Dá pra repetir?

Não gosto de pudim. Confesso que tenho vergonha de admitir em público. Como diria meu avô, isso é quase um sacrilégio. Não lembro quando começou, mas lembro da minha mãe falando:
– Come esse pudim, guria!
Ela disse que eu inventei essa história. Sei lá. Essa é uma daquelas lembranças que aparecem desconectadas de tudo. Não lembro o que veio antes. Nem ideia do que veio depois. Mas sempre lembro do gosto do pudim. A memória é mesmo uma coisa estranha. A gente esquece de coisas que queremos lembrar e lembramos de coisas que gostaríamos de esquecer.
Dias atrás minha mãe me entregou uma caixa cheia de fotografias antigas. Mergulhei com saudade naqueles poucos registros da minha história. Viajei no tempo e lembrei que esqueci muita coisa. Eu queria um dispositivo como aquele que vi em Black Mirror.
O episódio cinco da temporada sete – Eulogy – apresenta uma tecnologia que permite a imersão em fotografias antigas para ativar memórias. Podemos entrar nas memórias e viver aquilo novamente, como uma experiência em realidade virtual. Na verdade, a tecnologia apresentada na série é muito mais complexa, porque o cenário se expande à medida que vamos lembrando das coisas. Somos participante e criador ao mesmo tempo. Reviver é viver de novo a mesma coisa com um novo olhar. Mas vai além do visual. Mexe com todos os sentidos. A memória tem som, tem gosto e tem cheiro.
A narrativa do episódio nos conduz a reviver uma história de amor que se perdeu. Phillip, interpretado por Paul Giamatti, teve a oportunidade de revisitar os momentos vividos com uma ex-namorada, a partir de algumas poucas fotografias muito antigas. Ao encontrar suas memórias, percebeu as sutilezas e os detalhes. Viu tudo aquilo que não tinha visto antes. Sentiu tudo aquilo de forma diferente. Foi triste. Foi lindo.
O tempo desfoca a visão. Muda a lembrança de lugar. Nem tudo foi como a gente imagina. Mas tem coisas que a gente nunca esquece.
Nessa história de lembrar das coisas, lembrei de uma vez que fui jantar na casa de uma amiga. Ela, toda orgulhosa, abriu a geladeira junto com um baita sorriso:
– Fiz pudim.
Arte: Niki (@jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal (@tiago_bergenthal)
Texto produzido durante o módulo Circuito Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).
Como citar esse artigo:
BASSANI, Patrícia Scherer. Dá pra repetir?. SBC Horizontes, 30 out. 2025. ISSN 2175-9235. Disponível em: < https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2025/10/da-pra-repetir/ gt;. Acesso em: DD mês. AAAA

Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.