Um pouco de sentimento para complicar

Um pouco de sentimento para complicar

Achei que era saudade. Talvez nostalgia. Pensei melhor, poderia ser melancolia. Mas melancolia lembra tristeza. Nostalgia também. Não era isso. Talvez só saudade, mesmo.

Acho estranho sentir saudades de coisas que eu não vivi. Mas acontece. Isso não me deixa triste. Mas me deixa curiosa. E se?

E se eu tivesse feito escolhas diferentes? E se eu tivesse dito não? Ou sim? Sei lá. “Fosse outro o arranjo, talvez outra seria a vida”, escreveu Carla Madeira, em Véspera.

Véspera narra a história de dois irmãos, os gêmeos Caim e Abel. Caim se jogava na vida. Abel, seguia preso na solidão –“quando perderia os sentidos vivendo alguma coisa real?”. A história é densa, triste, violenta. Duas vidas conectadas, mas que não poderiam ser mais diferentes. Arranjos aleatórios? Destino? O narrador lembra que o destino não é aleatório e avisa: “cada acaso tem poderes de deslocar os acontecimentos e eles se tornam o que são”.

Seria a nossa vida um conjunto de acasos? Como um jogo de tabuleiro? O narrador avisa: “a disposição das peças em uma mesa contém em si o desenlace”.

Seria tudo previsível?  

“Por que eu estava ali, justamente naquela manhã?”.

“O fato é que comecei a pensar que tudo que veio antes em minha vida aconteceu para que eu estivesse ali, naquele exato momento”.

Não sei. Quem sabe? Desígnio divino? Ou talvez a inteligência artificial? Ela sabe tudo. Pode identificar padrões, antecipar comportamentos e fazer previsões sobre eventos futuros. Inteligência em forma de análise preditiva.

Quer saber o que pode acontecer? Análise de dados, aprendizagem de máquina, modelos estatísticos. Pega um pouco de cada, organiza os dados, testa o modelo e tá pronto. Resultado? Um conjunto de tendências e comportamentos. Não é fácil, mas dá para tentar prever a vida a partir do conjunto de vésperas vividas.

Será?

O narrador insiste em nos lembrar que “a lógica não se dá bem com a falta de lógica”. Sempre têm os sentimentos. Saudade. Melancolia. Nostalgia. Os sentimentos têm a liberdade do desconhecido. Imprevisíveis.

Arte: Niki (@ jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal)
Texto produzido durante o módulo Mosaico Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).

Como citar esse artigo:

BASSANI, Patrícia Scherer Assim caminha a humanidade. SBC Horizontes, 05 fev. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: < http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/02/um-pouco-de-sentimento-para-complicar/>. Acesso em: DD mês. AAAA

Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.

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