Regulamentação das plataformas digitais no Brasil: venha opinar nesse debate!
DESTAQUES:
|
Autores: Roberto Gerpe; Mariano Pimentel (20/6/2023)
Revisão: Alvanisio Damasceno
Ilustração da capa: Roberto Gerpe e Mariano Pimentel
Os algoritmos de plataformas como o YouTube, Twitter, Facebook, TikTok, Instagram, entre outras, selecionam o que iremos ver, ditam o fluxo de informações, moldando nossas experiências online. Esses algoritmos agem continuamente guiando a narrativa, em silêncio, invisíveis para nós, usuárias/os. A falta de transparência e visibilidade de como as coisas funcionam, a impossibilidade de questionarmos as decisões que as plataformas tomam, limitam nossa compreensão e dificultam a identificação de alternativas, levando muitas/os usuárias/os a aceitar tudo como “natural” e a dar pouca importância aos mecanismos que nos controlam e vigiam, criando assim um conformismo e alienamento — afinal, se não vemos, se não compreendemos e se não temos como mudar, para que vamos nos preocupar com tais algoritmos?
Os algoritmos são invisíveis, complexos e escritos em linguagem matemática. Por serem invisíveis, para muitos, os algoritmos não são percebidos, na prática é como se não existissem. O grande problema é que sua invisibilidade e virtualidade geram efeitos reais e de grande relevância. […] Algoritmos são invenções e, como toda invenção, guardam as intenções dos seus criadores. (SILVEIRA, 2017, p.272)
Há muitos motivos para nos preocuparmos cada vez mais com os algoritmos que governam nossa conduta, a governamentalidade dos algoritmos (SILVEIRA, 2017). Por exemplo, sabemos que o Facebook fez um experimento de escala massiva para manipular o estado emocional de seus usuários (KRAMER; GUILLORY; HANCOCK, 2014) e publicou os resultados para que o mundo pudesse conhecer sua capacidade de manipular/influenciar a massa e, assim, atrair os olhos de quem estivesse disposto a pagar para fazer outras manipulações semelhantes. Documentários como O dilema das redes (2020) e Privacidade hackeada (2019) mostraram que o Facebook lucra com a desinformação; que possui mecanismos desenvolvidos para viciar os usuários, influenciar o comportamento, a subjetividade e criar realidades em tempos de pós-verdade; que seus algoritmos podem influenciar eleitores, constituindo-se, assim, em uma ameaça às democracias.
Nunca antes na história, 50 designers de entre 20 e 35 anos de idade, homens brancos, da Califórnia, tinham tomado decisões que impactassem dois bilhões de pessoas. Dois bilhões de pessoas terão pensamentos que não teriam normalmente porque um designer do Google disse: “É assim que as notificações aparecerão na tela que você olha quando acorda.” (Tristan Harris – ex-designer ético da Google, O dilema das redes, 2020, 9:07-9:31s.)
As grandes empresas de tecnologia criaram uma nova ordem econômica baseada nos dados de usuários que são coletados e comercializados, o chamado capitalismo de vigilância. Em nossa cultura, as empresas Alphabet (Google), Apple, Meta (Facebook), Amazon e Microsoft formam o grupo conhecido como GAFAM (acrônimo das iniciais dessas empresas), também conhecidas como Big Tech, Tech Giants e Big Five; a China tem suas próprias grandes empresas de tecnologia, conhecidas por BATX (Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi). Essas empresas são capazes de influenciar o comportamento da sociedade, o que vem gerando preocupações em termos de privacidade, relações sociais, censura e liberdade de expressão, mercado e segurança nacional. É muito poder concentrado em empresas que agem visando ao lucro, com pouca regulamentação sobre suas ações.
Os riscos são enormes, as tecnologias digitais em rede podem prejudicar os usuários e ameaçar governos. Alguns riscos já são conhecidos e precisam ser coibidos. De outros podemos nem estar cientes, pois não sabemos como funcionam os algoritmos dessas empresas, não sabemos exatamente quais são os riscos a que estamos expostos. Diversos países estão buscando colocar limites por meio de políticas para regular as ações dessas empresas. No Brasil, algumas leis anteriores já foram criadas nesse sentido, como o Marco Civil da Internet (MCI), aprovado em 2004, e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018. Agora temos um novo projeto de lei, o PL2630/20, que visa a instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Dar transparência ao funcionamento dos algoritmos possibilitará tornar visíveis seus vieses e reais interesses, gerando assim mais compreensão e consciência de como essas empresas influenciam nossos cotidianos e manipulam nossos dados. Com uma regulação, tais empresas terão de se ajustar à legislação nacional e internacional.
Em nossa era, em que as tecnologias computacionais influenciam nosso cenário social, político e econômico, o debate sobre a importância da regulação de plataformas digitais tem aumentado em todo o mundo, com muitos países aprovando ou discutindo diferentes formas de regulamentação. No Brasil, várias propostas relativas a esse tema têm sido discutidas pelo Estado e pela sociedade civil. No entanto, a complexidade e a extensão do assunto tornam desafiador chegar a um acordo. Nesse sentido, o Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) está promovendo uma Consulta sobre Regulação de Plataformas Digitais:
A Consulta explora definições e classificações de plataformas, um mapeamento dos riscos apresentados pelas atividades das plataformas, bem como as medidas regulatórias capazes de mitigá-los e, por fim, as formas e atores necessários para implementar a regulação. […] Há um crescente consenso nacional e global sobre a necessidade e urgência de se regular as plataformas digitais sob diferentes aspectos. Os movimentos regulatórios são motivados por uma diversidade de efeitos nocivos, já amplamente documentados, das atividades das grandes plataformas digitais (especialmente aquelas que atuam em serviços críticos, como comunicação e acesso à informação) sobre processos democráticos, aspectos concorrenciais, inovação, direitos fundamentais, bem como danos políticos, econômicos e culturais que ameaçam a própria internet. […] A Consulta, portanto, tem como objetivo propor diretrizes ao Estado brasileiro sobre o escopo e objeto da regulação (conceitos e classificações de plataformas digitais); bem como mapear os riscos das atividades das plataformas e identificar um conjunto de medidas regulatórias capazes de mitigá-los. […] Para isso, o CGI.br busca ampla mobilização multissetorial para alcançar múltiplas contribuições que subsidiem a construção consensual do marco regulatório brasileiro sobre plataformas digitais.
Nós, da Computação e da sociedade em geral, precisamos participar ativamente do debate sobre os riscos, desafios e necessidade de regulamentação das plataformas digitais. A consulta do CGI.br estará aberta até o dia 16 de julho de 2023. Nessa primeira etapa, você compartilha suas ideias na plataforma Diálogos. Vamos embarcar nessa consulta para regulamentar as plataformas digitais, com vista a moldar um futuro digital mais justo, com menos abusos e mais garantias da soberania digital.
Participe você também da Consulta do CGI.br!
Referências:
BRASIL. Lei Nº 12.965 (Marco Civil da Internet), de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2014.
BRASIL. Lei Nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2018.
BRASIL. PL 2630/2020. Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet – Portal da Câmara dos Deputados – Portal da Câmara dos Deputados.
KRAMER, Adam Di; GUILLORY, Jamie E.; HANCOCK, Jeffrey T. Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 24, p. 8788-8790, 2014.
SILVEIRA, Sergio Amadeu. Governo dos algoritmos. Revista de Políticas Públicas, v. 21, n. 1, p. 267-281, 2017.
Roberto Gerpe é doutorando e Mestre em Informática pela UNIRIO. Atua como professor na Faculdade de Tecnologia Senac Rio desde 2019, e foi professor na Universidade Estácio de Sá (2000 a 2018). Paralelamente à carreira acadêmica, atua como Analista de Tecnologia da Informação na UNIRIO, onde assumiu cargos de liderança, como Gerente de Infraestrutura e Suporte, Gerente de Sistemas da Informação, e substituto de diretor da Diretoria de TIC. Pesquisa Sistemas de Informação, Cibercultura, Educação e Políticas Públicas de Tecnologias Digitais.
Currículo Lattes
Mariano Pimentel é doutor em Informática, professor da UNIRIO, organizador/coautor dos livros Sistemas Colaborativos (Prêmio Jabuti, 2011), Do email ao Facebook (2014), Metodologia de Informática na Educação (2021) e Informática na Educação (2021). Realiza pesquisas em Sistemas de Informação, Educação, Cibercultura e Colaboração.
Currículo Lattes e Google Scholar