Vamos falar sobre a importância da revisão por pares nos eventos científicos e as discrepâncias entre revisões?

Vamos falar sobre a importância da revisão por pares nos eventos científicos e as discrepâncias entre revisões?

Por Claudia L. R. Motta, Rafael D. Araújo, Isabela Gasparini, Alex Sandro Gomes e Crediné S. de Menezes

Resumo: Artigos científicos, publicados por meio de periódicos e eventos (conferências, congressos, simpósios, workshop, entre outras denominações a depender da sua abrangência) científicos especializados apoiam o processo de divulgação do conhecimento produzido pela comunidade e, notadamente para os pesquisadores novatos, pode contribuir para a consolidação de sua formação. A área da Computação possui característica dinâmica e transversal a diversos domínios de aplicação, fazendo com que eventos científicos assumam um papel importante como veículos de publicação para o avanço da ciência e tecnologia. Por um lado, o tempo entre a submissão de um trabalho para apreciação e sua publicação em eventos costuma ser menor que em periódicos, sendo um ponto positivo aos autores. Por outro lado, o tempo curto de apreciação, a renovação do quadro de revisores e até mesmo a falta de orientações claras dos eventos e periódicos, entre outros problemas, pode levar a revisões superficiais e discrepâncias. Assim, este artigo apresenta e discute os diferentes papéis em relação à dinâmica de construção de conhecimento inerente aos eventos científicos e discute estratégias para melhorar a qualidade das revisões por pares visando reduzir discrepâncias.

Natureza e Finalidade da Revisão pelos Pares

Entende-se por “revisão pelos pares” a avaliação que é realizada pelos membros de uma comunidade científica sobre um trabalho produzido por outro(s) membro(s) dessa mesma comunidade. Este tipo de atividade é de grande importância para o desenvolvimento da qualidade das pesquisas uma vez que as revisões são realizadas por pessoas que estão ativas no processo de produção do conhecimento. Por outro lado, é muito importante que todos os pesquisadores se envolvam no processo para que haja uma boa distribuição de responsabilidade.

A revisão por pares, interpretada de forma ampla, cobre um vasto espectro de atividades. Entre elas estão: (i) observação da prática dos pares; (ii) avaliação das habilidades de ensino em sala de aula de colegas; (iii) avaliação por especialistas das solicitações de bolsas de pesquisa e bolsas de estudo submetidas a agências federais e outras agências de financiamento; (iv) revisão pelos editores e árbitros externos de artigos submetidos a revistas acadêmicas; (v) avaliação de artigos e pôsteres submetidos a conferências pelos presidentes e membros do comitê do programa; (vi) avaliação de propostas de livros submetidas a prensas universitárias e comerciais pelos editores internos e leitores externos; e (vii) avaliação da qualidade, da aplicabilidade e da interpretabilidade dos conjuntos de dados (LEE et al., 2013). A revisão pelos pares é o principal mecanismo para o controle de qualidade na maioria das disciplinas científicas (BORNMANN, 2011).

A leitura de um artigo com o propósito de fazer uma revisão difere de uma leitura de um artigo já publicado.

(SMITH, 1990)

O avaliador tem de ler e avaliar o artigo com o espírito aberto, sem qualquer presunção sobre a sua qualidade. O resultado da revisão deve ser um parecer que auxilie os autores e o coordenador de programa. A interação ocorre por meio deste parecer e da qual participam autores, avaliadores e coordenadores de programa. Na perspectiva dos autores, a resposta em forma de revisão ou refutação de seu trabalho pode ser muito valiosa. Contudo, revisões curtas muitas vezes não o são (Frachtenberg e Koster, 2020).

Publicar ou perecer?

O que pode significar a participação em um evento científico para pesquisadores em distintas etapas de sua carreira? Responder a essa pergunta precede nosso entendimento sobre a importância das revisões nos relacionamentos entre cientistas.

Publique! Publique! Publique! A publicação de artigos tem um papel importantíssimo na divulgação dos avanços da ciência e no processo de construção cooperativa do conhecimento científico. Mas, não basta publicar, é preciso que os artigos sejam lidos e citados pela comunidade científica. Por isso, além de publicar, é fundamental divulgá-los.

Nos últimos anos, contudo, diversos autores questionam a pressão e a pressa para terem seus resultados publicados em anais de conferências e revistas científicas, resultando no fenômeno conhecido como “produtivismo acadêmico”, caracterizado pela valorização da quantidade em detrimento da qualidade da produção acadêmica (DOS SANTOS ESTÁCIO et al., 2019). Este fenômeno pode, ainda, degradar a necessária “solidariedade acadêmica” definida por Patrus, Dantas e Shigaki (2015) como “um compromisso mútuo entre os pesquisadores” que voluntariamente dedicam-se à avaliação de produtos da atividade de pesquisa científica. Um trabalho silencioso e anônimo de um sem-número de avaliadores de eventos e periódicos os quais disponibilizam tempo e expertise para contribuir com o refino dos trabalhos de seus pares. Por conta do “produtivismo acadêmico”, tal colaboração “ocorreria de forma alienada, sem a noção de participação em uma comunidade de pesquisadores” (Ibid, p. 1). No caso extremo, o “produtivismo acadêmico” pode ter íntima correspondência com o adoecimento de pesquisadores, resultando em enfermidades físicas e, sobretudo, mentais, balizadas pela racionalidade do “publish or perish” (DE FARIAS JÚNIOR, 2020).

A “solidariedade acadêmica” é desejada em todas as etapas do desenvolvimento profissional de cientistas, visto que a atividade científica é eminentemente colaborativa e social.

A formulação de perguntas e a fruição de pontos de vista sobre fenômenos, dados, métodos e resultados são condições sine qua non à construção do conhecimento. Todos carecem do “olhar do outro” para sentir segurança e confiança sobre o que avança (BRAIT et al., 2020). Essas relações entre pares, muitas vezes em etapas distintas de seu amadurecimento acadêmico, ocorrem de forma intensa, na prática, quando revisamos artigos (MORO, 2021a; MORO, 2021b). Constitui-se uma rica atividade intersubjetiva de aprendizado e desenvolvimento por aqueles que submetem um manuscrito e aguardam por revisões, e aqueles que leem e emitem pareceres. Esses ciclos de interação, ora silenciosos e anônimos, ora dialogados nos espaços dos eventos e troca de correspondências, correspondem à essência da prática milenar do fazer científico (GOMES & GOMES, 2020), que é em última instância uma experiência de aprendizado que precisa ser valorizada e vivenciada com adequado engajamento.

Quem faz os eventos científicos?

Um evento científico é um espaço onde pesquisadores, profissionais, entusiastas e estudantes de uma determinada área de interesse se reúnem para comunicar e discutir os avanços da ciência naquela área, além de propiciar um ambiente de interação com seus pares. Para que eles ocorram, se faz necessária a mobilização de uma equipe de profissionais – geralmente composta pelos próprios interessados pela área de pesquisa – que desempenham diferentes papéis que, em conjunto, formam a Comissão Organizadora do evento. 

É importante saber que para um evento científico acontecer, muitas pessoas com diferentes papéis e responsabilidades, de maneira voluntária, atuam ativamente:

  • Coordenador(a) Geral – responsável (ou responsáveis) pela execução do evento, conciliando a parte de logística e gestão de todos os recursos, de forma a garantir o padrão de qualidade do evento e uma boa experiência de aprendizagem para os participantes.
  • Coordenador(a) de Programa – responsável (ou responsáveis) pela gestão do Comitê de Programa, isto inclui, fazer os convites para os revisores, configurar o sistema de revisão que será utilizado contendo os revisores, definir os tópicos de interesse do evento, os critérios de avaliação, prazos do processo de revisão, entre outras questões relacionadas a seleção dos artigos que serão apresentados e publicados nos anais do evento.
  • Coordenador(a) de Publicação / correlatos – responsável por coordenar a produção dos Anais (chamados de Proceedings) do evento e envolve a organização dos volumes em seções e a formatação/criação de metadados dos artigos aprovados de forma que estejam no padrão de publicação do evento e que possam ser publicados em uma biblioteca digital, como a SBC Open Library (SOL), por exemplo. Este papel nem sempre faz parte dos eventos, o que demanda tarefas adicionais para os(as) coordenadores de programa.
  • Comitê de Programa (do inglês, Technical Program Committee – TPC) – composto por todos os revisores do evento, chamados de membros do comitê de programa, responsáveis por avaliar e recomendar os melhores artigos submetidos pelos pesquisadores-autores da comunidade científica da área. Em alguns eventos, existe, ainda, o papel de revisor adicional exercido por pesquisadores que não fazem parte do Comitê, mas que são convidados por membros destes comitês, para avaliarem algum artigo específico. Eventualmente, estudantes de pós-graduação, com experiência na publicação de artigos, também podem ser integrados a esse processo por seus orientadores, mas, neste caso, há de se ter o cuidado com a supervisão das revisões pelo membro do comitê. A delegação, sem supervisão, pode se constituir em um desserviço tanto para a formação dos novos revisores quanto para o fairplay na comunidade científica.
  • Coordenador(a) de Trilha – dependendo da estrutura e porte do evento, trilhas são criadas como forma de agrupar os trabalhos em escopos temáticos. Do ponto de vista da organização, cada trilha possui um ou mais coordenadores e um comitê de programa específico com especialistas naquele tema. Os coordenadores de trilha devem estar alinhados com a coordenação de programa para manter uma consistência nos critérios de avaliação, visto que todos fazem parte de um mesmo evento, apesar de trilhas diferentes. O papel do(a) coordenador(a) de trilha é atuar como um coordenador adjunto do coordenador de programa e deve, atuar em consonância com este.
  • Diferentes papéis e responsabilidades – para que um evento seja realizado, é necessário empenho de muitas pessoas: da Comissão Organizadora liderada pelos Coordenadores Geral, do Comitê de Programa orquestrado pelo(a) Coordenador(a) de Programa, dos(as) Coordenadores(as) de Trilhas, dos pesquisadores-autores que submetem seus trabalhos, dos(as) Coordenadores(as) de Seções Técnicas que conduzem a seção de apresentação de um conjunto de trabalhos, dos palestrantes convidados que procuram trazer o estado da arte à comunidade, dos participantes com diferentes papéis no evento, além de todos os profissionais que são chamados para viabilizar a execução. Um trabalho colaborativo intenso onde os diferentes papéis e competências se complementam em prol de toda a comunidade. O sucesso de um evento é o resultado do esforço coletivo.

O papel do Comitê de Programa

A revisão por pares é uma atividade acadêmica de grande responsabilidade. A escolha de revisores está relacionada à boa reputação acadêmica que cada pesquisador convidado tem em sua área de atuação. Fazer parte de um Comitê de Programa indica uma maturidade do pesquisador, reconhecida por seus pares e por certo um motivo de orgulho para todos que assumem este papel. Participar desses comitês não é uma obrigação, é possível declinar desses convites. Entretanto, o aceite a um convite deve estar condicionado à uma reflexão sobre a importância deste papel e do trabalho que certamente isso lhe acarretará.

Da confiança depositada em cada pesquisador-revisor, espera-se que haja um retorno através de revisões com qualidade e da recomendação dos melhores artigos que serão apresentados no evento e publicados em seus Anais, cujos autores serão potencialmente futuros revisores.

É assim que essa engrenagem vem funcionando e necessita de aprimoramento constante.

  • Quantidade de revisores por artigo – geralmente, o número de revisores para cada artigo varia entre dois e cinco. Essa variação depende do veículo de publicação (evento ou periódico) e do quão consolidada é a comunidade, de quantos pesquisadores atuam nela. O total de revisores no evento também depende do histórico de número de artigos submetidos em eventos anteriores.
  • Quem são os revisores? – são pesquisadores reconhecidos, selecionados com base em sua experiência nas áreas de pesquisa associadas aos artigos submetidos aos eventos da área em questão. Por isso chamamos de “revisão por pares” (do inglês peer review), já que eles devem ter conhecimento prévio nas áreas de pesquisa dos autores dos artigos submetidos ou em áreas correlatas.
  • Como fazer parte de um Comitê de Programa (CP)? – há diversas maneiras para ingressar em um CP. Se um pesquisador já fez parte de um CP de um evento específico em anos anteriores, é possível que seja convidado novamente para novas edições do evento. Esses membros do CP também indicam e sugerem novos integrantes. Mas, se você não foi indicado ainda, nossa sugestão é que converse com os Coordenadores de Programa do evento atual, indicando sua intenção de fazer parte da equipe. É importante ressaltar que muitos eventos têm critérios para esta entrada, como, por exemplo, somente pesquisadores doutores, indicação de um membro atual, ter publicado algum artigo no evento em questão, entre outros. Se você agora faz parte de um CP, lembre-se de sua responsabilidade (resposta ao convite inicial, resposta rápida aos convites de cada artigo, revisão de qualidade, interação com outros revisores e com coordenadores de programa etc.).

Critérios adequados de revisão

Fonte: Imagem de mohamed Hassan por Pixabay

É recomendado que os revisores leiam com muita atenção as orientações que foram preparadas pelos Coordenadores de Programa, pois eles buscam repassar para os revisores a linha programática que se deseja alcançar com o evento, bem como as lições aprendidas com os eventos anteriores, consolidadas ao longo de anos sob a forma de recomendações que diferenciam um bom trabalho de um trabalho não tão bom, como também uma boa revisão de uma revisão não tão boa.

É importante também ressaltar que boas revisões são aquelas nas quais críticas construtivas e detalhadas são emitidas, essenciais para fazer a ciência avançar. Críticas rudes e pejorativas podem causar impactos negativos graves na aptidão científica dos autores que recebem esse tipo de revisão (SILBIGER; STUBLER, 2019; WILCOX, 2019).

Discrepâncias e suas causas

A ciência tem-se valido da revisão por pares para identificar mudanças de paradigma, apresentar o estado da arte. Os próprios cientistas fazem a revisão do trabalho de seus pares para recomendar para a comunidade os trabalhos que apresentam uma contribuição relevante e, se possível, original. É através desta análise, usando diretrizes e critérios previamente definidos, que se procura identificar os trabalhos que mais se destacam daqueles que ainda precisam de mais tempo e investimento para trazerem contribuições às discussões da área.

O trabalho do revisor é muito importante e de grande responsabilidade, uma vez que toda comunidade será impactada por conta das suas recomendações (positivas e negativas). Mas, o que ocorre em grande parte dos eventos, principalmente naqueles com melhores reputação e tradicionais de uma área, é que a maioria dos trabalhos não será selecionada para publicação e apresentação, seja por ainda não estarem maduros o suficiente, não estarem adequados à chamada – formato e identificação, por exemplo (MORO, 2021b) – ou pelo fato de que há limitação para o número de artigos que serão selecionados e, geralmente, é necessário estabelecer uma nota de corte. É aí que entra uma das principais tarefas do revisor, dar um feedback convincente, justo e cordial aos autores, apontando os problemas encontrados no artigo, explicando o porquê de sua análise e, de preferência, de forma didática, apresentar aos autores diretrizes que os ajudem a explicitar algo que é relevante e foi omitido no texto, ou deixar mais claro a metodologia utilizada, analisar com mais profundidade os resultados obtidos etc.

Mesmo quando já somos pesquisadores maduros, ao escrevermos podemos achar que estamos sendo claros sobre o que desejamos dizer. Ao escrever precisamos nos colocar no papel do leitor, aquele que não participou de nossa pesquisa, entretanto, algumas vezes não conseguimos. O papel do revisor é também olhar sobre esta perspectiva e sinalizar onde o autor pode melhorar a sua escrita. Para os mais inexperientes, este olhar dos revisores é importantíssimo para a consolidação de sua formação, dado que apesar de já ter passado (ou estar passando) por um processo de formação, a interação como um grupo mais amplo, ainda pode requerer um aprimoramento dessa arte de escrever para o alcance de uma comunidade, composta por especialistas, mas também por estudantes.

Em outras palavras, embora as universidades e os Institutos de pesquisa e formação de pesquisadores formem um braço importante deste ecossistema, ele não é único. A interação através do processo de submissão, revisão e publicação de artigos é um elemento imprescindível neste ecossistema para os avanços científicos de uma área.

Infelizmente, ocorre, com frequência, a existência de análises discrepantes entre as avaliações dos revisores. Muitas vezes até antagônicas, o que deixa os autores dos artigos recusados muitas vezes irritados ou confusos (WILCOX, 2019). Este tipo de problema geralmente é tratado pelo Coordenador de Programa ou Coordenador de Trilha, atribuindo o artigo a mais revisores. Apesar de resolver o impasse, não resolve o problema. Uma alternativa é instaurar uma prática de período de rebuttal, durante a qual os avaliadores poderiam compartilhar seus pontos de vista com os autores, receber revisões e, juntos, convergirem para um parecer construtivo de cada artigo (MORO, 2021a). Uma coisa é saber que havia artigos melhores escritos ou com contribuições consideradas mais relevantes, outra coisa é ler as revisões e ver que as análises poderiam ser mais precisas e construtivas.

São diferentes motivos que levam à inadequação dos pareceres produzidos pelas revisões por pares. Na Tabela 1 listamos alguns cenários de inadequações, bem como prováveis consequências e possíveis ações para evitá-las.

Causa Consequência Como evitar?

O Revisor não leu com cuidado o artigo e é do tipo “bonzinho” que aprova todos os artigos.

Artigos que precisam de lapidação podem receber notas que não refletem a qualidade do artigo.

● Uma revisão deve ser justa.

● O revisor deve ter uma atitude profissional.

O Revisor não tem conhecimento profundo no assunto tratado no artigo

Pareceres superficiais que não oferecem contribuição para o autor do artigo.

Artigos que precisam de lapidação recebem nota que não refletem a qualidade do artigo.

● Se julgar que não tem base para avaliar o artigo, decline quanto antes, no prazo estabelecido para tal.

O Revisor leu o artigo procurando falhas para justificar a rejeição, deixando de observar as contribuições que poderiam ser boas o suficiente para superar pequenas falhas.

Ele é do tipo “bad guy”. (WILCOX, 2019)

Bons artigos, com contribuições relevantes, podem ficar de fora do evento.

O feedback para os autores não agrega valor ao trabalho, deixando escapar uma excelente oportunidade para ajudar na qualidade dos artigos da comunidade.

  • Comece por observar as contribuições.

  • Pondere se o artigo necessita de todas as mudanças ou correções.

  • Verifique se solicitações de mudanças metodológicas, por exemplo, não refletem sua visão de mundo e de como uma pesquisa científica deve ser realizada, e verifique se outras abordagens poderiam ser adotadas também. Seja o mais justo possível.

  • Não se limite a apenas problemas de escrita (claro, a apresentação do trabalho de forma escrita também é muito importante, mas a qualidade do trabalho não se restringe somente a este critério).

Revisor leu o artigo, mas não conhece profundamente as nuances da área para identificar a contribuição real do artigo.

O artigo com ótimas contribuições pode ficar fora da recomendação final porque um revisor não percebeu ou entendeu o seu valor.

  • Se julgar que não tem base para avaliar o artigo, decline da revisão quanto antes, no prazo estabelecido para tal. Isso dará tempo para que o coordenador do evento ou da trilha reencaminhe o mesmo para outro colega.

  • Prever no processo de avaliação uma etapa de discussão entre os revisores visando a resolução de conflitos nas avaliações pode ser uma solução.

Revisores com pouca experiência de avaliação de artigos (MAVROGENIS et al., 2020)

Cada evento apresenta formas diferentes de avaliação, que variam em relação à sua metodologia, formato, escores e pontuações, espaços para discussões etc. Quando um revisor tem pouco conhecimento, pode acabar errando ‘na mão’, e tendo problemas relatados anteriormente.

  • Leia com bastante cuidado as orientações do evento onde se estabelece parâmetros para as avaliações.

  • Observe as revisões recebidas em seus artigos para o mesmo evento em edições anteriores, analise o tom, a estrutura e formato.

  • Discuta com outros pesquisadores suas dúvidas gerais, de forma ética, sem discutir sobre o artigo em si.

  • Também é importante tirar suas dúvidas com os Coordenadores de Programa (ou de Trilhas). Eles podem te auxiliar de forma assertiva para que qualquer viés seja eliminado. 

Revisor rude, com textos imperativos, e falta de delicadeza e empatia (SILBIGER; STUBLER, 2019; WILCOX, 2019)

  • Os autores podem ficar mais preocupados com a forma de como o conteúdo de sua revisão foi apresentado do que com o conteúdo propriamente dito.

  • Além disso, pode gerar impacto negativo em relação ao evento e sofrimento aos autores. 

  • Olhe para o artigo como uma tentativa de contribuir para o progresso da pesquisa e busque oferecer ao autor o suporte para que isso possa acontecer futuramente;

  • Revise seus comentários antes de enviar aos autores. Cuide para não fazer uma revisão após um dia muito complicado.

  • Se atenha a comentar sobre o trabalho que está sendo avaliado, sem impor seus valores pessoais aos autores.

Formas para melhorar a revisão por pares

Uma revisão, por mais rigorosa, com critérios definidos e embasada em evidências, ainda é um parecer pessoal subjetivo. Podemos moderar essa subjetividade realizando reuniões presenciais ou síncronas, ouvindo os argumentos a favor e contras dos pares, progredindo, assim, mais rapidamente para um consenso e para um parecer mais justo. Contudo, como podemos fazer isso a distância com a mesma qualidade e eficácia? Aqui apresentamos algumas estratégias adotadas por eventos científicos que auxiliam neste processo:

  • Tópicos de interesse: assim que os revisores aceitarem fazer parte do CP, é importante que selecionem os tópicos de interesse do evento. Desta forma, o revisor receberá artigos adequados a estes tópicos para revisar e que estão mais alinhados com seus interesses de pesquisa.
  • Bidding: esse é um processo no qual os revisores podem observar o título e resumo de todos os artigos relacionados a seus tópicos de interesse e selecionar quais gostaria de revisar. É bastante útil para ajudar a atribuir com mais precisão artigos a revisores.
  • Discussão entre revisores: alguns eventos preveem um tempo após revisão para a conversa entre revisores. Os revisores, após terem submetidos seus pareceres, podem ter acesso aos pareceres de seus pares ao mesmo artigo e dialogarem entre si, tentando chegar a um acordo. Desta forma, se desejarem, os revisores podem modificar seu parecer submetido. A ideia desta estratégia é permitir que os revisores possam identificar qualidades e falhas que eventualmente podem ter sido passadas despercebidas em sua avaliação.
  • Meta-revisão: este processo convida revisores mais experientes (ou sêniores) para analisar os pareceres dos outros revisores e chegar a um parecer final, ponderando todos os comentários feitos. Este processo pode ser realizado em conjunto ou não com os outros revisores.
  • Rebuttal (fase de resposta): este processo prevê uma fase extra de conversa e interação entre revisores e autores. Desta forma, no processo de revisão, os revisores são convidados a apresentarem questões principais nas quais os autores devem explorar em um texto de resposta adicional. Após, os revisores devem observar as respostas dos autores para seus questionamentos, e dar um feedback quanto à resposta dada. Este processo é bastante enriquecedor, para autores e revisores. Muitas vezes pode mudar a opinião final dos revisores sobre um artigo. Uma pesquisa realizada com autores de artigos aceitos em conferências da área de computação mostrou que revisões mais elaboradas e a fase de rebuttal podem ser muito valiosas, enquanto revisões curtas frequentemente não agregam valor (FRACHTENBERG; KOSTER, 2020).

Considerações finais

Acreditamos que o processo de revisão por pares pode e deve sempre ser continuamente melhorado.

Cada um dos membros de uma comunidade científica pode contribuir para o avanço da ciência e da pesquisa em sua área. Certamente, a autoria de textos já se constitui em uma grande contribuição. Entretanto, não basta. Para que o seu artigo seja publicado em um evento é necessário que outros façam revisões criteriosas. Quanto mais pesquisadores se disponham a participar dos comitês de programa, menos revisões serão atribuídas a um mesmo revisor e isto aumenta as chances de se produzir melhores avaliações.

Este texto é dedicado a todas e todos os pesquisadores, que realizam trabalhos voluntários, contribuindo de forma consciente e ativa para o progresso da pesquisa. Sabemos que não cobrimos todas as atividades e deveres de um revisor, mas acreditamos que este texto possa inspirar novos revisores a engajarem-se mais e melhor nesses ciclos de aprendizagem mútua.

Referências

BORNMANN, L. (2011). Scientific peer review. Annual review of information science and technology, 45(1), 197-245. doi: 10.1002/aris.2011.1440450112

BRAIT, B., PISTORI, M. H. C., LOPES-DUGNANI, B., & PHILIPPOV, R. (2020). Nossos pareceristas: os bastidores da produção científica. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso, 15(4), 2-7. doi: 10.1590/2176-457350948

DE FARIAS JÚNIOR, R. S. (2020). “Publish or perish”: o produtivismo acadêmico e o adoecimento docente. Revista Cocar, 14(28), 644-663. Disponível em: <https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/3142>

DOS SANTOS ESTÁCIO, L. S., ANDRADE, W. G. F., KERN, V. M., & DE ALMEIDA CUNHA, C. J. C. (2019). O produtivismo acadêmico na vida dos discentes de pós-graduação. Em Questão, 25(1), 133-158. doi: 10.19132/1808-5245251.133-158

FRACHTENBERG, E., & KOSTER, N. (2020). A survey of accepted authors in computer systems conferences. PeerJ Computer Science 6:e299. doi: 10.7717/peerj-cs.299

GOMES, A. S.; GOMES, C. R. A. (2020) Estrutura do Método científico: Por uma epistemologia da Informática na Educação. In: JAQUES, Patrícia Augustin; PIMENTEL, Mariano; SIQUEIRA; Sean; BITTENCOURT, Ig. (Org.) Metodologia de Pesquisa Científica em Informática na Educação: Concepção de Pesquisa. Porto Alegre: SBC, 2020. (Série Metodologia de Pesquisa em Informática na Educação, v. 1) Disponível em: <https://metodologia.ceie-br.org/livro-1/>

LEE, C. J., SUGIMOTO, C. R., ZHANG, G., & CRONIN, B. (2013). Bias in peer review. Journal of the American Society for Information Science and Technology, 64(1), 2-17. doi: doi.org/10.1002/asi.22784

MAVROGENIS, A. F., QUAILE, A., & SCARLAT, M. M. (2020). The good, the bad and the rude peer-review. International Orthopaedics (SICOT), 44, 413–415. doi: 10.1007/s00264-020-04504-1

MORO, M. M. (2021a). Guia Rápido para Avaliar Artigos: não jogue no time adversário! SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/01/guia-rapido-para-avaliar-artigos:-nao-jogue-no-time-adversario/>

MORO, M. M. (2021b). Guia Rápido para Submissão Anônima: proteja sua identidade corretamente. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/01/guia-rapido-para-submissao-anonima:-proteja-sua-identidade-corretamente/>

PATRUS, R., DANTAS, D. C., & SHIGAKI, H. B. (2015). O produtivismo acadêmico e seus impactos na pós-graduação stricto sensu: uma ameaça à solidariedade entre pares?. Cadernos EBAPE.BR, 13(1), 1-18. doi: 10.1590/1679-39518866

SILBIGER, N. J., & STUBLER, A. D. (2019). Unprofessional peer reviews disproportionately harm underrepresented groups in STEM. PeerJ 7:e8247. doi: 10.7717/peerj.8247

SMITH, A. J. (1990). The task of the referee. IEEE Computer, 23(4), 65-71. Disponível em <https://www.jmlr.org/reviewing-papers/smith-advice.pdf>

WILCOX, C. (2019). Rude paper reviews are pervasive and sometimes harmful, study finds. Scientific Community. doi: 10.1126/science.aba5502

Sobre os autores

Claudia L. R. Motta

Acredita na aproximação da Academia com a Sociedade e Empresas para potencializar o Brasil.  Em sua passagem pela Diretoria da SBC propôs a “Chancela da SBC” e o “Selo de Inovação da SBC”. Como pesquisadora do Instituto Tércio Pacitti e professora do PPGI, idealizou a Plataforma ACTIVUFRJ http://activufrj.nce.ufrj.br da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Co-fundadora do Projeto SuPyGirls – Empoderamento feminino através das tecnologias.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0774464575739440

Rafael Dias Araújo

Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e membro do Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais Inteligentes e Ubíquas (UbiMedia). Foi responsável pela editoração dos anais de vários eventos. É editor associado da Revista Brasileira de Informática na Educação (RBIE).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3067137114142725

Isabela Gasparini

Professora Associada da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Atualmente é editora-chefe da Revista Brasileira de Informática na Educação (RBIE) e Coordenadora da Comissão Especial de Interação Humano-Computador (CEIHC) da SBC.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3262681213088048

Alex Sandro Gomes

Mantém viva a confiança por impactar o desenvolvimento do país pelo viés da Educação. Atua com Design de ambientes de aprendizagem. Empreende com o propósito de melhorar o nível de consciência e autonomia de pessoas e organizações. É professor no CIN/UFPE, onde lidera o grupo Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional. É idealizador da plataforma http://redu.digital/.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7188784344595649

 

Crediné Silva de Menezes

Professor titular da Faculdade de Educação/UFRGS, docente dos Programas de Pós-Graduação em Informática na Educação (PPGIE/UFRGS) e Informática (PPGI/UFES). Membro do Núcleo de Estudos em Educação na Cultura Digital (NEED/UFRGS). Desenvolve pesquisas nos seguintes temas: Inteligência Artificial Aplicada à Educação, Arquiteturas Pedagógicas, Formação de Professores, Jogos Digitais e Aprendizagem, Ecossistemas Digitais de Aprendizagem e Pensamento Computacional.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/54544p84334693909

Como citar esse artigo:
MOTTA, Claudia L.R.; ARAÚJO, Rafael Dias; GASPARINI, Isabela; GOMES, Alex Sandro; DE MENEZES, Crediné Silva; Vamos falar sobre a importância da revisão por pares nos eventos científicos e as discrepâncias entre revisões? SBC Horizontes, março 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/03/vamos-falar-sobre-a-importancia-da-revisao-por-pares-nos-eventos-cientificos-e-as-discrepancias-entre-revisoes? Acesso em: dd mês aaaa.
(abrir em uma nova aba)

Compartilhe: