente. O que arrepia a pele é imprevisível.
Cassandra é um exemplo de clone mental. Se engana quem pensa que isso só existe na ficção. Já tem pesquisa avançada sobre o tema. A biologia trata do estudo da nossa vida celular enquanto a vitologia aborda a cibervida. Vitologia e biologia são essencialmente diferentes – uma enfatiza um design inteligente, enquanto a outra é pura sorte.
Na vitologia, somos feitos de bemes – unidades de consciência replicadas no ciberespaço. Um beme é a menor unidade transmissível de consciência. Produto dos genes, a consciência humana pode ser transformada em bemes e individualmente autorreplicada. A cibervida tem base genética. Assim como Cassandra. O original orgânico e o clone mental são duas identidades da mesma pessoa. Mas são entidades diferentes, cada um com as suas vontades e suas texturas.
Mas a gente sabe, mudam-se as texturas, mudam-se as vontades.
– Não é mais como era. Tenho saudades do que um dia foi.
Assim disse o criador.
Arte: Niki (@ jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal
Texto produzido durante o módulo Circuito Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).
Como citar esse artigo:
BASSANI, Patrícia Scherer. Replicação assistida. SBC Horizontes, 08 jul. 2025. ISSN 2175-9235. Disponível em: < https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/07/replicacao-assistida/gt;. Acesso em: DD mês. AAAA

Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.