Cafetões virtuais: A nova ameaça das redes sociais
por Letícia Lopes Borba e Mariana de Siqueira
(Especial GEDI)
O que é um “cafetão”? Para muitos, a primeira imagem que vem à mente é a figura de um homem presente em ruas escuras e movimentadas, responsável por facilitar e administrar o serviço das prostitutas em troca da participação em seus lucros. No entanto, tal imagem pouco corresponde à realidade atual, tendo em vista a utilização frequente dos ambientes virtuais por esses agentes.
Assim, longe de se arriscarem em lugares públicos, onde podem ser abordados por policiais a qualquer momento, muitos cafetões vêm optando por “agenciar” mulheres à distância, utilizando-se, em especial, das ferramentas proporcionadas pelas redes sociais. Por vezes, esse tipo de relação se resume a uma simples troca de benefícios entre os participantes, mas, por outras, é possível que ocorra uma situação de exploração, acobertada pelo anonimato virtual.
Nos dois casos ocorre um crime chamado de “rufianismo”, que nada mais é que o ato de participar dos lucros da prostituição de outras pessoas. Contudo, quando se utiliza da violência ou da ameaça para isso – inclusive com a prática de outros delitos – o crime se torna mais grave, podendo levar a punições mais severas.
À medida em que o mercado do sexo migra para o ambiente virtual, estratégias cada vez mais criativas de manipulação, aliciamento e exploração vem sendo encontradas por esses criminosos, principalmente com o uso das redes sociais.
Mas que estratégias são essas? Como evitá-las?
Infelizmente, o risco de aliciamento para a prostituição está presente em quase todas as grandes redes sociais. Em páginas como o Facebook, Instagram e Snapchat, os cafetões costumam curtir e comentar nas fotos da vítima e enviar solicitações de amizade. Em aplicativos como o Tinder e o Whatsapp, a conversa pode se iniciar após o exame das outras redes sociais. Em sites onde é possível realizar transmissões privadas de vídeo ao vivo, como o Omegle, os criminosos podem pedir que as mulheres mostrem o corpo, utilizando as imagens para extorqui-las (BAUGHMAN et al, 2018).
Presencialmente, as três principais estratégias de aliciamento usadas pelos cafetões são a intimidação física, o envolvimento amoroso e o convencimento empresarial. Seus praticantes são chamados, respectivamente, de cafetões gorila (gorila pimps), cafetões romeus (romeo pimps) e cafetões CEO (CEO pimps).
Apesar do ambiente virtual exigir algumas adaptações nessas técnicas, a exposição excessiva da vida privada das vítimas em suas redes sociais facilita a atuação desses criminosos, que se utilizam de informações compartilhadas pelas próprias mulheres para ameaçá-las, seduzi-las ou para oferecer “propostas irrecusáveis” (BAUGHMAN et al, 2018).
Depois do recrutamento, vários são os artifícios encontrados pelos cafetões para impedir o desligamento da prostituta, entre os quais se incluem a desumanização, a ameaça e a chantagem emocional, os quais podem ser igualmente feitos por meio das plataformas digitais (LUKES, 2018).
A denúncia dessa situação, no entanto, encontra diante de si uma série de barreiras, que se iniciam pelos próprios sentimentos conflitantes da vítima. Muitas, afinal, hesitam em denunciar por medo, vergonha, ou simplesmente por não se enxergarem como vítimas, em especial quando houve envolvimento amoroso com os cafetões romeu.
Quando, mesmo diante desses desafios, as vítimas reúnem coragem para denunciar, é possível que encontrem um sistema de justiça contaminado por estereótipos ligados à prostituição (DUTRA; GIMENEZ; MÜLLER, 2017). Dessa forma, ao invés de receber o devido suporte e apoio institucional, muitas mulheres podem se deparar com uma segunda esfera de violências, dessa vez praticada pelas instituições que deveriam acolhê-las.
Mas o que podemos fazer? Diante da gravidade do problema, é indispensável que se recorra a todos os espaços possíveis de denúncia e combate.
REFERÊNCIAS
BAUGHMAN, Meredith et al. Social Media and Sex Traffiicking Process: from connection and recruitment, to sales. 2018. Disponível em: https://www.utoledo.edu/hhs/htsji/pdfs/smr.pdf. Acesso em: 7 jan. 2021.
DUTRA, Gabrielle Scola; GIMENEZ, Charlise Paula Colet; MÜLLER, Aline Beatriz. Pobres, Pretos e Putas: dos discursos da sociedade e da mídia à seletividade do direito penal. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E CONTEMPORANEIDADE, 4., 2017, Santa Maria, RS. Anais […]. Disponível em: http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2017/7-5.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.
LUKES, Eleana. Being Groomed for A Life of Sex Trafficking: The Raw and Uncut Truth. 2018. 31 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Estudos Especiais de Família, Crise e Intervenção, St. Cloud State University, St. Cloud, 2018. Disponível em: https://repository.stcloudstate.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1035&context=cfs_etds. Acesso em: 4 jan 2021.
RISÉRIO, Mariana. Meninas, mulheres e imagens virtuais: Por entre violências, direitos e ciberfeminismos. Curitiba: Appris, 2019.
Sobre as autoras
MARIANA DE SIQUEIRA
Professora Adjunta da UFRN. Doutora em Direito Público pela UFPE. Mestre em Direito Constitucional pela UFRN. Graduada em Direito pela UFRN. Habilitada em Direito do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis por convênio entre a ANP e a UFRN. Desenvolve pesquisas especialmente no que diz respeito aos temas do Direito Digital, Direito e Feminismos, Direito e Gênero e Direito Administrativo. Coordenadora dos grupos de pesquisa: Direito, Estado e Feminismos nos 30 anos da Constituição: estudos sobre interseccionalidade (DEFEM), Grupo de Estudos do Direito Público da Internet e das Novas Tecnologias (GEDI) e Observatório das Práticas da Administração Pública Brasileira (OPRA). Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN. Presidente do IPTECS – Instituto Potiguar de Tecnologia e Sociedade. Membro fundador do IDASF – Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes. Membro fundador do IPDT – Instituto Potiguar de Direito Tributário.
LETÍCIA LOPES BORJA
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro-pesquisador do Grupo de Estudos do Direito Público da Internet e das Novas Tecnologias (GEDI) e do Observatório de Direito Internacional do Rio Grande do Norte (OBDI). Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica In Verbis (UFRN) e da Revista Estudantil Manus Iuris (UFERSA).
Como citar este artigo:
BORJA, L. L.; SIQUEIRA, M. CAFETÕES VIRTUAIS: A NOVA AMEAÇA DAS REDES SOCIAIS. SBC Horizontes, SBC Horizontes, Junho 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/05/cafetoes-virtuais-a-nova-ameaca-das-redes-sociais/>. Acesso em: